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09/01/2009 - Claudio Carsughi uma lenda viva do jornalismo esportivo. Acompanhe

Não é possível falar sobre o jornalismo especializado em automobilismo sem citar Claudio Carsughi. Italiano de Arezzo, mas radicado no Brasil, mestre na arte de comentar um fato com poucas palavras, conhecido por sua elegância — nunca aparece em público sem terno e gravata.

Prestes a completar seis décadas de serviços prestados ao jornalismo, Carsughi é o primeiro profissional da imprensa automobilística a ser sabatinado.

Cláudio é conhecido por sua capacidade de sintetizar suas opiniões. "Falo brincando, mas entendo que se você não consegue expressar aquilo que pensa em um minuto, pode ficar falando durante o dia inteiro que não vai conseguir", costuma dizer o jornalista.

Pois bem, dentro de nossa redação, não seria possível a Carsughi dar respostas curtas, já que ele tem um sem-número de histórias para contar. De sua vida, da chegada ao Brasil, da primeira experiência em uma corrida de F-1, do começo no jornalismo, de sua relação com grandes pilotos como Emerson Fittipaldi, Nelson Piquet e Ayrton Senna, entre outros assuntos.

Poderíamos fazer qualquer coisa, menos ser tão resumidos. Conversamos por cerca de uma hora com Claudio Carsughi, e dividimos o papo em duas partes.

Grande Prêmio: Como foi a sua infância na Itália? Você nasceu em Arezzo e disse uma vez que morar lá não é nada diferente do que morar em Araraquara, por exemplo.

Cláudio Carsughi: Era a infância de qualquer outro garoto. Arezzo é uma cidade pequena, naquele tempo era menor ainda do que é hoje. Meu círculo de amizade envolvia os filhos dos amigos de meus pais. Cheguei a fazer o primeiro ano do primário, e depois fomos para Florença. Comecei a ter amigos meus, não eram obrigatoriamente os filhos dos amigos dos meus pais. Foi lá onde conheci o futebol, iniciei a torcer pela Fiorentina. Enfim, quando falei sobre Araraquara, era para dizer que não tive uma infância absolutamente nada diferente do que a de outros garotos. Passei por algumas privações, restrições durante a Segunda Guerra Mundial, mas de resto foi normal.

GP: Pelo menos onze em cada dez italianos têm o futebol e o automobilismo como paixões. Como que nasceu a sua admiração pelos dois esportes? Seu pai lhe influenciou a gostar de esportes a motor, já que ele era um amante de carros?

CC: Certamente, meu pai tem a ver, e muito, com minha paixão pelo automobilismo. Ele foi responsável pelo meu primeiro contato com o esporte, quando me levava para ver a passagem, perto de Arezzo, da corrida Mille Miglia (foto). Sobre futebol, comecei torcendo pelo time da cidade, a Fiorentina, torço até hoje, mas se tiver de escolher entre os dois esportes, o automobilismo ganha de goleada. Posso até contar um caso. Em 1966, eu estava na Itália. Trabalhava no Jornal da Tarde e acertei com eles para fazer a matéria sobre o GP de F-1 que aconteceria no país. A redação me telefonou na sexta-feira à noite, dizendo que a Internazionale iria jogar no sábado, se não me engano, pela então Copa dos Campeões. Pediram-me para deixar de ir aos treinos do GP e cobrir o jogo. No domingo, eu faria a corrida. Respondi: "Olha, jogo da Inter, vocês se virem, peguem de agências, do que tiver. Estou aqui de férias, mas nem Jesus Cristo me tira de Monza. Sábado cedo, eu vou ao autódromo, como estive na sexta e irei no domingo. O futebol não me interessa em absolutamente nada." (risos)

GP: Talvez sua maior marca registrada seja o poder de síntese, com comentários curtos, que não chegam a ter um minuto. Como você adquiriu essa habilidade? É verdade que foi baseado no Latim, língua que você não gostava de aprender no começo da escola?

CC: Minha restrição com o Latim foi muito curta. É que, inicialmente, eu entendia que o aprendizado da matéria era meio chato. Eu comecei a questionar com meu pai. Para que vai me servir isso? Uma língua morta, que só os padres falavam, que normalmente não se escreve. Pensava que não me serviria para nada. Após o primeiro semestre, eu comecei a gostar lendo várias obras em Latim, como o "De Bello Gallico", contando a invasão dos romanos na Gália. Nesse momento, senti que era uma língua muito interessante, que lhe permite sintetizar, com todas as palavras, toda uma idéia, toda uma definição, ao contrário das línguas neolatinas — italiano, espanhol, português. Isso serviu como substrato por todo o resto de conhecimento que fui ganhando através dos anos, até mesmo em matérias especificamente técnicas, como física e química. Tanto que hoje dou graças a Deus por ter estudado Latim.

GP: Quando era criança, você se chegou a conhecer pessoalmente Adolf Hitler e Benito Mussolini (foto)?

CC: Não é que eu conheci pessoalmente. Eu tinha seis anos e estava dentro daquele esquema, que havia no fascismo, de jovens que eram arregimentados. Então, a nossa equipe foi escalada para ficar em um determinado lugar onde passaria o Hitler e o Mussolini, em Florença. Foi assim que eu os vi, mas nada mais além disso.

GP: Alguns dizem que ambos teriam o achado "bonitinho".

CC: (risos) Isso é piada, é brincadeira. Não tem nada a ver.

GP: Você se mudou para o Brasil em 1946, seus avós já moravam aqui antes. Primeiramente, qual era a sua imagem do país antes de vir para cá?

CC: Nenhuma. Para mim, o Brasil era algo meio nebuloso, desconhecido. Não tinha a menor idéia. A única imagem que me vinha do Brasil era dos sacos de café com a bandeira do país. Nós recebíamos esses sacos porque minha avó materna morava aqui e nos mandava. O Brasil, para mim, era aquilo. Tinham algumas histórias que meu avô contava, coisas que são inimagináveis hoje em dia. Ele me falava que para chegar a Ribeirão Preto, era preciso ir de trem até Campinas e seguir o resto do caminho a cavalo. Minha avó contava que nas manhãs de sábado, no Largo São Bento, havia a feira dos escravos. Situações de outra época.

GP: É verdade que a intenção de sua família não era de se fixar no Brasil, vocês não vieram para ficar?

CC: É, o negócio era o seguinte. Meu avô e o irmão dele vieram para o Brasil, não sei precisar em que data, com algum capital financeiro. Chegaram aqui, se estabeleceram no comércio de jóias e relógios, conseguiram representações de várias firmas importantes da Itália. Enfim, ganharam dinheiro. Aí, com 37 anos, meu avô fez um levantamento da vida dele e achou que, com aquilo que tinha guardado, poderia viver sem trabalhar. Realmente, foi uma idéia extremamente inteligente, embora se ele tivesse continuado a trabalhar, teria se tornado milionário, e quem não trabalharia hoje seria eu. Assim, ele foi embora do Brasil. Levou a família — minha avó e minha mãe, que era pequenina — para morar um ano em Paris, depois foi para Itália e ficou por lá, mas sempre manteve as atividades comerciais no Brasil.

Quando acabou a Segunda Guerra Mundial, o tio de minha mãe escreveu para nós, dizendo que tinha conseguido fazer com que os bens não fossem seqüestrados como pertencentes aos súditos do eixo. Mas ele alertou que era importante que nós fossemos ao Brasil para botarmos tudo no lugar. Meus avós decidiram ir, mas minha avó queria que toda a família fosse. Ela tinha medo de que acontecesse mais uma guerra na Europa, assim, poderíamos ficar separados. Minha mãe era filha única, e eu era neto único. Decidimos que todos iriam ao Brasil.

A idéia era ficar um ano, colocar tudo em ordem e voltar para a Itália. Tanto que eu sequer cancelei minha matrícula na escola pública de Florença. Chegamos, mas, devido à burocracia, aquilo que deveria demorar um ano, durou dois. Tudo bem, até aí não havia problemas. Só que poucas semanas antes de retornarmos, houve um momento de crise na Itália, com um atentado ao líder do Partido Comunista, Palmiro Togliatti (foto), que por pouco não chegou à guerra civil. E a impressão que se tinha era de que, de um momento para o outro, aquela que era a Guerra Fria, entre os EUA e a União Soviética, se tornaria a Terceira Guerra Mundial. Então, minha avó, como sempre, pediu para que ficássemos no Brasil. Meu pai disse que voltaria para a Itália, comigo e minha mãe. Minha avó insistiu, disse que ficaríamos separados para sempre. Pois bem, a discussão se alongou, e, como sempre acontece nesses casos, as mulheres levaram a melhor. Meu avô não era muito favorável à idéia, mas não teve jeito. Acabou que ficamos aqui.

GP: O que você achou dessa idéia de ficar?

CC: Eu não gostei, porque estava contando os dias para voltar. Encontrar meus amigos, ir para o estádio torcer por meu time. Aqui, me sentia um turista. Tudo bem, era agradável, conheci coisas novas, por exemplo, bebi guaraná pela primeira vez e achei maravilhoso. Comia algumas frutas que não tinha na Itália, como o abacate, excelente. Mas era tudo sob olhar de um turista. Estou aqui, porém, daqui a pouco, volto para minha casa. Realmente não gostei, mas como não tinha possibilidade de fazer de outra forma, fiquei.

GP: No Brasil, você aprendeu português com Jânio Quadros, ex-presidente da República (foto).

CC: Foi a minha salvação! Porque o Jânio foi meu segundo professor de português. O primeiro foi "um coitado" que, como coisa básica, me disse que o português era extremamente simples, você escrevia como falava. Eu logo saí escrevendo "treis", porque falando parece que tem um "i". Graças a Deus, poucos meses depois, aquele professor sumiu, e aprendi com Jânio. O português relativamente bom que sei falar e escrever devo ao Jânio Quadros.

GP: É verdade que você colocou uma batata no escapamento do carro dele?

CC: Não fui eu. Era nosso grupinho na escola. O Jânio, que naquele momento era um modesto professor de português e geografia, tinha um também modesto Ford 37, duas portas, meio caindo aos pedaços. A gente queria fazer alguma coisa. Aí eu falei que se nós tapássemos o escapamento, o carro não pegaria. Isso é básico. Precisava arrumar uma batata, botar no escapamento, empurrar com uma vassoura, e pronto. E o Jânio também não tinha grande conhecimento de mecânica. Todo mundo concordou em fazer isso, mas eu não quis participar, achava chato, ele era meu professor de português. Disse que não iria, mas que ficaria esperando para ver. De fato, puseram a batata no escapamento. Acabou a última aula, o Jânio entrou no carro, tentou ligar, e nada. Acho que arriou a bateria (risos). Nada de pegar. Ele não percebeu que tinha uma batata no escapamento, talvez tenha visto na oficina. E aí não sei como ele fez, se chamou guincho, o resto da história não sei.

GP: E ele desconfiou de vocês?

CC: Se desconfiou, acho que ficou sem jeito de falar.

GP: Sua carreira de jornalista começou no Brasil, após a permanência definitiva de sua família. Como foi o início, qual foi seu primeiro trabalho?

CC: Quando decidimos ficar por aqui, eu tinha de fazer alguma coisa. Meu pai era amigo do diretor do "Corriere dello Sport", de Roma, e já se sabia que haveria a Copa do Mundo, em 1950. O amigo de meu pai sugeriu que eu enviasse algumas matérias sobre o Brasil, para apresentar o país onde aconteceria a Copa para os italianos. E eu também manteria contato com a minha língua nativa. Assim minha carreira começou.

GP: Foi na Copa do Mundo de 1950 em que você teve seu primeiro contato com profissionais da rádio "Jovem Pan". Como surgiu a oportunidade de trabalhar lá? No começo, você ia para a rádio com a intenção de ouvir os jogos da Fiorentina.

CC: É, definida a nossa permanência no Brasil, a primeira coisa que eu queria fazer era comprar um rádio de ondas curtas para poder ouvir os jogos da Fiorentina. Mas o rádio custava caro. Não tinha dinheiro para comprar e tentei procurar alguma solução. Eu tinha conhecido os profissionais da Jovem Pan na Copa, embora as cabines fossem separadas, tinha certo contato com eles. Então resolvi ir lá na emissora, ouvia o jogo, depois sempre deixava classificação e resultados da rodada. Pouco a pouco, essa relação que tinha com a "JP" acabou tornando-se profissional.

GP: Em que ano você foi contratado?

CC: Em 1957. No mesmo ano, fui contratado para fazer duas colunas na "Gazeta Esportiva". Na "Jovem Pan", eu fazia uma parte internacional em um programa chamado "Plantão da Meia-Noite".

GP: Poucas pessoas sabem que, além de jornalista, você se formou em Engenharia. Como foi a experiência de cursar a faculdade ao mesmo tempo em que trabalhava com Jornalismo? Chegou a desempenhar a função de engenheiro?

CC: Não pensava naquele momento em ter o jornalismo como profissão. Até porque minha avó falava que jornalista não ganhava dinheiro e morria de fome. Eu realmente gostava de engenharia. Quando fui entrar na faculdade, tinha de escolher entre a Politécnica e a Mackenzie. Uma era gratuita, a outra, paga. A escolha era óbvia, preferi a Poli. Paralelamente, eu já estava trabalhando mais intensamente na rádio e no jornal. Aquelas matérias para o "Corriere dello Sport" tinham se tornado semanais. Enfim, ganhava um certo dinheiro. Quando acabei a faculdade, fiquei um ano conciliando os trabalhos de engenheiro e jornalista. Depois de um ano, cheguei à conclusão de que o sonho que tinha de ser engenheiro e ter meu escritório não seria possível, porque não tinha capitais para isso. Eu teria sido sempre um empregado em um escritório de engenharia. E aí, vi que aquilo que iria ganhar era mais ou menos aquilo que podia receber como jornalista, e achei que teria maior independência. No jornalismo, sempre trabalhei em, no mínimo, dois lugares. Isso te dá uma absoluta tranqüilidade, porque se eu me encrencasse em algum dos lugares onde estava, poderia ir embora, porque teria outro emprego como segurança. Além disso, ser jornalista sempre foi muito mais divertido. Por isso, optei por essa profissão.

GP: Vamos falar agora de automobilismo, mais propriamente de F-1. Qual foi a primeira corrida que você viu como torcedor e cobriu como jornalista?

CC: Ainda garoto, meu pai me levou para ver várias provas antes do começo do Campeonato Mundial. O GP da Itália, em Monza; a Copa Ciano, em Livorno. Eu era fascinado pelo barulho, pelo cheiro, por tudo aquilo que envolve uma corrida de F-1. Profissionalmente, comecei a cobrir corridas quando trabalhava na Jovem Pan. Antes do Mundial, já tínhamos temporada de provas aqui, geralmente vinham dois ou três pilotos famosos para correr em Buenos Aires, São Paulo e Rio, em 1948 e 1949. Em SP, Interlagos; no RJ, circuito da Gávea.

GP: Como era o ambiente de uma prova no circuito da Gávea (foto)?

CC: Era extremamente folclorístico, porque havia carros de tudo o quanto é tipo. Havia modelos daquela que seria hoje a F-1, dois ou três. Chegavam Achille Varzi (piloto italiano), Emilio e Luigi Villoresi (pilotos italianos) e algum argentino. Eles corriam com a Alfa de três litros, a Maserati 1500. E havia carreteiras meio de fundo de quintal, algumas Fiat 1100 transformadas, velhos Ford V8. Também era uma coisa muito perigosa, se você analisar nos parâmetros de hoje, seria uma loucura correr lá — não era à toa que o apelido do circuito era "Trampolim do Diabo". Mas eram sempre coisas muito interessantes, sobretudo porque você tinha uma coisa que, com o passar do tempo, a F-1 acabou perdendo: contato direto com o piloto. O piloto não era uma entidade estranha, com três assessores de imprensa o impedindo de falar com você, nem com o carro reservado, hotel fechado. Antigamente, era uma coisa muito mais simpática.

Eu me lembro de uma corrida em São Paulo, em 1949. Vieram o Varzi, o Villoresi e o Juan Manuel Fangio. Curiosamente, Varzi e o Chico Landi tinham carros idênticos, um Alfa de três litros. Era uma prova de 20 voltas, os dois brigando, o Landi conseguiu uma vantagem, o Achille ficou para trás. Na 17ª volta, acabaram os pneus do Landi, que teve de parar para trocá-los. Varzi o passou e ganhou tranquilamente. Aí depois, eu perguntei para o italiano se ele estava apostando na parada do brasileiro. Ele me explicou que sim, me deu os detalhes de sua estratégia. Foi uma conversa assim como estamos agora, eu sentado aqui, você sentado aí. Estávamos em um bar, tomando uma cerveja. Hoje, ou até mesmo 30 anos atrás, isso seria impossível. É uma coisa que realmente mudou. Em minha opinião, mudou para pior, mas enfim.

GP: Quando você começou a trabalhar com automobilismo, qual foi a sua sensação ao ver o ambiente dos boxes, ficar perto de um carro de corrida?

CC: Não tive nenhuma sensação, porque já estava acostumando desde garoto. Fiquei mais nervoso ao fim da corrida, quando sentei para escrever minha primeira matéria. Ficava imaginando se tudo sairia bem. Tanto que eu me lembro do meu primeiro texto assinado. Li duas ou três vezes, para me capacitar realmente de que havia feito aquilo.

GP: Como foi a primeira entrevista que você fez com um piloto?

CC: Eu guardo com muita simpatia essa conversa com Varzi, que mencionei anteriormente. Naquele tempo, era mais fácil falar com os pilotos e engenheiros. Em 1966, estava em Monza, no GP da Itália. Conversei bastante com o pessoal da engenharia da Ferrari, porque aquela corrida marcava uma novidade tecnológica: pela primeira vez, se fez um cabeçote multiválvulas. Então, eu queria saber o que eles achavam, como funcionavam. Naquele momento, eu já tinha certo embasamento técnico.

GP: Como apaixonado por carros, você nunca pensou em ser piloto?

CC: Nunca pensei nisso. Eu gostaria mesmo de ter sido um projetista. Você pode fazer tudo aquilo que você pensa, mostrar suas idéias. Sempre me apaixonou o fato de ter um papel em branco em sua prancheta e poder projetar um carro. Mesmo porque, se você é um projetista, pode dizer em alto e bom som que o seu carro é melhor do que o outro, e você é melhor do que seu colega de profissão. É só ver a prova na pista. Piloto já depende de uma série de coisas.

GP: Qual foi o melhor projetista que você viu na F-1?

CC: Olha, foram muitos. Eu tenho amizade com o Mauro Forghieri (ex-projetista da Ferrari), gosto muito dele. Mas o Colin Chapman, embora não seja um projetista na acepção do termo que entendo, tinha idéias geniais. Os projetistas da Auto Union em 1937, quando eles fizeram o 16 cilindros de motor central. Era uma coisa à frente do tempo. O Gioacchino Colombo, quando ele fez o Alfa 158, e depois evoluiu com a 159, com o compressor de duplo estágio. Tivemos vários bons projetistas.

GP: Qual foi o melhor carro que você já viu na F-1, e o maior desastre, em termos de engenharia de projeto?

CC: Tivemos alguns desastres, mas acho que a Honda do ano passado é um sério concorrente. Aquele carro era um desastre mesmo. O melhor... (pensativo) A Lotus do Chapman realmente era algo à frente. A série das Ferraris de câmbio transversal, que também era um passo à frente. A Auto Union de 1937 realmente era algo fora dos padrões da época.

GP: Você que é torcedor da Ferrari, como é que foi acompanhar o jejum de títulos da equipe?

CC: Olha, foi duro. Muitas vezes, dava raiva de ver os outros ganhando, e o raio daquela Ferrari não andar. Houve alguns momentos em que se teve a esperança que o tabu acabasse, como em 1985, com Michele Alboreto. Só que na parte final do campeonato, a equipe não conseguiu progredir, e o Alain Prost acabou ganhando merecidamente o campeonato. Teve outra em 1991, em que se esperava que a Ferrari fosse campeã com Prost, e acabou não sendo. Mas eu acho que foi um jejum amplamente compensado por seis anos seguidos de vitórias. Época em que não era raro fazer primeiro e segundo lugares, e perguntavam quem era o terceiro que subiu ao pódio.

GP: Como é a cobrança da imprensa italiana sobre a Ferrari e seus pilotos?

CC: Para te dar um exemplo bem claro, é a mesma cobrança da imprensa brasileira com a seleção de futebol. Se não ganhou, porque não ganhou, o que aconteceu? Se ganhou, normal.

GP: Como a imprensa influencia uma competição como a F-1?

CC: Hoje em dia, a influência é muito relativa. O Ecclestone conseguiu fazer um brinquedo que anda por si. A imprensa, claro, noticia, especula, dependendo do enfoque, traz uma noção técnica do assunto. Não quero dizer que a F-1 sobreviveria sem os meios de comunicação, nenhum esporte sobreviveria sem a mídia, mas a imprensa não é tão importante como foi em outros períodos.

GP: Falando sobre a pressão da imprensa italiana, houve o caso do erro do Massa, na Malásia. Logo após a corrida, ele foi massacrado pelos jornais italianos. Existiu e existe certo exagero nas críticas feitas aos pilotos da Ferrari, na Itália?

CC: Você pode dividir a imprensa de todo o mundo entre a séria, que é uma faixa reduzida, porque não dá manchete, não chama muitos leitores e não apaixona aquele que vê pela televisão, e o resto. Gosto de fazer uma comparação na Inglaterra. O "News of The World" vende seis, sete milhões de cópias aos domingos. O "Times" vende 400 mil exemplares. Só que o "Times" chega às 400 mais importantes famílias do país, cria opinião e é respeitado. O resto é levado um pouco na brincadeira. E, da mesma forma, temos na imprensa automobilística aqueles veículos mais sérios, e também existe uma montanha de lixo.

GP: Você trabalhou muito em revista especializadas avaliando carros. Você passou por algum aperto quando estava testando alguns desses carros?

CC: Sim, e curiosamente foi um aperto bobo, que se repetiu por várias vezes. Aconteceu quando se instaurou a lei de 80 km/h. Nós tínhamos um circuito rodoviário que passava por Analândia, Pirassununga, Limeira e outras cidades. Tinha uns 200 km. E nós fazíamos esse percurso duas vezes, uma com piloto, a outra com carga total, para ver o consumo real. Naquele tempo, quase todas as estradas eram em duas mãos, sem vias separadas. Nós geralmente fazíamos isso de madrugada, para não ter muita influência de trânsito, caso contrário, poderíamos pegar um congestionamento, falsearia a avaliação. Pegar aquelas descidas a 80 km/h, precisando frear em alguns pontos, vendo um caminhão atrás pedindo passagem, não era das coisas mais agradáveis. Digo sinceramente que em algumas vezes, se tivesse um revólver, algum pneu de algum desses caminhões iria para o "beleléu".

GP: Qual foi o carro que você mais gostou de avaliar nesses anos todos?

CC: (pensativo) Não foi um teste para a revista, nem foi aqui. Foi em Fiorano, com a Ferrari Testarossa.

Grande Prêmio: Você teve a oportunidade de ver dois grandes nomes do automobilismo: Juan Manuel Fangio e Chico Landi. O que você tem a dizer sobre os dois dentro da pista?

Claudio Carsughi: Olha, eram dois pilotos que se fizeram por si. Ambos eram mecânicos, que vinham lá de baixo, e isso lhes dava um excelente conhecimento sobre o meio automobilístico. Eles sabiam exatamente o que tinham de fazer, até que ponto podiam ir, e aquilo que não devia ser feito.

GP: Você trabalhou com Wilson "Barão" Fittipaldi, pai de Wilsinho e Emerson Fittipaldi. Ele narrava as provas de automobilismo para a "Jovem Pan". Como era a sua relação com a família Fittipaldi? Você já conhecia o Emerson antes de ele tentar a sorte como piloto na Europa?

CC: Sim, eu conheci o Wilson na rádio, fiz amizade com ele. Logo após, ele me apresentou à sua família. No começo, por exemplo, o Emerson me chamava de senhor. Não é que houvesse uma excepcional diferença de idade. Mas eu era amigo do pai dele, então tinha isso. Minha relação com a família Fittipaldi é uma das boas amizades que eu tenho até hoje.

GP: O que você sentiu quando o Emerson foi campeão mundial de F-1 pela primeira vez? O que você lembra desse dia?

CC: Fiquei muito contente. Lamentei por não ter estado em Monza naquele momento, mas entendi que o sonho do Wilson tinha se tornado realidade. Sonho que começou mandando o Wilsinho, que era o mais velho, para a Europa. Depois, foi o Emerson. Havia essa crença de que podia dar certo. E acabou dando certo. Eu me lembro ainda na velha "Record", em que o Wilson nos mandou da Inglaterra um filminho de cinco minutos da primeira vez que o Emerson tinha pilotado com um monoposto. Eu fui o encarregado de fazer os comentários, porque só havia imagens. Então, tudo isso me levava a crer que era um sonho que podia dar certo.

GP: Apesar do Chico Landi, muitos consideram o Emerson (foto) como a pessoa que abriu as portas para os brasileiros na F-1 e para o automobilismo mundial. Você concorda com isso?

CC: Certamente, porque o velho Chico tinha tentado isso, só que ele não tinha conseguido entrar na equipe oficial da Alfa Romeo. Havia dificuldades, não tinha um patrocinador. Uma vez, o Ademar de Barros (ex-governador de São Paulo) comprou uma Ferrari, pintou de verde e amarelo, e deu de presente para Landi. Mas, enfim, não havia suporte. Apesar de vencer o GP de Bari, o Chico não conseguiu dar seqüência. O Emerson foi, e poderia repetir o Júlio César: "Veni vidi vici — Vim, vi e venci". Ele realmente abriu as portas. O piloto brasileiro, depois do êxito do Emerson, começou a ser olhado de outra forma. Não era mais o cara que vinha do país do samba, das bananas e das mulatas, mas era alguém que podia ter qualidades.

GP: Devido ao seu contato próximo, você chegou a conversar com o Emerson sobre o projeto da Copersucar? Quais eram as pretensões dele, existe algo a mais que você pode contar a respeito?

CC: Eu ouvi muitas coisas sobre o projeto. Lógico, posso contar algumas, outras não. Basicamente, o Emerson torcia para que o negócio da Copersucar desse certo com o Wilsinho. É claro que ele achava que teria chances de ser competitivo na McLaren, ao contrário da Copersucar. Mas se criou uma determinada situação, com pressão de patrocinadores, que o negócio só iria à frente se o Emerson entrasse. Eu tenho a impressão, nunca cheguei a perguntar para o Emerson, mas que custou um pouco para ele ser convencido. Era lógico, mesmo que tudo desse certo, demoraria uns cinco ou seis anos para uma equipe sair do nada e se tornar um grande time. E poderia não se tornar, havia exemplos claros — John Surtees tinha falhado, o Frank Williams estava em penúria de miséria. Complicava-se ainda mais com a obrigação de fazer a escuderia aqui no Brasil. Uma coisa é fazer uma equipe na Inglaterra, onde você vai no "supermercado" de peças e pode conseguir um motor ou um câmbio com facilidade. Outra coisa é você fazer tudo aqui, a 12 mil km de distância. É tudo mais complicado, demorado, mas havia essa idéia de um carro brasileiro. Eu me lembro de ter brincado com o Wilson. Estávamos no Rio e vimos a Arrows. Falei para ele: "Wilson, compra esses carros, pinta de verde e amarelo. Com calma, lá na Inglaterra, você põe uma base, vai desenvolvendo, e daqui a três ou quatro anos tem um carro brasileiro. Mas, por enquanto, esse aqui lhe quebra o galho. Sabe, esse carro, na mão do Emerson, chega sempre entre os dez primeiros." Claramente, não havia essa possibilidade, e o negócio foi adiante, até que teve de fechar.

GP: O "Barão" ficava nervoso quando narrava provas do Emerson e do Wilsinho?

CC: Não. Sempre admirei o controle dele. Posso citar dois casos específicos. Primeiro, quando o Copersucar pegou fogo na estréia, em Buenos Aires, em 1975. Não dava para saber direito, porque era do outro lado, você via de longe. E o Wilson continuou imperturbável, narrando a corrida.

O outro que senti de perto, sempre achava graça, foi no Rio, quando o Emerson foi segundo colocado. Tínhamos todo aquele "bla-bla-bla" depois da corrida. O Wilson falou uns cinco minutos, me jogou o microfone e disse: "se vira". (risos) E foi correndo festejar com o Emerson.

GP: Você já disse que esse é um dos momentos marcantes de sua carreira, acontecido no autódromo de Jacarepaguá. Qual é a sua opinião sobre a demolição da pista carioca?

CC: Talvez seja um raciocínio cru e radical, mas estou convencido de que carioca não gosta de automobilismo. Mesmo quando tinha corrida, você via que a absoluta maioria era formada por gaúchos, catarinense, paranaenses e paulistas. O carioca prefere ir para a praia, não sente muito o automobilismo. Lógico que todos os pilotos gostavam mais do Rio do que São Paulo. O RJ tem praia, belezas naturais. Mas não conseguiram manter a F-1 lá exatamente por essa minha idéia: porque eles não gostam. Então, era lógico que, cedo ou tarde, iriam arranjar um jeito para mutilar e demolir o autódromo. Eu acho perfeito. Cada um tem de fazer o que gosta. O Rio não gosta de automobilismo.

GP: Então, você não acredita que construam um novo autódromo no Rio?

CC: Já faz algum tempo que não acredito em Papai Noel. Antes, eu acreditava, mas passaram alguns anos, não acredito mais.

GP: Como era sua relação com Nelson Piquet (foto)? Que análise você faz do estilo de pilotar do tricampeão?

CC: Como piloto, excelente. A nossa relação, também excelente. Eu me dou muito bem com ele. Entendo perfeitamente o Piquet. Aquilo que muita gente acha que é uma expressão de falta de educação, é absolutamente lógico. Se você está sentado no seu carro, prestes a iniciar a movimentação de largada, e vem alguém lhe perguntar se você vai correr para ganhar, a resposta claramente será um palavrão. O que eu achava graça, e entendia também, era a divisão que o Nelson fazia, e ainda faz hoje, do jornalista que entende e não entende de automobilismo. Eu desculpo o jornalista que não entende, porque, no Brasil, é raro alguém poder trabalhar exclusivamente com automobilismo. E você não pode exigir que todo mundo saiba de tudo. Quando muito, o jornalista vai ter uma idéia vaga, e vai fazer uma pergunta óbvia ou imbecil. Nos dois casos, o Piquet vai responder mal, e com toda a razão, porque você está o fazendo perder tempo. Eu sempre me dei maravilhosamente bem com o Piquet. Inclusive, não gosto muito do esportista em geral que tem um discurso preparado, politicamente correto, que você sabe que não é verdade, o cara nem está pensando naquilo. Mas está falando amanhã com você, porque representa x, y ou z, que são importantes; e não fala com ele, porque representa a, b e c, que não têm a menor importância. Acho desagradável isso.

GP: O Piquet tinha algo a mais que os outros não possuíam dentro da pista?

CC: O acerto do carro. Ele conseguia sempre tirar algo a mais, inventar alguma coisa. Lógico, naquele tempo, havia uma possibilidade maior de você mexer. O regulamento de hoje é mais restritivo, aquilo que você pode fazer é muito pouco. O que aprecio muito no Piquet é exatamente esse saber em tirar o máximo, raspar até o fundo do barril para tirar tudo.

GP: Agora teremos Nelsinho Piquet na F-1. O que podemos esperar dele?

CC: Eu prefiro esperar, por uma razão muito simples, e até costumo fazer uma comparação com o jóquei. Você pode ter um cavalo muito bom, então, você o inscreve em uma corrida. Naquela turma, ele é maravilhoso. Sobe de turma no ano seguinte, também maravilhoso. Pode ser que ele continue subindo e seja um craque mundial. Pode ser que, em um determinado momento, ele pare, porque o nível dele é aquele. Veja, por exemplo, o kart. Quantos campeões mundiais de kart realmente se impuseram? E, no entanto, o kart é reconhecidamente o bê-á-bá do automobilismo, é lá onde você realmente aprende. Então, prefiro esperar. Claro que tenho simpatia, como todo piloto novo, mas não vou fazer um julgamento. Seria extremamente arriscado. É como você querer julgar um jogador de futebol com 18 anos. Vamos esperar um pouco mais para ver o que vai acontecer.

GP: Depois de Emerson e Piquet, o Brasil teve mais um campeão mundial de F-1, Ayrton Senna (foto), considerado o maior piloto de todos os tempos por muitos fãs e jornalistas. Quando você começou a observá-lo nas pistas, já era possível notar que ele tinha algo especial que o diferenciava da maioria?

CC: Dava para sentir. Eu tive uma experiência com o Senna, no autódromo do Rio, em uma apresentação de um carro da Ford. Eu já tinha andado com o carro antes e tinha sentido uma determinada vibração no topo de velocidade. Aí depois veio o Senna para guiar. A tocada dele já me impressionou muito favoravelmente, porque ele foi até certo ponto e não foi mais porque se tornaria perigoso. Já me deu uma sensação muito agradável do cara que sabia o que estava fazendo.

GP: Como era o Senna no lado pessoal?

CC: Conversei com ele algumas vezes, mas não era amigo do Senna, sabe, a mesma amizade que tenho até hoje com o Emerson. E eu via bem as duas partes. A parte politicamente correta do Senna, e aquilo que eu pensava que ele pudesse pensar naquele momento. Ele fazia essa distinção entre a importância, ou não, daquilo que você representava. Diria que era uma coisa que não me agradava muito.

GP: Você considera a rivalidade Senna-Prost como a maior da F-1?

CC: Não. Tivemos muitas, como Achille Varzi-Tazio Nuvalari e Fangio-Alberto Ascari. Senna-Prost ganhou uma importância fora do comum pelo respaldo midiático que teve, e pelo fato que, depois de um ano, acabou polarizado entre duas equipes — McLaren e Ferrari. Isso lhe deu um tamanho que talvez 50 anos atrás não tivesse.

GP: As manobras feitas por Senna e Prost, em 89 e 90, foram anti-desportivas ou você acredita que eram coisas do jogo?

CC: Eu achei absolutamente anti-desportivas. O Senna ainda tinha a desculpa de tirar a revanche, porque, se ele não bate naquela corrida, o Ayrton só ia ver o Prost no pódio, a Ferrari era melhor do que a McLaren. Foram dois pontos negros da história da F-1, como, por exemplo, a batida do Michael Schumacher no Damon Hill (GP da Austrália, 1994). Coisas que não aceito.

GP: Você foi o primeiro jornalista a noticiar a morte do Senna. Qual foi a sua reação na hora do acidente? E como você estava encarando aquele fim de semana, com um grave acidente de Rubens Barrichello e a batida que vitimou fatalmente o austríaco Roland Ratzenberger, culminando naquele domingo fatídico?

CC: Eu não queria acreditar que fosse acontecer aquilo. Embora, no sábado, eu me lembrei imediatamente de 1949, GP da Suíça, em Berna, onde morreu um motociclista no treino, e depois tivemos o acidente fatal do Varzi. Mas achava que aquilo já tinha passado, e que na corrida não iria acontecer nada. Inclusive, a minha primeira impressão logo após a batida era de que o Senna iria levantar e andaria para os boxes. Depois, comecei a perceber que a coisa era mais grave. Larguei a transmissão da rádio e tentei me comunicar com os amigos na Itália, fiquei corujando a rádio italiana, até que tive a declaração da médica dizendo que o encefalograma do Senna estava plano. Não precisava ser médico para entender que ele tinha morrido. Embora a médica não tivesse dito "Senna morreu", não tinha como. Aí eu entrei e dei a notícia da morte do Senna, algo que não teria gostado nunca de informar, não tenho nenhum prazer em dizer que fui o primeiro, mas é a realidade.

GP: Até hoje, procuram culpados para aquele acidente. Você considera que houve culpados, ou foi uma fatalidade de um esporte perigoso?

CC: Para mim, teve culpados. Eles se chamam equipe Williams, Frank Williams, talvez um pouco, e toda a engenharia. Eu tive essa dedução desde o começo. No momento em que o Senna pediu aquela modificação no carro (o aumento na barra de direção), porque disse que não estava à vontade (Senna estava incomodado porque suas mãos raspavam no cockpit), o chefe de equipe deveria dizer: "Não, nós não temos aqui meios de fazer isso. Na próxima corrida, vamos fazer na fábrica, desenharemos uma nova peça, faremos todos os testes de resistência. Não vamos arrumar de qualquer jeito aqui." Mesmo que precisasse brigar com o Senna. A culpa foi da Williams, reconhecida pela justiça italiana, tantos anos depois.

GP: Depois da morte do Senna, o público brasileiro procurava por um sucessor que conseguisse manter a história de glórias nacionais na F-1. A carga foi colocada nas costas de Rubens Barrichello. Isso prejudicou a carreira dele?

CC: Prejudicou de forma brutal. Eu arrisco a dizer que a carreira do Rubens teria sido outra se o Senna não tivesse morrido. Provavelmente, o Barrichello jamais teria chegado ao nível do Ayrton, e isso não é nenhum demérito. Seria a mesma coisa você ficar chateado porque um jogador de futebol não chegou ao nível do Pelé. Sabe, cada um tem os seus limites. Então, para ele foi um desastre. O Barrichello sempre foi um piloto de qualidade, demonstrou isso em todas as categorias inferiores, mas foi tremendamente prejudicado por esse afã de encontrar um substituto do Senna. Um afã que, curiosamente, não se verificou no futebol. Quando o Pelé parou, ninguém saiu desesperado na busca de outro garoto negro de 16 ou 17 anos que pudesse ser o novo Pelé. Entendeu-se que se surgisse, tudo bem, mas se não, paciência. Existem outros bons jogadores. Bons, mas não excepcionais. Faltou isso, porque dentro de um universo de 100 torcedores de F-1, você tinha dez que eram aqueles que já vinham acompanhando as carreiras de todos, que entendiam e gostavam. Os outros 90 eram fascinados pelo brasileiro que era o melhor do mundo, e que, inconscientemente, lhes davam uma sensação de revanche contra uma vida eventualmente difícil, quando a Globo tocava o "Tema da Vitória". No esporte brasileiro, de uma forma geral, há, para mim, aquilo que é uma clara deformação. Aparece alguém bem dotado, mas ele não tem chance. Não se tem um meio termo para falar o quanto ele vale de 0 a 10. Ou é o melhor, ou o pior.

GP: Apesar de toda a carga, Barrichello chegou à Ferrari, sendo companheiro de Michael Schumacher. Devido à sua condição de segundo piloto, os brasileiros diziam que ele era constantemente prejudicado pela equipe. Você, que conhece como ninguém a escuderia italiana, acredita nisso?

CC: Primeiro, não existem dois carros de F-1 absolutamente iguais, mesmo porque muitas coisas são feitas artesanalmente. Mas são bastante semelhantes. Nunca ninguém teve o menor interesse de prejudicar, não o Barrichello em si, mas o segundo piloto do Schumacher. A Ferrari ganhou cinco anos seguidos com o alemão, além de seis campeonatos de construtores. Se em cada ano, hipoteticamente, vencesse com um piloto diferente, para a equipe seria muito melhor. Ocorre que o Barrichello não conseguiu ser melhor do que o Schumacher. O Michael é melhor piloto do que Rubens, isso me parece uma constatação absolutamente lógica. No caso da Áustria, em 2002, quando o Barrichello teve de ceder a primeira posição, eu acredito que foi um cálculo errado do Jean Todt, mas também entendo, porque eram dois pontos em disputa. Se aqueles pontos fizessem falta no fim do campeonato, cobrariam dele. E a Ferrari já tem, com Luca di Montezemolo, uma marca muito forte de ter perdido um campeonato por não privilegiar um piloto em relação ao outro. Em 1974, a Ferrari tinha o melhor carro de todos, só que o Montezemolo (chefe de equipe na época) nunca freou o Niki Lauda quando Clay Regazzoni estava na frente. Sobretudo no GP da Itália, deixou os dois correrem à vontade. Resultado: os dois quebraram. Depois, começou a recuperação do Emerson, que acabou sendo o campeão. Isso ficou marcado. Por isso, caso haja uma diferença entre dois pilotos, tem de jogar a chance no melhor. Se o outro puder vencer, ótimo, porque aí a Ferrari que ganha. Mas eles não vão arriscar.

GP: O que lhe vem mais à cabeça quando o assunto é Michael Schumacher: o grande piloto, heptacampeão mundial, multirecordista; ou o "Dick Vigarista", que costumava tirar uma casquinha dos seus rivais dentro das pistas?

CC: Aí, um pouco como faço com o Senna, divido o homem do piloto. O Schumacher homem, não tenho muita simpatia. O Schumacher piloto, perfeito. É um excelente piloto, tira o máximo de qualquer carro que você der para ele. Outro dia, ele correu com kart. Quando você bota seis segundos de vantagem no kart, significa que os outros ficaram no dia anterior. Mas eu faço essa diferença. Caracterialmente, existem vários pontos negros na carreira dele.

GP: Como você vê a ausência de bons pilotos italianos nas maiores categorias, como a F-1?

CC: Eu acredito que o piloto fora de série é algo dificilmente construído. Você pode até construir um piloto razoavelmente bom, mas um fora de série é uma germinação espontânea. Vou dar um exemplo. O tênis brasileiro feminino não existe e jamais existiu, no entanto, teve Maria Esther Bueno, uma das maiores tenistas do mundo todo. Você sabe explicar o por quê?

No automobilismo italiano, talvez tenha faltado auxílio da federação, faltavam corridas de ruas, mas o supercampeão aparece, não se constrói. Deus manda em um determinado lugar alguém que tenha uma excepcional oportunidade para fazer uma determinada função.

GP: Quais são as suas expectativas para a temporada 2008 da F-1?

CC: Se alguém me pedir perspectivas para esse ano, eu peço para voltar mais tarde e esperar, pelo menos, o GP da Austrália. (risos) Não dá para ter uma idéia nesses treinos, cada um está buscando uma coisa. Precisa ver como esses carros nasceram, como vão se desenvolver. Claramente, serão diferentes em Melbourne, porque ninguém mostra todas as cartas que tem na mão. Em tese, mas muito em tese, a disputa será entre Ferrari e McLaren.

GP: A McLaren poderia ter sido campeã no ano passado se não tivesse dado tanta liberdade para Lewis Hamilton e Fernando Alonso?

CC: O Ron Dennis pode escrever um livro ou até fazer um DVD sobre "como perder um campeonato". Apesar de tudo aquilo que ocorreu no campeonato, a McLaren chegou à última corrida com seus dois pilotos podendo ser campeões, e, sobretudo, com seu piloto preferido não precisando ganhar do outro. Sabe, faz uma lavagem cerebral no Hamilton para convencê-lo a correr atrás do Alonso. Não era preciso fazer nada. Se eu sou o dono da fábrica, falo seriamente com o Ron Dennis se ele não quer me vender a parte dele e plantar batata.

GP: Nós falamos muito sobre F-1. Existe alguma outra categoria que lhe agrade? Tem alguma admiração pelas categorias dos EUA, que, em sua maioria, são disputadas em circuitos ovais?

CC: Ah, não gosto. Talvez pelo fato de que nunca vi por perto, nunca me interessei, somente bem mais tarde que comecei a ver alguma coisa. Para mim, é F-1. O resto é resto.

GP: Eu sei que você gosta bastante de rali... Existe até uma frase sua: "Quem corre em rali não é piloto e, sim, louco." Quais foram as suas considerações a respeito do cancelamento do Dacar?

CC: Eu não gostava do Dacar porque achava que era algo extremado, que não tinha muita razão de ser, e, sobretudo, tinha um custo, em vidas humanas, muito alto. Desde que morreu o Thierry Sabine (criador do então rali Paris-Dacar), eu considero que este rali não funciona. Porque, no rali normal, você tem um componente grande de perigo, mas é possível reconhecer antes. Mas o Dacar era muita loucura. Acho que o cancelamento foi uma derrota do esporte para o terrorismo, essa é outra questão. Porém, o Dacar não está entre meus favoritos. Prefiro o Rali da Córsega, porque ver os caras andando a 90 km/h naquelas ruazinhas em que mal ando a 40 km/h me deixa impressionado.

GP: No seu ranking pessoal, quais são os cinco melhores pilotos que você já viu?

CC: Aí é difícil, porque cada época é diferente. Mas tem dois ou três pilotos que me impressionaram profundamente quando era garoto e não trabalhava. O meu receio é de fazer uma avaliação levado pelo entusiasmo. Porque se fosse para fazer uma avaliação, assim de repente, diria que o melhor de todos foi Nuvalari. Era também, mais ou menos, a opinião de Enzo Ferrari, que viu muito mais do que eu. Então, tenho de falar de 1949 para cá. E aí, o melhor é Fangio. Porque foi, talvez, o único piloto que, ganhando cinco títulos mundiais, teve a possibilidade de ganhar um sem ter o melhor carro. Para ganhar com a Maserati enfrentando a Ferrari, que era muito melhor, precisava ser um superpiloto. E o próprio Fangio me disse, em um encontro no Rio, que achava que aquele GP de Nurburgring, em 1957, tinha sido a melhor corrida da vida dele.

GP: Qual é a lembrança mais agradável que passa pela sua cabeça quando fala de automobilismo?

CC: Ah, tantas. Meu pai, a Mille Miglia, o Emerson campeão. São muitas, não é uma só.

GP: Você pretende contar as memórias sobre sua vida em um livro?

CC: Minha filha está me enchendo o saco com isso, junto com o Reali Júnior. Mas eu não pretendo, porque acho que é um troço que não interessa para ninguém.


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