Na noite de 16 de julho de 50, o velho capitão não quis comemorar com o resto do time. Convidou o massagista da Celeste a sair com ele. Os dois deixaram o hotel sem destino certo. O Rio era um vasto cemitério. Nem alma do outro mundo se via pelas ruas da cidade.
Obdulio e o massagista entram num bar da Avenida Copacabana. O dono do bar é um velho conhecido de outras passagens da seleção uruguaia pelo Brasil. Obdulio, que já saíra do hotel um tanto calibrado, quer tomar chope. Está sem um tostão no bolso. Pergunta se tem crédito. O próprio dono traz duas canecas, espumando. Obdulio, ainda em pé, bebe de um só fôlego a primeira caneca.
Já sentado, Obdulio vê entrar no salão um rapaz. Um rapaz que é a própria máscara da desolação. Nas raras mesas ocupadas, as pessoas ouvem, desconsoladas as lamúrias do moço. Ressoa pela sala a tristeza cósmica do povo brasileiro.
- O Obdulio derrotou o Brasil - dizia, em prantos, o torcedor.
O desabafo bateu de mal jeito no coração de Obdulio Varela. De repente, ele se sente o carrasco de um povo. O próprio Obdulio narra, na primeira pessoa, o drama que passaria a viver naquela noite sombria do futebol brasileiro.
"Eu olhava aquele rapaz sofrido. Foi me dando um mal-estar. O povo desse país tinha preparado o maior carnaval do mundo e nós arruinamos tudo. De repente, eu estava tão amargurado quanto ele. Teria sido bonito ver uma noite de carnaval dos brasileiros. Teria sido emocionante ver a multidão delirando com uma coisa tão simples, tão singela. Nós tínhamos estragado a festa e, a bem da verdade, não tínhamos ganhado nada. Conquistamos um título, muito bem. Mas, que seria isso comparado com a tristeza imensa de uma gente tão simpática? Pensei no Uruguai. Certamente, o povo lá estaria muito feliz. Mas, eu, Obdulio, eu estava no Rio, no meio de uma profunda decepção nacional. Me lembrei da raiva que tive quando os brasileiros nos fizeram o gol. E, no entanto, a bronca que dei no campo iria doer em mim também".
O dono do bar foi à mesa do campeão, levando pelo braço o rapaz, ainda choroso.
- Sabe quem é este? Este é o Obdulio Varela. - E apresentou um ao outro.
- Tive a súbita sensação de que aquele rapaz podia me matar - confessa Obdulio - e, se me matasse, talvez merecesse absolvição.
- Por favor, Obdulio - disse, reverente, o rapaz -, você quer tomar um chope comigo?
Obdulio aceitou. Mudou de mesa. "Se tiver de morrer aqui, não pode existir noite mais apropriada", pensou.
À noite do triunfo, Obdulio Varela passou-a, inteirinha, esvaziando canecas e consolando aquela alma penada que acabara de conhecer. Um pobre coração destroçado. E a quem, lá pelas tantas da madrugada, talvez tivesse confessado, como confessaria, mais tarde, ao escritor Oswaldo Soriano:
- Se tivesse de jogar, de novo, aquela final do Maracanã, não se assombre com o que eu vou lhe dizer: eu faria um gol contra. Um gol contra, sim senhor!...
Saiba quem foi Obdulio Varela
Na noite de 16 de julho de 50, o velho capitão não quis comemorar com o resto do time. Convidou o massagista da Celeste a sair com ele. Os dois deixaram o hotel sem destino certo. O Rio era um vasto cemitério. Nem alma do outro mundo se via pelas ruas da cidade.
Obdulio e o massagista entram num bar da Avenida Copacabana. O dono do bar é um velho conhecido de outras passagens da seleção uruguaia pelo Brasil. Obdulio, que já saíra do hotel um tanto calibrado, quer tomar chope. Está sem um tostão no bolso. Pergunta se tem crédito. O próprio dono traz duas canecas, espumando. Obdulio, ainda em pé, bebe de um só fôlego a primeira caneca.
Já sentado, Obdulio vê entrar no salão um rapaz. Um rapaz que é a própria máscara da desolação. Nas raras mesas ocupadas, as pessoas ouvem, desconsoladas as lamúrias do moço. Ressoa pela sala a tristeza cósmica do povo brasileiro.
- O Obdulio derrotou o Brasil - dizia, em prantos, o torcedor.
O desabafo bateu de mal jeito no coração de Obdulio Varela. De repente, ele se sente o carrasco de um povo. O próprio Obdulio narra, na primeira pessoa, o drama que passaria a viver naquela noite sombria do futebol brasileiro.
"Eu olhava aquele rapaz sofrido. Foi me dando um mal-estar. O povo desse país tinha preparado o maior carnaval do mundo e nós arruinamos tudo. De repente, eu estava tão amargurado quanto ele. Teria sido bonito ver uma noite de carnaval dos brasileiros. Teria sido emocionante ver a multidão delirando com uma coisa tão simples, tão singela. Nós tínhamos estragado a festa e, a bem da verdade, não tínhamos ganhado nada. Conquistamos um título, muito bem. Mas, que seria isso comparado com a tristeza imensa de uma gente tão simpática? Pensei no Uruguai. Certamente, o povo lá estaria muito feliz. Mas, eu, Obdulio, eu estava no Rio, no meio de uma profunda decepção nacional. Me lembrei da raiva que tive quando os brasileiros nos fizeram o gol. E, no entanto, a bronca que dei no campo iria doer em mim também".
O dono do bar foi à mesa do campeão, levando pelo braço o rapaz, ainda choroso.
- Sabe quem é este? Este é o Obdulio Varela. - E apresentou um ao outro.
- Tive a súbita sensação de que aquele rapaz podia me matar - confessa Obdulio - e, se me matasse, talvez merecesse absolvição.
- Por favor, Obdulio - disse, reverente, o rapaz -, você quer tomar um chope comigo?
Obdulio aceitou. Mudou de mesa. "Se tiver de morrer aqui, não pode existir noite mais apropriada", pensou.
À noite do triunfo, Obdulio Varela passou-a, inteirinha, esvaziando canecas e consolando aquela alma penada que acabara de conhecer. Um pobre coração destroçado. E a quem, lá pelas tantas da madrugada, talvez tivesse confessado, como confessaria, mais tarde, ao escritor Oswaldo Soriano:
- Se tivesse de jogar, de novo, aquela final do Maracanã, não se assombre com o que eu vou lhe dizer: eu faria um gol contra. Um gol contra, sim senhor!...
Saiba quem foi Obdulio Varela:
Obdulio Jacinto Varela (Paysandú, 20 de Setembro de 1917 — Montevidéu, 2 de Agosto de 1996) é considerado um dos maiores nomes da história do futebol uruguaio.
Foi o capitão da Celeste campeã mundial em 1950. Ganhou o apelido de Negro Jefe, pela sua pele mulata e pela ascendência sobre os companheiros de equipe. Símbolo da raça uruguaia, jogou as copas de 1950 e 1954 sem jamais ter sofrido uma derrota (contundido, não disputou a semifinal do Mundial de 1954, em que a Hungria derrotou o Uruguai). Começou a jogar no Deportivo Juventud; em 1937 foi contratado pelo Montevideo Wanderers e se transferiu em 1943 para o Peñarol,clube pelo qual ganhou os campeonatos uruguaios de 1944,1945,1949,1951,1953 e 1954.Retirou-se do futebol em 1955. Pela camiseta celeste da seleçção uruguaia foram 52 partidas disputadas e 8 golos,tendo estreado no Campeonato sul-americano de Lima,em 1939.Além do mundial de 1950,ganhou o campeonato sul-americano disputado em 1942, em Montevidéu. Apesar de sempre ser celebrado pela garra,foi na verdade um extraordinário meiocampista.
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