Na foto, Pelé no dia de seu casamento com Rose
Quem me conhece acaba sempre perguntando como fiquei amigo do Pelé!
Bem, como a história não é muito longa vou contar aqui.
Cheguei a São Paulo contratado pelo Jornal da Tarde em 1967.
Primeiro ano do último tricampeonato paulista do Santos.
No jornal havia um grande fotógrafo chamado Domício Pinheiro que tinha no início de sua carreira, trabalhado com meu pai Albert Laurence, na Última Hora do Rio.
Um dia descemos juntos para Santos encarregados de entrevistar Pelé. Domício naquele seu jeito de falar aos tropeções e bem rapidinho, me disse:
- Vou te dar um presente!
Fiquei curioso, mas ele não falou mais nada. Chegamos à Vila e entramos no vestiário (naquele tempo podia). Pelé estava sentado no banco de madeira (acho que é o mesmo que existe até hoje, apesar de hoje o vestiário ser bem mais moderno) e Domício achando que eu não conhecia o Rei me apresentou:
- Rei, esse é filho de um grande jornalista lá do Rio e ele quer fazer o teu álbum de fotografias!
Tomei um susto. Eu não queria nada, só de estar ali com Pelé já era muito. Pelé sabia que Domício era insistente e respondeu:
- Tá bem, tá bem, mas vamos combinar o dia para vocês irem lá em casa. Vamos conversar de novo semana que vem!
- Não precisa – assegurou Domício – você marca e a gente vem!
- Não, não, é melhor eu me preparar. Voltem a semana que vem.
A gente concordou e nos afastamos um, pouco. Aproveitei para perguntar:
- Domício, que álbum é esse?
- É um álbum com fotografias do Pelé desde criança.
E sorriu:
- Se a gente fizer, você está consagrado para o resto de sua carreira! Não falei que ia te dar um presente?
Bom essa história do álbum de Pelé rolou por dias, semanas e por meses, e nada do Pelé marcar a data.
Um dia descemos de novo a Santos e Domício incansável mais uma vez perguntou:
- E aí, Rei, e o nosso álbum?
Para meu espanto Pelé respondeu:
- Pode vir sexta-feira, minha mulher topou que levasse vocês lá em casa!
Nunca nenhum repórter tinha até aquela data, entrado no apartamento de Pelé que ficava num prédio nobre, no Canal 5. Minhas pernas tremeram. Domício me puxou pelo braço e segredou:
- Não fala para ninguém, para ninguém, nem mesmo lá no jornal.
- Mas, o pessoal tem que saber para ajeitar as coisas.
- Quando a gente tiver feito, aí a gente avisa!
Na sexta-feira depois do treino, Pelé nos levou a seu apartamento no último andar de um prédio com elevador particular. Entramos e Pelé sorrindo anunciou:
- Olha, me desculpa, mas não tem álbum nenhum! Nunca teve. Não sei como surgiu essa história, mas nunca tive álbum nenhum! Imagina a gente era muito pobre, não tinha dinheiro para fotos.
Domício ficou indignado!
- Como não tem alb…. – e interrompi ele com um gesto:
- Não faz mal, não faz mal, vamos mostrar o Pelé com a esposa e a Kelly Cristina (que naquela época tinha 2 anos).
Rose, a ex-senhora Cholbi Nascimento, e a filha Kelly apareceram e Pelé ao poucos foi trazendo alguns dos troféus de seu tesouro. Kelly vestiu a camisa 10 do Santos, que arrastava pelo chão, pegou a espada de Cavalheiro da França e cutuquei Domício que, ainda aborrecido com a história do álbum, custou a perceber que Pelé estava nos dando uma reportagem muito mais importante do que a do álbum.
Kelly com o 10 as costas e segurando a espada foi capa da Edição de Esportes do Estado de São Paulo no domingo, com direito a uma reportagem nas duas páginas centrais e capa do Jornal da Tarde na segunda-feira.
Nessa mesma segunda-feira desci para Santos, encontrei Pelé no vestiário e perguntei:
- E aí, Pelé, você viu a reportagem?
Ele sorriu e respondeu:
- Levo você na minha casa, faço a Rose se arrumar toda, mostro a minha filha Kelly, levo meus troféus e você acha que não vou ver o que escreveu?
Pensei que ele estava zangado e falei todo sem jeito:
- Você não gostou?
- Claro que gostei, estava lindo! – e sorriu.
Desse dia em diante parece que selamos um trato de confiança mútua, que nunca se rompeu.
Foi assim que me tornei amigo de um Rei!
(Engraçado, a história ficou mais longa do que eu imaginava)
Autor: Michel Laurenc
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