Na foto o jornalista Georges Bourdokan
Foi logo em um dos primeiros números da revista Placar.
Cheguei na redação de Placar ali no antigo prédio da Abril, na marginal do rio Tietê, e avisei:
- Tenho uma matéria legal sobre o Santos (não me lembro o que era)!
- Guarda para a semana que vem – respondeu o chefe da redação, Woyle Guimarães (um dos maiores com quem trabalhei).
Como "guarda para a semana que vem"? E se alguém publicar o mesmo assunto antes da gente?
- Por que? – me arrisquei em perguntar.
- Porque já temos uma matéria muito legal sobre o Santos para a revista desta semana! – respondeu o Woyle.
- De quem é? – perguntei novamente com cuidado.
- Não posso dizer, é segredo, só posso falar que é muito legal e vai fazer um barulho danado.
Fiquei entre angustiado e curioso. Angustiado porque, desde 1967 na Edição de Esportes de O Estado de São Paulo, estava acostumado a ser o autor das matérias quentes do Santos; curioso (e furioso) por uma matéria tão legal e importante ter passado por mim sem que ao menos suspeitasse do que era.
Tive que esperar até o domingo, quando a gente "fechava" a revista que ia às bancas na terça-feira, para que o segredo fosse revelado,
E lá estava na capa: "Nosso repórter comprou meio time do Santos!".
O autor dessa maravilhosa façanha foi o jornalista Georges Bourdokan.
Ele fala armênio e se fantasiou de sheik árabe para negociar com o vice-presidente do Santos na época, o aposentado do Exército general Osman.
Era tempo de dificuldade financeira no Santos, principalmente devido ao chamado "Elefante Branco", que era o apelido do Parque Balneário comprado pelo clube, na esquina da avenida Ana Costa com a praia do Gonzaga (acho que é isso), que hoje abriga o hotel Sheraton (ou será que o hotel já não está mais lá?).
Era tempo também do início da fortuna dos países árabes com o petróleo que rareava no mundo e abundava no Oriente Médio.
O diálogo entre Bourdokan e o general Osman foi mais ou menos esse.
- Quanto o senhor quer pelo Carlos Alberto? (o Torres, capitão do Tri).
E o presidente do Santos estipulou um preço.
- E pelo Lima? ( o "Coringa" que jogava em todas).
- "Tanto", respondeu o presidente.
E assim foi até chegar a Pelé.
- Não, esse não vendo – disse o general.
- Como assim, "não vende"? – reclamou Bourdokan.
- Esse não tem preço – afirmou o vice-presidente.
- Tá bom, ta bom, mas ainda vamos voltar a esse assunto. Agora, quanto o senhor quer por todo o time titular do Santos, menos o Pelé? – foi o cheque mate de Bourdokan.
O pobre do vice-presidente, que nem suspeitava da farsa, pensou, pensou e finalmente deu o preço. 600.000 dólares, um grande dinheiro na época.
Bourdokan se levantou e disse:
- Está bem, vou comunicar aos meus sócios que o senhor não vende o Pelé e que quer essa quantia pelos outros titulares! – cumprimentou o vice-presidente, que com seus assessores já alcançava a porta do gabinete quando ouviu a pergunta:
- E quando terei notícias suas novamente? – perguntava o general Osman!
Bourdokan vacilou um pouco, mas conseguiu responder contendo o riso:
- Terça-feira, presidente. Terça-feira!
O dia em que Placar estaria nas bancas.
PS - Georges Bourdokan é um dos maiores jornalistas que conheci na minha vida.
Autor: Michel Laurence |