Sócrates Brasileiro Sampaio de Souza Vieira de Oliveira. O nome é grande e diferente, como foi o seu futebol. O paraense Sócrates foi, sem dúvida, um dos mais cerebrais jogadores brasileiros de todos os tempos. Tanto dentro de campo, organizando todas as jogadas como um autêntico comandante, quanto fora, criando movimentos inesquecíveis como a Democracia Corinthiana.
Em plena ditadura, o jogador ajudou a implantar no Corinthians um sistema democrático. Do reserva ao diretor de futebol, todos tinham direito a um voto e as decisões eram tomadas de acordo com a maioria. Dessa forma conseguiram, por exemplo, o fim da concentração.
Não se pode confundir, no entanto, o Sócrates politizado, líder e inteligente com o Sócrates atleta. Se era um exemplo de cidadão, nunca fora, no entanto, exemplo de desportista. Na verdade, como bem frisou a Revista Placar na edição de 100 anos do Futebol no Brasil, Sócrates tinha tudo para dar errado. Fumava, bebia, não suportava concentração, tinha pé pequeno (41) em relação à altura (1,91m) e ainda fazia Medicina ao mesmo tempo em que jogava bola.
Só que, ao contrário de muita gente, Sócrates não precisava fazer nenhum esforço: ele era craque naturalmente. Por mais que não quisesse ou não fizesse questão, o futebol parecia lhe pegar pelos braços e chamar para si. "Na verdade, eu joguei futebol por acidente. Meu negócio era Medicina", afirmou em entrevista recente.
Pois se era doutor que ele queria virar, acabou virando duas vezes. O apelido "Doutor", que ganhou da imprensa e dos colegas, era parte por causa do diploma universitário, parte pela qualidade de seu futebol. Sócrates impunha respeito. Sua figura enorme e esguia cadenciava o meio de campo. Jogava fácil, tocava de primeira com perfeição, além de fazer milimétricos lançamentos.
Era extremamente sóbrio e frio. Tão frio que esta característica lhe levou a receber críticas de torcida e imprensa. Segundo eles, Sócrates "não tinha paixão". Muito magro, compensava o físico frágil com muita técnica. Sua marca registrada era o toque de calcanhar, que desconcertava os adversários devido à sua incrível precisão. "Era um mestre do calcanhar, e se dava ao luxo de cobrar pênaltis com ele", afirmou o jornalista Eduardo Galeano.
E se não fosse bastante seu senso armador, também tinha uma grande facilidade para marcar gols. Tanto assim que está entre os 35 maiores artilheiros da história do nosso futebol. Para comemorar seus tentos, outra marca registrada. Corria para a torcida, com o punho direito cerrado erguido, enquanto o braço esquerdo se escondia atrás do corpo. Foram, ao todo, 318 gols marcados, a maioria deles pelo Corinthians (166), onde jogou, de 78 a 84, 302 partidas.
Sócrates começou a carreira em sua terra natal, Ribeirão Preto, jogando pelo Botafogo local. Aos 16 anos, conjugava os estudos para o vestibular com os treinos para as partidas. Em 76, aos 22 anos, sagrou-se artilheiro do Paulistão, com 15 gols. Seu futebol vistoso recebeu inúmeras propostas dos grandes clubes da capital paulista, mas Sócrates não queria sair antes de completar 24 anos, quando se formaria na Faculdade de Medicina. Logo que isso aconteceu, no entanto, deixou a cidade onde passou a maior parte da vida e onde vive até hoje.
Conta-se que São Paulo e Corinthians tinham interesse no jogador. Para contratá-lo, o falecido presidente corithiano Vicente Matheus arquitetara meticulosamente um plano. Mandou seu irmão marcar um almoço com o presidente do São Paulo, Antônio Nunes Galvão, e fingir estar interessado no volante tricolor Chicão. Galvão entusiasmou-se. Afinal, poderia utilizar o dinheiro da venda de Chicão para adquirir o passe de Sócrates junto ao Botafogo.
Enquanto almoçavam, no entanto, Vicente Matheus já estava em Ribeirão Preto e, dentro de instantes, já anunciaria oficialmente a contratação da revelação da equipe interiorana. Sócrates, agora, era do Corinthians.
Logo na apresentação, causou polêmica ao afirmar que, na verdade, era santista desde criança. Algum tempo depois, no entanto, cairia nas graças da Fiel. Lá, conquistou os campeonatos paulistas de 1979, 82 e 83. Tem lugar garantido em qualquer seleção corinthiana do século, eis que não é apenas um dos maiores meio-campistas que já passaram pelo alvi-negro: é um dos maiores jogadores que já vestiram a camisa corinthiana.
Depois do Corinthians, teve uma rápida passagem pela Fiorentina, da Itália, nos anos de 84 e 85. Voltou ao Brasil, onde defendeu o Flamengo nos anos de 86 e 87, sagrando-se campeão carioca no primeiro deles.
Pela seleção, foram 63 aparições, com 41 vitórias, 17 empates e 5 derrotas. Brilhou principalmente na Copa da Espanha, em 1982, quando formou, ao lado de Cerezo, Sócrates e Zico, o "quadrado mágico" de Telê Santana. Sócrates tornou-se capitão de um Brasil que finalmente voltava a apresentar um futebol digno das três estrelas que ostentava no peito.
Na seleção, marcou 25 gols, figurando entre os principais artilheiros da história. Um dos mais bonitos foi justamente o primeiro gol do Brasil na Copa de 82. A equipe de Telê Santana perdia para a URSS por 1 a 0. Sócrates recebeu a bola pelo meio, driblou dois adversários e mandou um balaço no ângulo do goleiro Dasaev.
A estréia do craque com a amarelinha foi pouco depois da estréia no Corinthians, em 17 de maio de 79, num 6 a 0 contra o Paraguai. Despediu-se melancolicamente da seleção no dia 21 de junho de 1986, após a partida contra a França, válida pela Copa do Mundo. Após o empate em 1 a 1, o Brasil acabou eliminado nos pênaltis. Em seis anos jogando pelo Corinthians, o meia havia cobrado 36 pênaltis e perdido apenas um. Mas o destino quis que logo ele fosse o responsável pelo primeiro pênalti perdido.
A esta altura, Sócrates já não era tão brilhante quanto antes. Já passava dos 30 anos e nunca se cuidara do jeito que deveria. Contratado pelo Santos em 1988, fez algumas boas atuações, mas já era a hora de parar. Em 1999, Teve também uma experiência mal-sucedida como técnico do Cabo Frio (hoje Cabofriense), do Rio de Janeiro.
Atualmente, continua como militante de esquerda e está filiado ao PT. Às vezes viaja ao Japão para dar cursos de futebol para crianças e adolescentes. Trabalha com medicina esportiva em sua clínica em Ribeirão Preto, além de participar do projeto social Gol de Letra, juntamente com seu irmão Raí e o meia Leonardo.
"Sócrates tinha corpo de garça, altas perna magérrimas e pés pequenos que se cansavam fácil. Mas era um mestre do calcanhar, e se dava ao luxo de cobrar pênaltis com ele"
(Eduardo Galeano, no livro Futebol ao Sol e Sombra)
"A Europa ficou com os primeiros lugares, mas a melhor seleção era o Brasil de Zico, Falcão e Sócrates"
(Eduardo Galeano, no livro Futebol ao Sol e Sombra)
"Aquela armação de meio campo foi perfeita."
(Zico, sobre o quadrado mágico Falcão, Cerezo, Sócrates e Zico)
"Ele foi muito mais genial que eu."
(Raí, ex-jogador do São Paulo, PSG e Seleção Brasileira, sobre seu irmão, Sócrates)
"Sócrates jamais se esforçou para ser um craque. Ele simplesmente era"
(Revista Placar, edição dos 581 craques do Brasil)
"Se cada jogador tiver que cuidar da própria resistência, será mais responsável"
(Sócrates, pedindo o fim da concentração)
"Nunca fui modelo de atleta e sempre admiti isso. Se eu tivesse a resistência do Raí, por exemplo, seria muito mais fácil jogar"
(Sócrates, craque que bebia e fumava, em entrevista à Revista Istoé)
"Na verdade, eu joguei futebol por acidente. Meu negócio era Medicina"
(Sócrates, em entrevista à Revista Istoé)
"Tão grande quanto o seu nome era o seu futebol"
(Marcelo Duarte, jornalista brasileiro, sobre Sócrates Brasileiro Sampaio de Souza Vieira de Oliveira)
"Era o capitão natural do Brasil, tanto por sua intelectualidade, quanto por sua compreensão de jogo, senso de estratégia e técnica"
(Eugène Saccomano, jornalista francês, sobre Sócrates)
"Ele joga melhor de costas do que de frente"
(Pelé, em alusão às bonitas jogadas de calcanhar de Sócrates)
"A Democracia Corinthiana foi o que mais me marcou no Corinthians. Vivemos um período rico na história do futebol e até da política brasileira"
(Sócrates, um dos líderes da Democracia Corinthiana)
"O Sócrates é invendável e imprestável"
(Vicente Matheus, ex-presidente do Corinthians, garantindo que não iria nem vender nem emprestar o jogador)
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