Antes de se tornar um dos maiores atores brasileiros de todos os tempos, o então menino Antônio, com nove anos, contava as horas para o fim de semana chegar. Sabia que o tio José o apanharia em casa para fazer, de ônibus, o passeio da grande "passione" da época. Desciam na Avenida São João e andavam a pé até a Praça Charles Miller rumo ao campo dos sonhos. O coração batia forte sempre que se aproximavam do Pacaembu para cumprir o saboroso ritual: ficarem colados no alambrado para esperar a entrada do São Paulo de Poy, De Sordi, Mauro, Zizinho e Canhoteiro, entre outros. Principalmente naquele 29 de dezembro de 1957. A decisão do Campeonato Paulista, que terminou em vitória do Tricolor Paulista sobre o Corinthians por 3 a 1, marcou profundamente o ator Tony Ramos.
- Incrível como agora aparece a cena toda na minha retina. Aquilo era maravilhoso. Fui muito influenciado pelo meu tio, já falecido. Ele era o irmão do meio da minha mãe, que já estava desquitada do meu pai. E aí, me levava para ver o São Paulo. Eu adorava ir para o alambrado. Era muito bom ficar ali perto. Ver aquela elegância do Zizinho, a presença majestosa dele. Que jogador de técnica e de visão!. E o Canhoteiro? O maior ponta-esquerda que o Brasil já teve. Como partia para cima... Inventava no drible - afirmou o paranaense de Arapongas.
O ator, hoje com 62 anos, cita também Dino Sani - craque do meio-campo que não jogou a final e depois que parou se tornou treinador -, Maurinho, Mauro...
- E o De Sordi, campeão do mundo. Aquele time ganhou o Paulista um ano antes do primeiro mundial da Seleção Brasileira - lembrou com saudade Tony, que interpreta o italiano Totó na novela "Passione", da Rede Globo.
Durante a entrevista, em um intervalo de gravação no Projac, Tony Ramos não escondia o entusiasmo ao falar dos ídolos de infância. Recordou-se, sem pestanejar, da linha de frente tricolor naquele dia: Maurinho, Amauri, Gino Orlando, Zizinho e Canhoteiro.
- Uma vez, estava fazendo uma peça, e soube que o Zizinho estava na plateia. Fiz questão de cumprimentá-lo. Mas, infelizmente, não tive a oportunidade de conversar com ele. Uma pena - lamentou o ator, de quem o ídolo, falecido em 2002, era também ardoroso fã.
Mestre Ziza e Canhoteiro eram a grande esperança de Tony naquela final de 1957. Depois de um primeiro tempo tenso, o segundo foi cheio de emoção no clássico conhecido como Majestoso. Aos 17 minutos, Amauri abriu o placar para o São Paulo. Pouco depois, Canhoteiro fez 2 a 0, Quando Rafael diminuiu para o Corinthians em seguida, deu o ingrediente a mais para a decisão. O Corinthians pressionava quando Maurinho, em posição duvidosa, entrou com bola e tudo e ampliou para 3 a 1. Na comemoração, passou a mão na cabeça do goleiro corintiano Gilmar, iniciando um tumulto que durou 10 minutos.
No fim da decisão, torcedores do Corinthians atiraram garrafas no campo. O clássico acabou conhecido como "Tarde das Garrafadas", e o time do São Paulo nem conseguiu dar volta olímpica. Mas o tricolor Antônio teve uma volta feliz para casa. A primeira com título bem forte na memória.
- Meu tio já tinha me levado para ver o Paulista de 1953, mas eu tinha sete anos... Não lembro de praticamente nada da final. Só dos comentários em casa, na rua. Já no de 1957, aquele time teve um significado especial para mim. E o Corinthians era um adversário de respeito. Tinha o Gilmar, que no ano seguinte foi campeão mundial pelo Brasil.
De Zizinho a Pelé
Gilmar, De Sordi, Mauro são ídolos que remetem Tony Ramos a outro capítulo de sua paixão por futebol. O da Seleção Brasileira, que tem como protagonista um rei com quatro letras. Pelé foi importante na formação do ator como torcedor.
- Aquele gol contra País de Gales é outro momento que não sai da minha memória. Um garoto, numa Copa do Mundo, mata no peito, dá um chapéu dentro da área e faz um gol daqueles... Pelé foi um fenômeno. O maior de todos. Garrincha era fascinante, Maradona, fantástico, e tivemos outros jogadores geniais, mas Pelé era o melhor e completo, fazia de tudo.
O fato de ser um são-paulino dos que sofrem e xingam durante uma partida - é verdade, Tony Ramos se transforma no papel de torcedor - não o fazem passional a ponto de não admirar outros clubes. O ator lembra que quando chegou ao Rio se encantou pelo Botafogo. Quando batia figurinhas, queria porque queria as carimbadas de Nilton Santos e Garrincha.
Família dividida
Anos mais tarde, já na profissão que exerce, se viu cobrado pelas perguntas dos jornalistas a adotar um clube carioca. O Fluminense tinha a Máquina de Carlos Alberto, Rivelino e Paulo César, o time da moda. Tricolor paulista, tricolor também carioca. Mas apenas um segundo clube. Pouco depois, em casa, o filho, Rodrigo, virava rubro-negro, fascinado pelo Flamengo de Zico, Júnior, Leandro & Cia. A filha, Andrea, não gosta de futebol. A mulher, Lidiane, é corintiana desde os tempos de Ditão, e ficou mais roxa ainda com a chegada de Ronaldo Fenômeno.
- A Lidiane dizia que via dignidade no Ditão. Achava engraçado isso. Em casa, tudo sempre foi democrático. E fora também. Nunca fui um torcedor raivoso, daqueles que, quando perde, seca o adversário. E odeio violência. Quando o São Paulo foi eliminado pelo Inter agora, na Libertadores, todos no elenco me esperaram no dia seguinte para me gozar. Isso é saudável, não tem problema, disse que depois vai ter troco... Mas não sou de secar. Torci pelo Inter na final da Libertadores. É um clube brasileiro. Também não gosto de comemorações agressivas. Mais importante do que saber perder é saber ganhar.
Camisa autografada de Ceni
Saber ganhar foi uma constante para o torcedor Tony a partir dos anos 90. De lá para cá, três Mundiais Interclubes, três Libertadores. E agora, o São Paulo é o clube que detém mais Brasileiros ao lado do Flamengo - seis. O ator elege o seu jogador-símbolo da última geração.
- Sem dúvida, é o Rogério Ceni. Um atleta exemplar. Dignifica a profissão, é tudo o que se pode esperar de um ídolo. Tenho até uma camisa dele autografada - afirmou o fã de carteirinha do arqueiro são-paulino, que hoje tenta comandar reação do clube no Campeonato Brasileiro.
O goleiro também encabeça o São Paulo de todos os tempos escolhido por Tony: Rogério Ceni, Forlán, Miranda, Dias e Riberto; Dino Sani, Pedro Rocha e Zizinho; Maurinho, Careca e Canhoteiro.
- Tá vendo o timaço? No banco ainda tem vários craques. O Gérson, tricampeão mundial em 1970 pela Seleção e campeão paulista pelo São Paulo no mesmo ano. Fora o De Sordi, Mauro Ramos e tantos outros... - afirmou, orgulhoso, como se ainda fosse o menino Antônio pegando o ônibus com o tio para ver o Tricolor Paulista jogar.
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