Por Mário Lopomo
A primeira vez que tive contato pessoal com o Fiori foi num jogo noturno no Pacaembu. Nem sonhava um dia estar ao lado dele trabalhando. Quando o jogo terminou fomos até a cabine de transmissão que era em meio as cadeiras numeradas do Pacaembu.
O dialogo era dos mais alegres junto a outros torcedores que também foram cumprimentá-lo. E vi como eram as brincadeiras entre os profissionais do rádio. Fiori dizia a todos nós "Vocês já viram o maior saco de um homem?". Todos riam timidamente, e Fiori dizia, "estão vendo aquele cara ali?" Era o técnico de som Moacir Bombique, que também dirigia a carro que levava de volta à rádio o locutor e repórteres. Para surpresa de todos Fiori disse: "Bombique, mostra o saco pra eles". Foi uma tremenda gargalhada. Bombique, semi abaixou a calça e mostrou os dois tomates que se perdia numa enorme pele enrugada.
Anos mais tarde tive o prazer de estar lá no edifício Radiantes trabalhando no QG dos Esportes que era chefiado por Alexandre Santos, mas já estava sobre a responsabilidade de João Zanforlin. O chefe do departamento de esportes era Dinamérico Aguiar, que logo em seguida deixou a emissora e, em seu lugar na chefia do departamento ficou o Fiori, cargo que ele nunca deveria aceitar.
Chefe tem que ser marrudo, bravo prepotente malicioso, coisa que faltava a Fiori Gigllioti, ele era bom demais, e pessoas assim ficam com as costas sempre exposta a tijoladas.
Mas como chefe tinha também um pouco de habilidade. Digo educação, que geralmente chefes fazem questão de não ter. A maioria são, arrogantes e chegam pesado por pensam que vão perder o lugar , ser rebaixado de cargo ou demitido. Fiori não estava nem ai, ele era como chefe o cara amigão de todos. Não perdia a linha.
Certa ocasião, boca dura que sempre fui, andei falando umas liberdade e falando palavrões para certa pessoa. E quando tal fato foi discutido numa conversa do departamento, o Ennio Rodrigues, exaltado sugeriu minha demissão.
Fiori disse: "Não! nesse papo teve algo de bom." Ele enalteceu a rádio e chamou a outra de fajuta. Pelo que eu soube fui salvo pelo gongo. Mas não pense que eu escapei de uma chamada no saco. E um dia, era inclusive feriado, as vésperas da copa do mundo, com a sala lotada de locutores e repórteres com neguinho olhando torto pro meu lado. Fiori me chamou de lado e sem que ninguém ouvisse me passou um sabão. Fosse outro, teria sido esbulhado perante todos.
Fiori tinha muitos amigos, e tantos outros "trairas". O dia que ele foi com o escrete do rádio numa sexta feira jogar bola em Sorocaba, deu uma esticada no sábado para pescar, uma das traições que ele sofreu foi arquitetada em pleno estúdio durante o programa Bola ao Ar que estava sendo apresentado por Ennio Rodrigues e Osvaldo dos Santos, em que Fiori estava na escala do programa para comentários. Fui ao estúdio levar uma noticia qualquer e o no intervalo comercial o papo estava exaltado.
"Esse cara é um irresponsável. Estava escalado para participar do programa e fica pescando e a gente aqui se danando. Osvaldo você que é secretario geral do departamento, tem que fazer algo." Fui pra casa almoçar, e quando voltei para meu trabalho vespertino da jornada esportiva, vi o Zé Obis falando com dona Adelaide ao telefone.
- Eu já falei prá ele dona Adelaide, Fiori toma cuidado... Mas ele não está nem aí, que eu posso fazer? Assim que o telefone foi desligado perguntei: O que aconteceu Zé Obis?
- Você não está sabendo? Lê o memorando do Murilo Leite que está no mural. Em aberto podia se ler Por determinação desta superintendência está o senhor Fiori Gigliotti suspenso de suas atividades por três dias. E mais: A ordem era procurar o locutor Flavio Araujo para substituí-lo na transmissão do jogo São Paulo x Portuguesa, no dia seguinte. Caso o Flavio não fosse encontrado que chamasse Alexandre Santos. Era a recomendação ao Luiz Moreira, redator do programa A Marcha do Esporte.
As 16h30 surge Flavio Araujo, com cara de assustado, e bastante aborrecido sem saber o que fazer. Dizia a Luiz Moreira: - "O que o Fiori vai pensar a meu respeito?" Ai entrei em ação: Flavio, vai lá amanhã e transmite o jogo. Qualquer coisa fala comigo, Vou botar a cara pra bater sou testemunha do fato.
Na segunda feira, Fiori foi até a diretoria e pediu demissão da rádio. Não deram, e a suspensão feita pelo Murilo Leite, foi pras calendas. E aquele que sonhava em ser chefe, sifu.
Criticas ao Fiori eram constantes nos corredores. Eu que tinha um ouvido afiado, ia ouvindo tudo. Mas, Fiori da minha boca nunca ouviu nada. Porque sabia que na hora "H", a corda ia arrebentar do lado mais fraco.
Aos sábados Fiori chegava às 17 horas infalivelmente. Pouco antes, um dos que estavam no controle geral veio me avisar que o cantinho da saudade para o dia seguinte não tinha sido gravado. Quando Fiori chegou falei a ele, que coçou a cabeça e disse: Mário não sei o que fazer não tenho ninguém para homenagear. Sinal que não tinha morrido nenhum jogador por aqueles dia ou meses antes.
Começamos a quebrar a cabeça em busca de um defunto do futebol, pois como Cantinho da saudade o homenageado seria um morto. Fiori, o Rodrigues Tatu. Esse eu Já fiz. O Waldemar Fiume, também já. O Romeu Pelicciari morreu no ano passado. Também já fiz o Mauro Pinheiro até me ajudou no texto. E o Oberdan Catani, já morreu? Fiori bateu na mesa três vezes. Deus me livre, vira essa boca pra lá. Meu irmão ouviu algo a respeito, Fiori. .. Não... quem morreu foi a mulher dele.
Andávamos, pra lá e pra cá no corredor em busca de um jogador morto. No meio do caminho entre a sala do QG e a sala do esporte tem um jornal estendido no chão, a foto de um jogador, e os dizeres. Morreu Tininho, jovem revelação do Guarani de campinas no treino de ontem a tarde. Dei um grito para o Fiori que estava mais a frente. Dá uma olhada nesse jornal. Parecia que tínhamos achado algo muito legal.
Fomos para o estúdio e Fiori começou a falar. Tininho era um jovem recém promovido a titular que despontava como umas das grandes revelações para o futebol, mas não tinha um histórico para que se fizesse um texto robusto. Sei lá onde Fiori foi buscar tanta coisa para falar daquele rapas. Foi emocionante o que ele mandou para o ar. Fiori não era fácil. Se ele tivesse a mesma vocação que tinha Pedro Luiz de transmitir vários esportes, seria para sempre o maior locutor esportivo de todos os tempos.
Anos mais tarde já fora da emissora , conversava com ele que descarregava as magoas, fazendo de mim um confidente. Fiori estava já há 38 anos na Rádio Bandeirantes e ai entrou um diretor com cara de renovador, e achou por bem colocar um fim na careira de locutor esportivo de Fiori. Esse diretor o achava velho para a transmissão de futebol, e por fim a demissão foi o que aconteceu, mas como Fiori tinha muitos anos de casa um acordo foi feito e ele saiu sem ser reconhecido até mesmo financeiramente. Notava-se em seu semblante uma grande mágoa. Por sua vontade terminaria sua carreira na Radio Bandeirantes.
No Brasil é assim mesmo; o respeito aos mais velhos é uma coisa, que passa batido, ficando a impressão que certas pessoas não tem pai ou mãe, se é que se importam com a velhice deles. Quem tem o poder nas mãos, vai jogando os velhos a escanteio. Quem sabe um dia o Brasil será um Japão, que o povo respeita os mais velhos. Mas os bons são sempre lembrados como ele Fiori, está sendo agora. Dia 8 de junho fez quatro anos que ele se foi. Na certa está no cantinho da saudade que ele tanto colocou aqueles que marcaram época no futebol, que ele tão bem soube narrar.
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