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25/02/2010 - A tragédia do Sarriá: Itália 3X2 Brasil – Copa do Mundo de 1982

Data: 05/07/1982
Local: Estádio Sarriá (Barcelona – Espanha)
Público: 44.000 pagantes
Árbitro: Abraham Klein (Israel), auxiliado por Chantam-Sung (Hong-Kong) e Dotschev (Bulgária)

Porque é inesquecível

Foi uma das partidas mais emocionantes da História das Copas, com muitos gols e lances capitais até o final. Também foi o jogo que marcou a eliminação do memorável time de Telê Santana e a arrancada da Itália para o tricampeonato. Para muitos, o resultado causou uma profunda transformação no futebol mundial, com o pragmatismo de um estilo mais defensivo imperando no planeta bola nos anos seguintes.

(Nota do blogueiro: Sim, quase tudo já foi dito sobre esta partida lendária em 2007, no seu aniversário de vinte e cinco anos. Mas já que Fevereiro foi mês de Brasil X Itália, este que escreve aproveita para registrar suas impressões sobre o jogo que mais reviu na vida – pelo menos umas trinta vezes, sem exagero.)

Os países em 1982

O Brasil entrava no processo final da abertura política, com os anos derradeiros do Governo Figueiredo, o último militar. Na Itália, o governo de Roma designou Alberto de la Chiesa como o principal caçador de mafiosos, que estavam envolvidos até com o futebol. Em maio tornou-se o chefe de polícia da Sicília e em setembro morreu assassinado.

As campanhas

A Itália padeceu na primeira fase apresentando um futebol sofrível e, após três empates (0 a 0 com a Polônia e 1 a 1 contra Peru e Camarões), só conseguiu a classificação por ter marcado um gol a mais que o time africana. Em crise e sem falar com a imprensa, a "Azzurra" se uniu e surpreendeu a Argentina na primeira partida do Grupo 3 das quartas-de-final vencendo com autoridade por 2 a 1 e mostrando um futebol vistoso na segunda etapa.

A seleção brasileira, favoritíssima, sofreu na estreia, mas conseguiu a virada sobre a URSS de Dasaev por 2X1. E depois passeou, exibindo um futebol encantador contra Escócia (4X1) e Nova Zelândia (4X0), terminando líder do grupo F, com seis pontos (a vitória ainda valia apenas dois). Em clima de final antecipada, o Brasil superou a Argentina por 3 a 1 com sua melhor atuação coletiva e show de Zico. A vantagem do empate na última partida tornava o escrete canarinho ainda mais favorito à vaga e o país vivia uma catarse coletiva.

Escalações

Itália (4-1-4-1): 1-Zoff; 13-Oriali, 7-Scirea, 5-Collovati (3-Bergomi) e 4-Cabrini; 6-Gentile; 16-Bruno Conti, 14-Tardelli (11-Marini), 9-Antognoni e 19-Graziani; 20-Paolo Rossi. Técnico: Enzo Bearzot

Brasil (4-2-3-1): 1-Valdir Peres; 2-Leandro, 3-Oscar, 4-Luisinho e 6-Júnior; 5-Toninho Cerezo e 15-Falcão; 8-Sócrates, 10-Zico e 11-Éder; 9-Serginho (7-Paulo Isidoro). Técnico: Telê Santana

O jogo

Primeiro Tempo

A Itália iniciou a partida surpreendendo o adversário com uma marcação homem-a-homem feroz: Gentile, lateral-direito novamente improvisado como volante, seguia Zico, que foi dúvida até momentos antes da partida, assim como fez com Maradona no jogo anterior; Collovati acompanhava Serginho para garantir a sobra de Scirea; Antognoni e Tardelli se revezavam no combate a Falcão e Cerezo; Conti voltava acompanhando Júnior e Graziani fazia o mesmo com Leandro. Pelos lados, Oriali, meio-campo que passou para a lateral com o deslocamento de Gentile, esperava Éder e Cabrini marcava Sócrates.

A estratégia deu certo, com o Brasil amuado pela dificuldade de sair tocando, errando muitos passes e perdendo a posse de bola que permitia a equipe não expor suas fragilidades defensivas. Impondo seu estilo de jogo, a Itália ameaçou logo aos 4 minutos, com Cabrini lançando Tardelli às costas de Leandro. O meia da Juventus cruzou e Paolo Rossi furou bisonhamente dentro da área brasileira.

Foi o ensaio para o que viria no minuto seguinte: Conti, o ponta-direita canhoto da Roma, deu drible desconcertante em Éder e fez belíssima inversão para Cabrini. Sócrates não acompanhou o lateral-esquerdo e Leandro marcou à distância, com Graziani correndo para a área. O cruzamento encontrou Rossi penetrando entre Luisinho e Júnior e o atacante italiano apenas desviou de cabeça. 1 a 0.

O gol e a aplicação tática do adversário deixaram a equipe brasileira desnorteada. Aos 8, após falha de Júnior na saída de bola, Conti ligou Rossi, que se aproveitou do vacilo de Leandro e tocou de calcanhar para Graziani, que bateu pessimamente, isolando. Mas a Itália mostrava sua força.

O primeiro brasileiro a perceber que precisava se movimentar para fugir dos embates individuais foi Sócrates. O meia-atacante do Corinthians passou a buscar o meio e até o lado esquerdo. Aos 10, o camisa 8, pelo centro, lançou Serginho, que ganhou da zaga italiana e, quando Zico penetraria livre para marcar, entrou na frente do craque brasileiro, chutou bisonhamente à direita de Zoff e voltou para o meio do campo sorrindo. De qualquer forma, o primeiro ataque do Brasil assustou o oponente. No minuto seguinte, Sócrates, agora pela direita, lançou Leandro e o lateral do Flamengo, sem a marcação de Graziani, cruzou para Serginho, mas Zoff saiu bem do gol e defendeu.

Aos 12, uma combinação genial decretou o empate brasileiro: Sócrates iniciou a jogada e tocou para Zico pela direita. Acossado por Gentile, o Galinho girou rápido e enfiou uma bola sensacional para o "Doutor", que penetrou às costas da zaga pela direita e, antes que Scirea chegasse na cobertura, bateu entre Zoff e a trave esquerda. 1 a 1.

Gentile, após a quarta falta em Zico, levou o amarelo de Abraham Klein. A Itália sentiu o empate e passou a errar muitos passes. O Brasil só não se impunha mais no jogo porque Falcão, preocupado com Antognoni, ficava mais plantado e Éder estava encaixotado pela segura marcação de Oriali e pouco aparecia. Mesmo assim, o jogo tinha lances bonitos, como a linda matada no peito de Sócrates à frente de Cabrini, seguido do tradicional toque de calcanhar do craque brasileiro.

Igualmente bela foi a matada no peito de Leandro, aos 24 minutos, em saída de bola de Valdir Peres. Pena que, na seqüência do lance, Cerezo tenha tocado entre Júnior e Falcão para que Rossi, atento, tomasse a bola e fuzilasse na saída de Valdir Peres. A culpa recaiu sobre Toninho, mas onde estava o zagueiro Luisinho? A resposta: incentivado a atacar pelo técnico Telê Santana, o elegante defensor do Atlético-MG já tinha se projetado e estava como um volante, bem mais à frente da sua zona de atuação. 2 a 1,

Animada com a vantagem, a equipe de Enzo Bearzot continuou atacando. Aos 28, Cabrini tentou repetir a jogada do primeiro gol cruzando no segundo pau para o centroavante italiano. E novamente Luisinho e Júnior estavam mal posicionados (o lateral esquerdo estava na entrada da área!), mas o onipresente Sócrates, disparado o melhor brasileiro no primeiro tempo, voltou rápido e cobriu a retaguarda. Aos 32, Collovati caiu na área italiana sentindo uma contusão e foi retirado de campo. E o Brasil quase se aproveitou da vantagem numérica e de ter o adversário com um zagueiro a menos na área: Cerezo cruzou da direita e Sócrates, sempre ele, cabeceou com estilo. Mas Zoff estava lá para defender. No minuto seguinte, Bergomi entrou na vaga do defensor contundido.

Aos 39, Júnior tocou para Serginho, que disputou na força com a zaga e a bola sobrou para Falcão, em sua primeira incursão no ataque, bater forte e rasteiro rente à trave direita do goleiro italiano. Sem jogo pelos flancos, os laterais brasileiros passaram a afunilar as jogadas e facilitavam a marcação. Zico, sumido do jogo após o gol brasileiro, recebeu de Sócrates na área, em condição legal, girou em cima de Gentile e teve a camisa rasgada, em pênalti claríssimo aos 42. Mas a arbitragem viu impedimento do camisa 10 e anulou a jogada. Três minutos depois, em contra-ataque italiano, Graziani ganhou de Cerezo na dividida e só não marcou porque Leandro chegou a tempo e cortou.

Resultado justo para a equipe mais organizada taticamente e que soube explorar os erros do adversário. O Brasil foi confuso e viveu da ótima atuação de Sócrates e de alguns lampejos.

Segundo Tempo

A segunda etapa começou eletrizante, com chances para os dois lados. Logo no primeiro minuto, Falcão tabelou com Júnior, penetrou pela direita e bateu cruzado, assustando Zoff. Aos 5, Conti, pela esquerda, se aproveitou da falha de Oscar e penetrou livre, mas bateu sem força, praticamente atrasando para Valdir Peres. No minuto seguinte, Paolo Rossi recebeu pela direita, dividiu com Luisinho e caiu na área. Klein mandou seguir. Lance duvidoso. Na falta de melhor ângulo, ficou a impressão de pênalti.

Aos 8, Leandro arrancou pelo meio e bateu forte para defesa segura de Zoff. No minuto seguinte, Zico enfiou linda bola para Cerezo, mas Zoff abafou antes do chute do meia do Atlético-MG. O Brasil aumentava a pressão e aos 12, Júnior, pela direita, levantou na área, Cerezo ajeitou de cabeça e Serginho, atabalhoado, não cabeceou e depois tentou surpreender com um toque de calcanhar, mas o goleiro salvou. No contragolpe, com a defesa brasileira totalmente escancarada, Graziani arrancou pela esquerda, passou como quis por Falcão e serviu Rossi, que perdeu um gol mais feito que os dois que havia marcado até então. O time de Telê passou a se movimentar mais no ataque, mas acabava deixando a equipe muito exposta na defesa sem a devida cobertura.

O jogo esfriou por alguns minutos depois de tantos ataques. O Brasil continuava girando e buscando o gol, mas passou a tocar com mais paciência e a Itália se plantou atrás. Até que aos 22, saiu o gol da persistência e da ousadia: Júnior arrancou em diagonal da esquerda para o meio e tocou para Falcão na entrada da área. Cerezo, como um lateral, passou voando pela direita pedindo bola e puxou a marcação de Tardelli. O volante da Roma percebeu o clarão à sua frente e mandou uma bomba no ângulo direito de Zoff. 2 a 2.

A vibração de Falcão e a festa no banco brasileiro deram a impressão de que a classificação estava garantida. Mas ainda faltava metade do segundo tempo...

Na saída de bola italiana, Paulo Isidoro já estava em campo na vaga do inócuo Serginho. No minuto seguinte, Zico, que passaria a atuar mais avançado com a entrada do meia do Grêmio, recuou para buscar a bola e bateu forte, por cima, em seu único chute na etapa complementar.

Aos 28, Antognoni cruzou da esquerda e Cerezo, sozinho, atrasou para Valdir Peres, que permitiu a saída da bola. Na cobrança de escanteio de Conti, Oscar cortou de cabeça meio sem jeito. No rebote, Tardelli bateu prensado com Luisinho e a bola sobrou para Rossi que, em condição legal por conta da permanência de Júnior na área, escorou para as redes e decretou sua "tripleta" no jogo. 3 a 2.

Na saída de bola brasileira, Marini já estava em campo no lugar de Tardelli, que não resistiu às dores na perna. O Brasil, talvez pela primeira vez na partida sentindo a vaga na semifinal mais distante, passou a atacar desesperadamente. Aos 37, Paulo Isidoro fez bela jogada pela direita e cruzou para Sócrates, que furou dentro da grande área, desperdiçando grande oportunidade.

Nos últimos cinco minutos, o time de Telê Santana, que habitualmente deixava espaços generosos aos adversários, foi todo para a frente e levou o tiro de misericórdia aos 41: Antognoni lançou Rossi, que penetrou pela direita, rolou para Oriali, que serviu para o camisa 9 e cérebro do time italiano, em posição legal com Júnior dando condição, ampliar. Mas a arbitragem marcou erradamente o impedimento, garantindo uma sobrevida para o Brasil.

E aí veio o lance memorável, que eternizou Dino Zoff, o goleiro de quarenta anos que era contestado em seu país, na mente de todos os brasileiros e dos que amam o esporte: Éder bateu falta sofrida por ele mesmo pela meia esquerda, Oscar cabeceou com força e precisão no canto esquerdo. Mas, sabe-se lá como, Zoffi fez uma defesa espetacular, que virou milagre por não dar rebote a Sócrates, Zico e o próprio Oscar, que tentaram enganar o árbitro alegando que a bola havia entrado. Mas o gol que faria justiça ao belo futebol apresentado pelo Brasil durante a Copa, mas não à partida épica disputada no Estádio Sarriá, não saiu e a Itália, minutos depois, comemoraria a classificação que era dada como impossível no Brasil e no planeta.

Méritos para Enzo Bearzot, que goleou taticamente o treinador adversário, que nem utilizou a segunda substituição a que tinha direito, e viu sua equipe arrancar para o título conquistado seis dias depois daquele 5 de Julho, no qual não houve uma "tragédia", e sim um triunfo mais do que justo da "Azzurra".

Melhores em campo: Zoff, Oriali, Cabrini, Antognoni e Paolo Rossi pela Itália; Falcão e Sócrates pelo Brasil.

Frases

"De quanto vai ser hoje? E quem vai marcar primeiro, Zico ou Serginho?" – Torcedores espalhados por todo o país que organizavam bolões com apostas do placar da partida contra a Itália, sempre apontando goleadas brasileiras;

"O técnico Bearzot armou um time sólido, aplicado, competitivo e que ocupa todos os espaços do campo. A Itália será um grande adversário" – Zezé Moreira, espião de Telê Santana na Copa que foi chamado de "gagá" por um comentarista de TV após essa declaração;

"Quando a Itália fez o segundo gol, olhei para o Cerezo e ele estava chorando. Fiquei louco de raiva. Descontrolado mesmo. Fui até ele e disse: 'Se você não parar de chorar agora, meto-lhe a mão na cara. Este é um jogo para homens, Toninho. Se você está com medo, saia logo.'" - Júnior, lateral da seleção, em entrevista logo após a derrota para a Itália;

"A defesa da Itália é muito boa, dá combate em toda a intermediária e sai jogando com rapidez. Acho a Itália um adversário muito perigoso, ao contrário do que estão falando."- Falcão, no dia em que ficou sabendo que a Itália seria um dos rivais na segunda fase;


"A defesa de Zoff na cabeçada de Oscar foi a maior da História das Copas sem rebote." - Mauro Beting, jornalista esportivo;

"Aquela partida nos deu a convicção de poder vencer o Mundial, porque o Brasil era uma grande equipe, técnica, forte em todos os setores. Nós não jogávamos tão bonito quanto os brasileiros, mas éramos mais rápidos, eficazes e perigosos nos contra-ataques." – Dino Zoff, goleiro da Itália;

"Zoff estava morto quando sofreu o gol de Nelinho, na decisão de terceiro e quarto lugares de 1978. E estava vivo outra vez depois de evitar o empate no último minuto." – Marco Zunino, jornalista italiano do "Guerin Sportivo" (retirado do livro "Os 50 maiores jogos das Copas do Mundo' de Paulo Vinícius Coelho);

"Se o Brasil tivesse empatado, certamente a Itália marcaria o quarto gol" – Paolo Rossi;

"Com Paolo Rossi no ataque, nossas chances de vencer ficam reduzidas" – Gabriele Oriali, meia italiano, dois meses antes da Copa de 1982.


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