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23/12/2009 - Bate papo com o doutor Eduardo Andrade; o Tostão. Confira aqui

Eduardo Gonçalves de Andrade, 60 anos, popularmente e quase absolutamente conhecido como Tostão. Eternizado com o título de campeão do mundo em 1970 como jogador, se mantém ativo no meio futebolístico como colunista de diversos jornais e como comentarista da rádio Jovem Pan. Tostão talvez seja o brasileiro que melhor uniu o jogar e o escrever futebol e, por isso, foi o nome escolhido como primeira opção para uma grande entrevista na área de esportes. Confesso que inicialmente achei que a idéia era um tanto quanto grandiosa para ser realizada, mas quando liguei para a casa dele e fui atendido pelo próprio, percebi que às vezes a maior dificuldade para o contato inicial é encarar o desafio de fazê-lo.


A entrevista foi realizada por e-mail, um meio ainda pouco explorado por mim, e acredito que por boa parte dos futuros jornalistas. Como todos os outros suportes, a Internet abre possibilidades diversas para uma entrevista, como permitir ao entrevistado mais tempo para responder e, conseqüentemente, responder mais perguntas, embora traga nítido prejuízo em relação a estender e aprofundar respostas. Tentando aproveitar o máximo de meu entrevistado neste cenário, pergunto a ele sobre temas que vão desde sua carreira vitoriosa como jogador, até sua experiência como comentarista e até mesmo enquanto entrevistado, começando pelo seu início no Cruzeiro.

- Para começar, gostaria que o senhor falasse um pouco sobre o início de sua carreira. O que o levou a ser jogador e como foi o começo com apenas 16 anos no Cruzeiro?

Jogava futebol desde menino em equipes de bairro. Aos 13 anos fui jogar futebol de salão no Cruzeiro e aos 14 fui para o juvenil do América (futebol de campo). Nessa época jogava no Cruzeiro e no América. Aos 16 anos foi me oferecido um contrato de profissional pelo Cruzeiro e iniciei minha carreira.

- Em 1966, o senhor era apenas um garoto e foi chamado para a Copa do Mundo. Aquela seleção tinha muito oba-oba e pouca organização, foram convocados mais de 40 jogadores. O que poderia ter sido feito de diferente para a seleção naquela Copa?

Além do oba-oba, o Brasil passava por uma interfase de jogadores. A turma que tinha sido bi-campeã em 62 já estava decadente, com exceção de Pelé, e a turma nova ainda inexperiente. Além disso, o Brasil perdeu para duas seleções muito fortes: Portugal e Hungria. Hoje é mais fácil a fase classificatória, pois há no máximo duas boas seleções para duas vagas. Antes eram três para duas vagas.

- Em suas colunas da época, Nelson Rodrigues diz que a Copa de 66 foi feita para a Inglaterra ganhar, o que o senhor acha disso? Notou algum tipo de favorecimento aos ingleses ou algum tipo de comportamento que pudesse favorecê-los indiretamente?

Não acho que isso tenha acontecido. A seleção inglesa era muito forte e jogava em casa.

- Qual era a influência da ditadura militar na seleção de 1970?

Não houve nenhuma. A história de que Dario foi convocado pelo Médici não é verdadeira. Dario era o maior artilheiro do Campeonato Brasileiro e Zagallo achava que a Seleção precisava de um típico centroavante. Por isso convocou Dario e Roberto. Depois, Zagallo mudou de opinião.

- É possível explicar o afastamento de João Saldanha por motivos políticos?

Acho que sim. João Saldanha incomodava muito a ditadura, pois era militante do partido comunista. Acho também que ele não quis continuar e procurou motivos para sair, como as suas críticas a Pelé e outros fatos.

- Sobre a Copa de 70, por que aquela seleção encantou tanto o mundo?

Porque foi a união de uma seleção com excepcionais jogadores, que tinham o melhor do mundo, Pelé, e que formou um ótimo conjunto, além de ter sido muito bem preparada fisicamente para a Copa.

- A idéia geral de quem vê uma seleção com Jairzinho, Gérson, Tostão, Rivelino e, principalmente, Pelé é a de que é só entregar a bola que ela vai encontrar o seu caminho. Qual o papel de Zagallo na copa de 70?

Zagallo foi fundamental para o sucesso da Seleção, pois organizou uma estratégia tática para a equipe e todos cumpriam o que tinha sido combinado.

- É possível explicar a sensação de ser campeão do mundo?

É a soma de vários sentimentos: alegria, orgulho, satisfação de pertencer a uma seleção nacional e tantos outros.

- Como funciona na cabeça do jogador o fato de ter conquistado o mais importante dos títulos. É natural que ocorra uma queda na motivação para jogar? Aconteceu com o senhor?

Imediatamente após a conquista de um grande título, é freqüente e esperado que um jogador perca um pouco da motivação, da ambição de jogar sempre melhor. Acaba piorando. Depois, na maioria das vezes, tudo volta ao que era.

- Após a Copa, em 71, o senhor se transfere para o Vasco em uma negociação em que o Cruzeiro se recusa a lhe pagar os 15% a que o senhor tinha direito. O senhor ficou muito magoado por ser tratado com tanto descaso pelo time que defendeu por tantos anos? E como eram as relações entre atletas e dirigentes na época?

Realmente, fiquei chateado porque o Cruzeiro fez comigo na época uma chantagem. Só me cedia se eu abrisse mão dos 15%. Era injusto. Mais tarde, me arrependi de ter concordado com isso.

- Tostão, o senhor é uma pessoa que estudou antes de se profissionalizar e depois. O senhor acha que isso o ajudou de alguma forma dentro de campo, o ajudou a entender melhor o jogo ou pelo menos em sua carreira, ou o estudo não tem nenhuma influência no futebol em si?

Penso que sim. O fato de ter começado a jogar profissionalmente após terminar o 2º grau e por gostar de ler, me ajudou na carreira de atleta. O mesmo aconteceu quando fui ser cronista esportivo. A experiência de médico e as experiências anteriores também me ajudaram na minha nova e atual profissão.

- Sobre o fim precoce de sua carreira. O senhor chegou a temer ter complicações ainda mais sérias em seu olho?

Sim. Se tivesse continuado a jogar, os riscos seriam muito grandes. Por isso, o médico não me deu condições para continuar.

- Depois de parar, o senhor se desligou totalmente do futebol para se dedicar à carreira médica. Nunca pensou em ser treinador?

Cheguei a pensar, fui convidado uma vez para ser técnico do Cruzeiro, mas não levei em frente, porque não me seduzia o tipo de vida que levaria como técnico.

- Depois acontece o inverso, pára com a medicina e volta ao mundo do futebol. Como ocorre esse processo inverso e por quê?

Depois de trabalhar muito, por uns 15 anos como médico e professor da faculdade, estava cansado e chateado com as más condições de trabalho de um médico e professor. Essa época coincidiu com um convite para ir à Copa do Mundo de 94. Fiz alguns comentários, gostei, gostaram, e acabei me tornando comentarista de futebol. Como não dava para fazer bem as duas coisas, optei alguns anos depois e deixei a medicina.

- Depois de 13 anos trabalhando como comentarista e colunista, qual a visão que o senhor tem da mídia esportiva brasileira? Há muita gente despreparada para falar de futebol? Há muito sensacionalismo?

Há excelentes profissionais na crônica esportiva e também outros despreparados, que falam e dão importância a coisas que não têm nenhuma importância. Isso acontece em todas as profissões.

- É inegável que o futebol como esporte evoluiu muito dos anos 60 e 70 até agora. Os jogadores hoje em dia são verdadeiros atletas, muitos deles tão rápidos quanto corredores, etc. Quais foram as principais mudanças que aconteceram na sua visão? Qual o papel da preparação física? E quais as principais perdas que o futebol teve com essa evolução?

É isso. Melhorou bastante a condição física dos atletas, a velocidade e aumentou a marcação. Hoje há também muitas jogadas ensaiadas, muito mais gols de bolas paradas e os técnicos têm mais conhecimentos táticos. Por outro lado, o futebol ficou muito tecnicista, mais previsível e com menor número de jogadores talentosos.

- E o papel do treinador, o senhor acha que ele tem muito poder hoje em dia?

A importância dos treinadores cresceu, o que foi bom para desenvolver o futebol, mas atingiu níveis exagerados. Os treinadores passaram a ser mais importantes que os atletas, o que é um grande erro.

- Sobre o futebol brasileiro atual, existe alguma solução para os clubes? É possível vislumbrar um futuro em que eles consigam competir com os europeus, ou pelo menos segurar os jogadores por mais tempo?

Não há nenhuma possibilidade dos clubes brasileiros competirem com os europeus por causa das diferenças econômicas. Mas, se os clubes brasileiros fossem mais organizados e a CBF dirigisse o futebol brasileiro com mais competência e seriedade, os clubes poderiam ser melhores e não precisariam ceder seus jogadores para clubes pequenos da Europa ou para países sem tradição no futebol e sem grande economia.

- Como o senhor vê a Timemania, você acha que o governo federal deve se envolver para salvar os clubes?

Em tese, sou contra qualquer ajuda do governo aos clubes ou a empresas privadas de outros ramos. Essa ajuda já aconteceu por parte do governo para outras atividades. Por outro lado, é uma oportunidade, uma alavanca que o governo dá para os clubes melhorarem as suas condições profissionais e financeiras. Se der certo, será bom para o futebol. Mas não acredito nisso.


- O campeonato brasileiro está terminando agora com um bicampeão que talvez nunca seja lembrado como um grande time, como o senhor analisa o campeonato deste ano e o bicampeão São Paulo? (nota: entrevista realizada no ano passado)


O campeonato foi muito bom pelo equilíbrio das equipes, com exceção do São Paulo, pela emoção, pela disputa tática e pelo maior público. Individualmente, há menos excelentes jogadores do que em campeonato anteriores.

- O lance mais polêmico do campeonato provavelmente seja o lance do Kerlon no clássico mineiro? O que o senhor acha da situação? Houve um exagero da mídia em torno de Coelho, o jogador foi praticamente crucificado nos debates esportivos, ou o senhor acha que a pena de 5 jogos foi branda e ele deveria ser punido com mais rigor para servir de exemplo?

Coelho merecia ser punido pela agressão a Kerlon, mas sua punição não deveria ser tão rigorosa quanto a de outras agressões. Kerlon tem o direito de fazer esse tipo de jogada, embora ache que isso não seja expressão de arte no futebol. Qualquer malabarista de circo pode aprender a fazer isso. Arte é ter técnica, criatividade, habilidade e outras características.

- Certa vez o Muller disse que estava abandonando o futebol porque este era um meio sujo? Você concorda com ele? (Ele acabou até voltando para o esporte)

Ele disse isso, mas é hoje comentarista na Globo. O futebol é sujo como é em muitas outras atividades da sociedade brasileira e em todo mundo. A diferença é que em outros países mais adiantados a punição é rigorosa e mais rápida e isso ajuda a coibir a corrupção.

- Falando em sujeira. O que senhor acha dessa situação envolvendo Corinthians e MSI. Não seria essa uma boa oportunidade para dar o exemplo e dirigentes que se envolveram em crimes que envolvem o futebol serem presos e julgados, e até mesmo uma punição ser dada ao clube?

O Ministério Público já encaminhou para a justiça os processos contra os dirigentes do Corinthians que foram envolvidos em transações ilícitas, junto com a MSI. Se for provada as suas culpas e condenados, ótimo para a sociedade e para o futebol. Mas temos que esperar a investigação da justiça. Acredito que não só o Corinthians, mas também outros clubes brasileiros usam de meio ilegais e de corrupção nas suas administrações.

- Ao longo de sua carreira, o senhor já foi entrevistado muitas vezes. Como é o processo de dar entrevista para o senhor e se ao longo do tempo foi ficando treinado no assunto?

Hoje, praticamente só dou entrevista se for para dar minha opinião sobre assuntos ligados ao futebol. Não sou mais protagonista. Sou crítico. Muitos não entendem isso. Não tenho nada a falar de minha vida. Com você foi exceção.



*Entrevista publicada originalmente na revista Sextante, elaborada por alunos do curso de Jornalismo da UFRGS



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