Sempre morei ou no centro da cidade ou perto dele. Numa das minhas casas, nos anos 80, eu via a numerada e parte do Tobogã do Pacaembu da janela de meu quarto. Qualquer gol eu escutava um segundo antes do narrador do rádio (Osmar Santos, José Silvério ou Fiori Gigliotti) gritar.
Como era barato o ingresso, eu assitia muitos jogos de todos os times no Pacaembu. Inclusive as deliciosas disputas entre 4 equipes pelo acesso ao então importante Paulistão.
Só abdicava das idas ao Paulo Machado de Carvalho para fazer a viagem com o Jd. Colombo até o Morumbi toda semana. As vezes andava até o Anhangabaú para embarcar no CMTC azul, o "busão" que quase ninguém pagava, e fazia o trajeto mais rápido, sem paradas, pela 9 de Julho.
Naquela época, está claro, todo corintiano era "socratista".
Não importava para os alvinegros da época se as estrelas estavam em campo. Nem se havia chances técnicas de título. Era o Corinthians e a torcida. E isso representava tudo para quem amava a agremiação.
Da periferia, na época "mais distante", pois as linhas de metrô eram menores, dezenas de milhares tomavam os bairros no entorno do Pacaembu fazendo algazarra de todos os tipos.
Da festa à bagunça. O mesmo ocorria dentro do estádio. Ninguém era punido por aprontar. Mas ninguém levava bombas e armas de fogo ao campo de futebol.
A torcida do Corinthians na arquibancada sem cadeiras cantava, cantava, cantava e … Cantava!
Na época, quando só havia "Socratistas", o corintiano jamais diria ou pensaria:
"Hoje o Sócrates está machucado. O time não tem mais chance de título. Não vou ao Pacaembu torcer pelo Timão".
Isso não existia. Repito: se tratava da festa chamada Corinthians, seja qual fosse o placar do jogo, escalação ou chances de conquista.
Só uma coisa era radicalmente exigida pelo corintiano. Garra! E muita!
Cabiam 70 mil no Pacaembu. Nada de de proibição de bebidas, faixas, bandeiras e intrumentos musicais.
Os anos passaram e o cenário mudou: O Corinthians montou grandes times, ganhou titulos nacionais, e acostumou "mal seu torcedor". A importância de cada competição também mudou.
E apareceu outro tipo de conrintiano.
O "Ronaldista".
Antes dos chiliques, crises e explosões de ódio, deixo claro que não há melhor ou pior, certo ou errado…Cada indivíduo tem sua forma de viver a paixão.
Ambos os lados são bons, corintianos de verdade e estão certos.
Isso é normal. No meio de milhões de pessoas, como na nação alvinegra, a maneira de sentir e curtir a paixão difere de acordo com o corintiano. Há quem cobre mais ou menos. O mesmo vale para exigir dedicação, tamanho de expectativa, ira, tristeza, alegria…
O corintiano "Ronaldista" exige coisas diferentes do corintiano "Socratista". É outra relação.
Ele quer craques em campo, títulos, a Libertadores é questão de vida ou morte, tal qual a construção de um estádio ou a posse do Pacaembu.
Isso não significa que um é necessariamente mais fanático que seu companheiro de torcida. Intensidade de amor é pessoal, não se define por preferência ou marca.
Mas dá para notar que o "Socratista" aguardava a hora de estar perto do Corinthians e isso era quase tudo, enquanto o "Ronaldista" decide, baseado no momento, se vai ao jogo ou não, além de não admitir derrotas importantes.
O "Socratista", para que fique ainda mais claro, adora o Ronaldo, pois ama o bom futebol e se orgulha de ter um atleta de tal nível no time, em especial o atacante que se identificou com a camisa do time.
A diferença é que a motivação para ir ao estádio não depende de ter Ronaldo ou de disputar algo.
Ser "Ronaldista" ou "Socratista" também não é questão de idade. Conheço adolescentes de comportamente "socratista" e adultos que viveram o período do Magrão e são "ronaldistas".
O "Socratista" não admite preferência por Palmeiras no clássico contra o próprio time para evitar o título do São Paulo. E nem cogita a possibilidade do time se empenhar pouco porque outras equipes podem ser beneficiadas.
O "Ronaldista", mais apegado aos feitos da equipe, até torceu contra seus jogadores diante do Flamengo.
Para o "Socratista", tirante os muito jovens, o Palmeiras é o maior adversário.
O "Ronaldista" não admite, pois faz parte do seu discurso padrão, que o prazer de ganhar do São Paulo e chegar mais longe nas competições que o tricampeão do mundo supera a sensação de fazer os 3 pontos contra qualquer outro time.
Eis os dois "partidos futebolísticos corintianos", "Socratistas" e os "Ronaldistas", unidos pelo amor ao Sport Club Corinthians Paulista.
|