O futebol italiano é visto como retranqueiro: muita marcação, poucas chances de gol. Mas nem sempre foi assim. Na década de 40 se formou na bota uma das equipes mais ofensivas de todos os tempos, o Torino. O time funcionava muito bem como um conjunto, com jogadores de grande qualidade que eram a base da seleção, mas o cérebro do Torino era o meia Valentino Mazzola. Sobre sua importancia, seu companheiro de equipe Mário Rigamonti afirmou "Ele sozinho é metade da esquadra".
Mazzola nasceu em uma cidadezinha próxima a Milão chamada Cassano D'adda. Aos 10 anos ele salvou um colega do afogamento. Era Andrea Bonomi que mais tarde seria seu oponente jogando na defesa do Milan. Desde muito jovem Mazzola mostrava sua intimidade com a bola, fato que o ajudou a escapar das trincheiras da guerra. Em 39 ele entrou na Marinha italiana, em Venezia. Lá foi encorajado a jogar pelo clube da cidade e assim o fez. Seu maior feito por lá foi ter liderado o Venezia para a conquista da Copa da Itália, em pleno estádio Olímpico, contra a Roma que contava com a torcida do "Duce" Benito Mussolini nas tribunas de honra.
Tal desempenho chamou a atenção do Torino que desembolsou muito dinheiro para atravessar o acordo verbal que o meia já havia feito com a rival Juventus. A notícia de sua saída veio à tona logo na véspera de um Venezia-Torino e Mazzola viu no inicio do jogo sua própria torcida o chamar de "vendido". A resposta veio rápido em campo. 3 a 1 Venezia. Mazzola mostrava para o Torino que o investimento valera a pena.
Estava formado o grande esquadrão, mas ele só poderia começar a ganhar títulos um ano depois. Em função da derrota fascista na segunda guerra, o campeonato de 45 foi cancelado e o de 46 começou sobre os escombros do que restara da Itália. Nesse momento o Torino se tornou mais que um time. Ele era a esperança de que a nação podia se reerguer e começar de novo. O futebol rápido e cheio de gols alegrava um pouco os dias cinzentos daqueles que haviam perdido familiares durante a guerra.
Por 4 anos o Torino reinou absoluto. Foram três vítorias seguidas na liga: 46, 47e 48, sem contar os amistosos internacionais que os qualificavam como um dos maiores times do mundo. Em 48 eles marcaram 125 gols em 40 jogos.
Mazzola era a alma do time. Tomava conta do meio-campo, realizava passes perfeitos e chegava na frente para concluir. Sua média era de 20 gols por temporada. Houve jogos em que a seleção italiana entrava em campo com 10 jogadores do Torino entre os 11. Com tanta qualidade, a Itália era uma das favoritas para vencer a Copa de 50.
Mas em 49 aquele esquadrão encontrou o seu destino. O time tinha 4 pontos de vantagem faltando quatro rodadas para terminar e estava prestes a se tornar tetracampeão consecutivo quando viajou para disputar um amistoso contra o Benfica, em Portugal. Mesmo doente, Mazzola cumpriu seu compromisso e jogou. No retorno do Torino para a Itália, o avião que os transportava se chocou contra a fachada da basílica de Superga, nos arredores de Turim. Nenhum dos passageiros sobreviveu. A tragédia comovou a Itália e a Europa. O enterro dos jogadores foi acompanhado por uma multidão nunca vista nas ruas. A Liga decretou o Torino como campeão de 49 mesmo com os 4 jogos restantes faltando ser jogados. Os outros clubes concordaram, mas não o Torino. A diretoria decidiu ganhar em campo como forma de homenagear os mortos. Então, os juvenis da esquadra jogaram as partidas restantes. Os garotos honraram seus mestres e venceram todos os quatro jogos, dando ao clube de Turim seu tetra-campeonato. A equipe só voltaria a ganhar esse título uma vez, em 76.
E assim o futebol perdeu uma estrela que não teve a chance de mostrar sua genialidade em Copas ou em gramados internacionais já que na época não havia competições européias. Seu futebol foi um presente exclusivo para os seus conterrâneos. No momento em que eles mais precisavam.
Andrea Bonomi, o garoto salvo pelo jovem Mazzola viveu até os 80 anos. Faleceu em 2003
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