"Onde está o homem?", indagou um rapaz moreno, vestindo boné com a aba reta, corrente de prata, camiseta regata, cueca à mostra e chinelos de dedo. A secretária da Ed Dez produções ouviria a mesma pergunta quase dez vezes no início daquela tarde. A recepção do prédio, localizado em um bairro nobre de Salvador, estava abarrotada de sambistas. Entre copos d'água e de café, muita música baiana ao fundo e um sorveteiro que andava de um lado para o outro com uma caixa de isopor, todos aguardavam o ex-jogador e agora empresário Edílson.
Quando o proprietário da Ed Dez fazia baliza para estacionar o seu carro diante da produtora, quem estava na sala vibrou. "Olhem o homem ali!", a secretária apontou pela janela. Edílson foi recebido como ídolo. Distribuiu sorrisos e cumprimentou a todos. Resolveu o problema de um baterista que estava sem baquetas em um dos estúdios de sua empresa, assinou alguns papéis, abraçou o sorveteiro e reuniu-se com o seu irmão Aliomar a portas fechadas. Pouco depois, abriu o escritório para conversar por mais de duas horas
Então você quer que eu conte todas as histórias da minha vida? Só tome cuidado porque aconteceu muita coisa impublicável, está bem?", alertou Edílson, às gargalhadas. Nem por isso o ex-atleta se intimidou a narrar casos inéditos da sua trajetória no futebol. Justificou o apelido de "Capetinha" ao lembrar das brigas que teve com Edmundo e Marcelinho Carioca (leia em "Love Story: do Kadet vinho a socos em Edmundo" e em "Embaixador da Fiel: da ameaça com faca a Marcelinho a campeão do mundo"), das polêmicas vivenciadas ao lado do amigo Vampeta e dos bastidores de suas conquistas como jogador.
Na primeira das três partes desta entrevista exclusiva, Edílson conta como superou a infância pobre na Bahia para alcançar o estrelato definitivo com o título da Copa do Mundo de 2002. Hoje, homem de negócios com cabelos alisados e não muito mais gordo do que nos tempos de atacante, o Capetinha se emociona ao falar de suas origens e, principalmente, da morte do irmão Eliezer em um acidente automobilístico.
GE.Net:Sua empresa é bastante movimentada, hein?
Edílson Capetinha: Você viu só? Enquanto conversamos, podemos escutar as minhas bandas gravando nos estúdios. Além disso, o prédio também abriga uma editora, uma agência de viagens, os setores de vendas... Isso sem falar da minha casa de shows. Montei quase toda essa estrutura há uns dez anos. Foi tudo planejado por mim.
GE.Net: Até aqueles quadros com a sua imagem e a do Vampeta na parede?
Edílson: Também sou o responsável pela decoração, claro. Ganhei os quadros de um artista, que fez os desenhos com base em fotografias nossas. Ficou muito legal, não é? O Vampeta queria levar o dele para pendurar em casa, mas eu não deixei. É uma recordação bonita da nossa amizade. Nós estivemos juntos, inclusive, durante essa semana.
GE.Net: Ele te contou que irá participar do reality show "A Fazenda", da TV Record?
Edílson: Ele me disse que não vai mais participar. O melhor para o Vampeta, agora que está aposentado, é se tornar dirigente do Corinthians. Pô, a ligação dele com o clube é enorme. Lembra da passeata de comemoração pelo título da Copa do Mundo, em Brasília? Ele não estava usando a camisa da seleção brasileira lá. Preferiu vestir a do Corinthians. Depois que o pessoal bebeu todas pelo caminho e ganhou as medalhinhas do presidente, ele fez até aquela graça de dar cambalhota na rampa do Palácio do Planalto. Se eu fosse um diretor de clube, contrataria logo o Vampeta. É um cara carismático, inteligente e que viveu muitos anos no futebol. Ele sabe como lidar nesse meio.
GE.Net: Você aceitaria algum trabalho nessas áreas? Participaria de um reality show ou se tornaria dirigente?
Edílson: Isso não é para mim. Já toco a minha produtora faz tempo. Dá mais trabalho do que ser dirigente de futebol. E também possuo agora uma empresa chamada Gold Soccer, para agenciar carreiras de jogadores. O Artur, ótimo zagueiro do São Caetano, é um dos nossos clientes. Outro deles é o lateral Dieguinho, de quem eu renovei contrato com o Fluminense recentemente. Em seis meses de vida, a Gold Soccer está indo de vento em popa. Pretendo até assumir um clube da primeira divisão do futebol baiano, o Madre de Deus, para gerir durante 20 anos. Serei o presidente.
GE.Net: Esse contato intenso com o futebol não te deixa com saudades de jogar?
Edílson: Não. Até recebi uma proposta há pouco tempo, para defender o Ceará. Mas eu não me preparei para jogar em time de menor porte. Sentiria muita falta da torcida, da motivação, das cobranças... Não consigo fazer o que o Túlio Maravilha faz, por exemplo, e pular de clube pequeno para clube pequeno.
GE.Net: Como começou essa sua preparação para jogar em grandes clubes?
Edílson: Nasci no bairro da Federação, que é um lugar muito pobre de Salvador, humildezinho. Tive uma vida de menino de periferia, que empina arraia, joga bolinha de gude e anda de patinete. Você não deve entender muito disso, pois em São Paulo é diferente. Aqui, nós baianos sempre inventávamos alguma distração que não tivesse custo. A maior delas, obviamente, é o futebol. É um esporte gratuito. Você pode jogar bola em qualquer lugar, com uma meia ou com uma latinha. Foi assim que comecei.
GE.Net: Você passou dificuldades na infância?
Edílson: Vivi na Federação até os meus 18 anos. Como em qualquer periferia, acontecia tudo lá. Mas, ainda assim, a minha infância foi bastante tranquila. Não fazíamos nada errado porque respeitávamos o estatuto da família: não podia beber, não podia fumar, não podia ficar bagunçando na casa do vizinho, não podia passar as madrugadas nas ruas... E muitos parentes moravam conosco. Por isso, cresci em um ambiente familiar, com união entre tios, tias, primos, primas, irmãos e conhecidos. Se faltasse alguma coisa para alguém, a gente pegava na casa do amigo. Meus pais trabalhavam muito para garantir o nosso sustento. Ela [Maria de Lurdes] era empregada de uma escola, e ele [Carlos Ferreira, conhecido como Carlito Cafroxo] sempre foi músico.
GE.Net: Sua paixão pela música surgiu através do seu pai?
Edílson: Tive um pouco de dificuldades nesse ponto, pois ele se separou da minha mãe assim que eu nasci. Só voltou para casa depois de oito anos. Mas sou afilhado de Nelson Rufino, um dos grandes compositores do samba, e sempre vi o meu pai comandando os blocos carnavalescos. A minha relação com a música é muito forte. Meu pai não teve a oportunidade de me ensinar a tocar nenhum instrumento, mas levo isso no sangue. Foi fácil aprender. Até hoje eu faço aulas de bateria e cavaquinho, além de ajudar as minhas bandas a gravarem. Cresci nesse ritmo. Sempre estudando, porque a minha mãe dá bastante valor à educação, e jogando futebol.
GE.Net: Já era meia ou atacante naquela época?
Edílson: Eu costumava jogar no meio-campo, como no início de carreira. Mas, na pelada, queria porque queria ser zagueiro.
GE.Net: Com esse tamanho todo? [Edílson mede 1,68 m.]
Edílson: [Risos.] Eu tinha medo de ficar tomando porrada no ataque. No futebol amador, é complicado. O meu irmão Eliezer era o melhor jogador da família. Jogava muito, muito, mesmo. Se tivesse 60 jogadores na pelada, quem ganhasse no par ou ímpar escolhia o Eliezer logo de cara. Um dia, convidaram a gente para bater uma bola e ele sofreu uma fratura exposta. E você sabe que uma família humilde não tem condições de operar, de fazer fisioterapia, de pagar um médico... Não houve recuperação. Depois disso, peguei um receio danado de jogar como atacante. Não queria seguir o mesmo caminho do meu irmão. Sempre pretendi ser zagueiro por isso.
GE.Net: O Eliezer é o seu irmão mais velho?
Edílson: Não, ele era o irmão do meio. Sou o caçula. O mais velho é o Aliomar Ferreira, seguido da minha irmã Sueli Ferreira. Só depois vem o Eliezer, que não se chamava Eliezer na verdade. Minha mãe mandou registrá-lo com esse nome, mas o meu pai não concordou e aprontou uma surpresa quando foi ao cartório. Deu o nome dele, Carlos Ferreira, para o filho. Não pegou. As pessoas só conheciam o meu irmão como Eliezer.
GE.Net: Ele já faleceu?
Edílson: O Eliezer morreu em um acidente com uma das nossas bandas [Pagodart], em 2004, quando o ônibus capotou perto de Itaberaba, aqui na Bahia. [Outras vítimas fatais foram o saxofonista Edvaldo Carvalho e o montador de instrumentos Denis Santos. Aliomar, irmão mais velho de Edílson, foi assaltado quando se dirigiu para prestar socorro]. Isso aconteceu em 2004, na mesma época em que enfrentei o Corinthians em uma quartas de final de Copa do Brasil. Ganhamos por 2 a 0 no Barradão.
GE.Net: Você teve cabeça para jogar aquela partida?
Edílson: Ninguém pensou que eu jogaria. O meu irmão faleceu em um lugar muito distante de Salvador. Fui para lá e passei a noite inteira sem poder fazer nada. Demorou uns três dias para liberarem o corpo e para o sepultamento ser marcado. O enterro foi no dia do jogo. Presidente, dirigentes e médicos do Vitória compareceram para me dar uma força. Na hora em que o sepultamento acabou, pensei comigo: "Será uma grande homenagem para o meu irmão, que era Vitória doente, ir para o estádio e torcer muito". Quando a equipe já estava no vestiário do Barradão, desci com o meu carro, entrei e falei para todo mundo: "Mermão, eu vim para jogar". Ninguém acreditou. O time já havia sido escalado sem a minha presença. Só que eu era o grande ídolo da torcida e o artilheiro do time na temporada. Não era justo abandonar meus companheiros naquele momento. E o que o meu irmão mais queria era me ver em campo.
GE.Net: Como foi o jogo?
Edílson: Joguei até os 40 minutos do segundo tempo e fui ovacionado quando saí. Foi a partida mais marcante da minha carreira. Nego se lembra mais daquela que deu polêmica [refere-se à final do Campeonato Paulista de 1999, quando fez embaixadinhas contra o Palmeiras] ou dos meus títulos, mas estas são recordações diferentes para mim. Quando acabou o jogo entre Vitória e Corinthians, desmaiei no vestiário. Caí e só acordei no hospital. Foi um desgaste emocional muito grande. Tudo isso que aconteceu me fez fortalecer ainda mais os laços com os meus familiares. Vivo para a minha mãe hoje em dia. Nos domingos, não me preocupo em pegar meus carros e sair para passear. Prefiro ir para a casa da minha mãe, almoçar com ela e me sentar no sofá para assistir à televisão. Meus irmãos também tiveram muita influência na minha carreira.
GE.Net: Qual foi a contribuição do Aliomar?
Edílson: Nós jogávamos juntos um campeonato amador muito forte na Bahia, por uma empresa de nome Aconfip, e começamos a nos destacar. O dono dessa empresa até me ajudava com R$ 50, R$ 100, convertendo o dinheiro para a moeda de hoje. Nessa competição, sempre enfrentávamos um time chamado Guarani, que na verdade era defendido pela equipe de juniores do Bahia. Eles tinham o Uéslei, o Marcelo Ramos, o Paulo Emílio, o goleiro Jean... Treinavam no Bahia de segunda a sexta e nos desafiavam no torneio amador nos finais de semana. Conquistamos o bicampeonato em cima deles. Fui artilheiro em um ano e, no seguinte, o goleador foi o meu companheiro de ataque. Esse cara foi o melhor atacante com quem já joguei. Chama-se Lorival, mas na Bahia é conhecido como Blábláblá. Com ele, não tinha para ninguém. Ainda batemos uma pelada de vez em quando atualmente. Bahia e Vitória fizeram o possível para profissionalizá-lo, mas ele não quis. Naquele tempo, o Lorival tinha um cargo bom no Pólo Petroquímico e não quis trocar o certo pelo duvidoso. Futebol não dava tanto dinheiro assim.
GE.Net: Você também trabalhava?
Edílson: Eu tinha um tio que era marceneiro. Comecei a ajudá-lo a fazer portas, armários, um monte de coisas. Fiquei uns dois anos na oficina dele. Quando completei 16 anos, fui para a escolinha de futebol de salão da Brahma. Até cogitaram me levar para o Votorantim e para a seleção brasileira, na época em que o Manoel Tobias e outros craques estavam começando no esporte. Não deu certo. Mas o treinador do time adulto da Brahma era dono de uma clínica. Ele sabia das minhas dificuldades financeiras e me arrumou um emprego como auxiliar de almoxarifado nesse negócio dele. Era eu quem cuidava dos remédios, entrava em contato com ambulatórios, fazia requisições... Tinha um departamento só para mim.
GE.Net: Quando decidiu trocar o certo pelo duvidoso?
Edílson: As coisas melhoraram quando um amigo, proprietário de uma auto-escola, e o dono da Aconfip me levaram para fazer testes no Vitória e passaram a pedir para todo mundo me dar uma chance. Até pintar um convite para jogar no Espírito Santo. Foi então que avisei na clínica onde eu trabalhava: "Vou arriscar essa viagem, treinador. Preciso dar uma vida melhor para a minha mãe, e acho que esse é o caminho. Agradeço por tudo o que o senhor fez por mim. Mas, se não der certo lá, pode me dar o meu emprego de volta, por favor?". [Risos.] Ele respondeu: "Rapaz, vá com Deus. Acontecendo algo errado, você volta e está empregado".
GE.Net: Como foi a viagem?
Edílson: O dono da Aconfip comprou passagens de avião para nós. Botou o agasalho do time na gente e tudo, para chegarmos uniformizados. Fomos antes para Vitória, capital do Espírito Santo. De lá, pegamos 1.200 km de estrada até Santa Maria de Jetibá. Só tinha alemão nessa cidade, e era o primeiro ano do time que eles criaram, o Industrial. A equipe durou uma temporada e acabou. Parece coisa de Deus. Esse time só existiu para eu poder me tornar alguém na vida.
GE.Net: Mas depois você já foi para São Paulo?
Edílson: Que nada. Peguei o meu passe e voltei para Salvador. Estava profissionalizado, com passe nas mãos e sem clube. A sorte voltou quando um treinador chamado Jaime Braga foi ver um dos meus jogos no futebol amador. Ele convidou o meu irmão e um zagueiro, o Roberto [ex-Santa Cruz], para jogar em Tanabi, interior de São Paulo. Meu irmão só aceitou ir se o cara me levasse junto.
GE.Net: E lá foi você outra vez...
Edílson: Mas essa viagem foi de ônibus, bem mais desgastante. Nem dinheiro para ir a gente tinha. Um vizinho fez um bolo, outro deu refrigerantes, juntamos tudo com as poucas roupas que tínhamos e jogamos nas bolsas. Fomos em oito pessoas para São José do Rio Preto. De lá, pegamos uma Kombi até Tanabi. Disputamos a Série Intermediária do Campeonato Paulista, como diziam na época. Muita coisa engraçada aconteceu naquele tempo.
GE.Net: Por exemplo?
Edílson: São tantas histórias... O nosso alojamento era embaixo do estádio do Tanabi, onde também ficava a cozinha. O mais esfomeado do time era um cara chamado Senegal, um negão de quase 2 metros, zagueirão, que viajou comigo. O cara alto, grande e forte quer comer muito sempre. Mas o Pelé, que era o cozinheiro, pegou uma bronca tremenda do sujeito. O meu prato e o dos outros até eram caprichados. Ou melhor, tinha arroz pra caramba e um pedacinho legal de bife, mas pequeno. Quando chegava a vez do Senegal pegar comida, o Pelé só servia um pouquinho de arroz e um pedacinho mínimo de carne. O negão ficava louco de raiva depois de esperar na fila e ver todo mundo receber outro tratamento.
GE.Net: Essa revolta terminou em briga?
Edílson: O Senegal sempre protestava: "O que você tem contra mim, Pelé? Estou com fome! Vou te pegar de porrada!". Um dia, quando estávamos dormindo pela manhã, ouvimos um estouro assustador vindo da cozinha. Todo mundo acordou. A panela de pressão havia explodido, talvez porque o Pelé tivesse a mania de fumar à beira do fogão enquanto cozinhava. O Senegal foi o primeiro a chegar ao local e viu o Pelé cheio de feijão na cara e no corpo. Em vez de socorrer, ele começou a provocar: "Viu, desgramado? Bem feito! Você vai morrer com os seus feijões! Não queria o feijão? Então toma!". O resto do time ajudou a levar o Pelé para o hospital, mas o negão ficou só dando risada. Depois do episódio, a gente brincava com o Pelé: "Pô, que trairagem, hein? Senegal te viu morrendo e não fez nada! Foi praga dele! É melhor tratar bem o negão!". Mas o tratamento só piorou!
GE.Net: O Tanabi deu certo dentro de campo?
Edílson: Tanto deu que o seu Beto Zini, presidente do Guarani, mandou observarem um jogo nosso contra o Barretos, em Barretos. Na verdade, eles queriam ver o tal de Rick, o meu companheiro de ataque, que era o grande nome da Série Intermediária por fazer muitos gols. Mas eu arrebentei naquela partida. Marquei quatro gols. Seu Beto Zini já foi falando: "Não quero esse Rick, não. Vou levar o outro moleque". Pagaram o equivalente a R$ 150.000 para me levar para o Guarani. Era muita grana para a época. O que aconteceu comigo não acontece com mais ninguém. Juntei todas as minhas coisas depois do jogo do fim de semana seguinte, entrei em um carro e fui direto para o Guarani para disputar o Campeonato Paulista. Assim começou a minha trajetória pelos grandes clubes do país.
Gazeta Esportiva.Net: Como você foi recebido no Guarani?
Edílson Love Story: Encontrei um monte de gente famosa lá: Amoroso, Luizão, Edu Lima, Tiba, Raudnei, Missinho, Fernando, Garça, Gustavo, o tal de Caíque... Era uma galera muito conhecida. Quando cheguei a Campinas, já segui para Campos do Jordão para me concentrar com esse pessoal na pré-temporada do Guarani. Fiquei no mesmo quarto do Caíque, um ex-meio-campista do Corinthians, feio demais, parecido com o Baby da Família Dinossauros. Ele era parceiro pra caramba, mas só me chamava de "juvenil" e dizia que mandava no nosso quarto.
GE.Net: Quem era o seu técnico?
Edílson: Fito Neves. Meu irmão mais velho já tinha sido treinado por ele em Salvador. E Fito possuía uma escolinha de futebol na Bahia, chamada "Fito e Douglas", onde joguei um mês. No Guarani, cheguei para ele e disse: "Professor, eu era da sua escolinha. O senhor não está lembrado, mas fiquei um período lá com você". Ele pegou a camisa 10 e fez assim [Edílson oferece o CD de uma de suas bandas para imitar o gesto de Fito Neves]: "Tome. Essa camisa é sua". Era a número 10 do Guarani, um time que tinha Edu Lima, Amoroso, Tiba, campeão pelo Bragantino, Aílton, que jogava com o Zico no Flamengo, e Adriano, revelação da seleção brasileira sub-20. Não acreditei que aquela camisa era minha. Pensei mais ou menos assim na hora: "Rapaz, o que é isso? Eu estava no Tanabi há até pouco tempo e agora já sou o camisa 10 do Guarani. Vou estrear daqui a cinco dias diante da Portuguesa, no Canindé, contra o Denner. As comparações entre nós dois virão". Passou um filme na minha cabeça. O meu estilo de jogo era igual ao do Denner. E a estreia era contra ele, em um jogo televisionado ao vivo, às 11 horas da manhã, para todo o Brasil. Porra!
GE.Net: Seus companheiros não ficaram enciumados quando você recebeu a camisa 10?
Edílson: Também achei que fosse ter rejeição, mas não houve nada disso. Se aconteceu, não fiquei sabendo. Acho que fui bem tratado até por ter me destacado nos treinamentos. Eu era muito menino, sem maldade nenhuma, e fazia amizades facilmente. Os caras pensaram: "Vamos ajudar o moleque. Ele joga muito. Vamos ver no que vai dar. Se o treinador escolheu, é porque ele tem capacidade". Estreei bem contra a Portuguesa, mas o jogo acabou 0 a 0.
GE.Net: Conversou com o Denner na partida?
Edílson: Preferi ficar na minha para evitar comparações. As pessoas também podiam achar que eu queria aparecer se tivesse uma atitude diferente. Afinal, eu estava vivendo em um mundo que ainda não era o meu. Eu não passava de um anônimo até pouco tempo atrás. E, daquela partida em diante, comecei a ver atletas renomados para todos os lados. A minha família fez uma grande festa em Salvador para comemorar. Minha mãe convidava todo mundo para assistir na casa dela aos meus jogos.
GE.Net: O sucesso veio rápido depois da estreia pelo Guarani, não é?
Edílson: Veio. Fiquei apenas seis meses no Guarani e já fui vendido. Foi a maior contratação de um time brasileiro na época, feita pela Parmalat. Quinze dias depois de me comprarem, pagaram um pouco mais para tirar o Edmundo do Vasco. Só que ele já estava cotado para a seleção brasileira, enquanto eu não passava de uma revelação. Fiquei 15 dias sendo o jogador mais caro do Brasil.
GE.Net: Como você recebeu a notícia de que havia sido negociado com o Palmeiras?
Edílson: Eu estava em São José do Rio Preto, na preparação do Guarani para o Campeonato Paulista, sem saber de nada. Seu Beto Zini [presidente do Bugre] veio até mim e falou: "Bora, levanta. Já para o Palmeiras. Eles te compraram". Eu disse: "Como assim?". Era a época da Parmalat, entende? Eles estavam levando todo mundo. O Roberto Carlos saiu do União São João de Araras e já tinha se apresentado ao Palmeiras. Depois de mim, vieram Edmundo, Evair, Zinho e o time começou a ser montado. Fiquei ainda mais assustado quando soube quanto pagaram por mim. Eu tinha sido comprado pelo Guarani há seis meses por R$ 150 mil, aproximadamente. E me venderam por US$ 1,5 milhão para o Palmeiras. Foi uma valorização monstra. Lembro que o Seu Beto Zini foi muito correto e obrigou a Parmalat a me pagar os 15% da transação. Era muita grana. Fiquei rico!
GE.Net: O que você fez com essa bolada?
Edílson: Comprei um carrinho e uma casa para a minha mãe, que é onde ela mora até hoje. Também comprei um carro para mim em São Paulo. Nas concentrações do Guarani, embaixo do estádio, eu ficava babando o Kadet vinho de um diretor do clube, o Nenê Brito, que agora trabalha para a Puma. Assim que ganhei um dinheirinho, liguei para ele e perguntei: "Quer vender esse carro, Nenê? Traga aqui porque eu vou comprar". Ele deixou o Kadet lá no Palmeiras para mim. Fiquei um bom tempo com o carro.
GE.Net: Você encontrou outro elenco cheio de estrelas no Palmeiras. Não tinha briga de egos?
Edílson: Só tinha isso. O tempo inteiro. Acho que a maior missão de um treinador de um time cheio de estrelas é saber controlar as vaidades de todas elas. Lembro muito bem de várias brigas e tumultos dentro do Palmeiras por causa das estrelas do time.
GE.Net: Inclusive daquela briga do Antônio Carlos com o Edmundo?
Edílson: O Palmeiras naquela época funcionava da seguinte forma: eu não falava com o Antônio Carlos, que não falava com o Edmundo, que não falava com o Evair, que não falava com o Roberto Carlos. A ordem não é exatamente essa, mas era assim. A gente brigava sempre, quase todo dia. Mas dava certo dentro de campo porque todo mundo conseguia fazer a diferença.
GE.Net: Com quem foi a sua discussão mais acirrada no Palmeiras?
Edílson: Tive uma briga muito feia com o Edmundo no intervalo de um jogo entre Palmeiras e Bragantino, no Parque Antártica. Foi briga mesmo, de dar bastante porrada. Parecíamos dois lutadores de boxe. E o pior que todo mundo ficava gritando: "Não separa, não, deixem os dois brigando aí!". O Wanderley Luxemburgo, então, colocou o Edmundo de um lado e eu do outro e disse: "Os dois vão jogar! Se um não passar a bola para o outro, tiro os dois do time!".
GE.Net: Mas por que vocês brigaram?
Edílson: Aos 44 minutos do primeiro tempo desse jogo, quando a gente já estava ganhando por 2 a 0, subimos eu e o Edmundo ao ataque contra um zagueiro. Eu tinha duas opções na jogada: passar a bola para ele ou driblar o jogador do Bragantino para fazer o gol. Fingi que fui tocar, cortei o zagueiro e avancei sozinho para marcar. Mas, como estava distante do gol, esse mesmo zagueiro se recuperou no lance e fez a falta por trás. Naquela época, dificilmente expulsavam quem fazia essas faltas mais duras. O árbitro reclamava; dava um cartão amarelo no máximo. O cara levou o cartão, e o Evair cobrou a falta no travessão do gol das piscinas do Parque Antártica. Só que o Edmundo veio para cima de mim após a jogada e começou a me xingar: "Seu filho da puta! Passa a porra da bola!". E ainda me deu um tapa, "pou", empurrando o meu rosto. A torcida fez "uuuh". Eu logo pensei: "Rapaz, tomei um tapa desse cara na frente de todo mundo? Vai ficar feio". Não dava para revidar dentro de campo, senão eu e ele seríamos expulsos. Foi quando o juiz fez "pri" e encerrou o primeiro tempo. Tirei a camisa, desci para o vestiário correndo, antes de todo mundo, e fiquei só olhando pela fresta daquela porta de madeira que tem ali. Quando o Edmundo passou, negão, tomou um soco no meio da cara. Nem ele sabia de onde tinha vindo a pancada. A gente se atracou feio. Foi quando os outros jogadores gritaram: "Deixem os dois brigando aí!".
GE.Net: E para voltar para o segundo tempo depois dessa confusão?
Edílson: O problema não foi só o segundo tempo. Ficamos cinco meses sem conversar. Jogávamos no mesmo time, tínhamos os mesmos amigos e frequentávamos os mesmos lugares, mas a gente não se falava. Ainda assim, o Palmeiras superava os problemas do cast da Parmalat. Fomos campeões brasileiros em 1993, quando marquei gol na final contra o Vitória, no Barradão.
GE.Net: Como foi fazer um gol contra o time da sua cidade? O Vampeta estava do outro lado?
Edílson: O Vampeta estava na reserva do time deles. Para mim, foi uma loucura só. Meu irmão me zoa até hoje. Ele ficou dividido, até porque eu estava surgindo naquela época. Mas teve o lado ruim da história. Minha mãe foi ameaçada de morte e perseguida pela torcida do Vitória. A gente precisou andar com seguranças depois daquele jogo. Alguns torcedores não aceitaram que um baiano viesse a Salvador para dar o título brasileiro para uma equipe paulista.
GE.Net: Você temeu alguma represália mais grave?
Edílson: A gente fica assustado quando isso acontece. A minha mãe e eu não tínhamos as cabeças de hoje. Não fazíamos noção do que estava acontecendo com a nossa família, pois não fomos acostumados àquela coisa toda. Mas logo em seguida fui emprestado para o Benfica, que também era parceiro da Parmalat. Pendurei até uma fotografia minha naquela parede, olhe ali: sou eu no Benfica, no estádio da Luz. Fiquei um ano lá.
GE.Net: Depois desse título brasileiro e da transferência para o Benfica, então, você começou a sentir que já era uma realidade no futebol?
Edílson: Não. Só vim ter essa convicção com 30 e poucos anos. Sempre tracei metas na minha vida. Terminei de alcançá-las após o pentacampeonato mundial pela seleção brasileira. Foi aí que falei para mim mesmo: "Agora não tenho mais nada a conquistar. Já sou campeão mundial. Cheguei ao topo". Porque eu já havia sido eleito duas vezes o melhor jogador do Campeonato Brasileiro, ganhado um Mundial de Clubes, três Brasileiros, três Campeonatos Paulistas, um Carioca, um Baiano, um Japonês e uma Copa Sul-Minas. Fui campeão por todos os lugares onde passei. Quando venci também a Copa do Mundo, acabou. Se tivessem apenas Campeonatos Brasileiros no meu currículo, eu poderia ficar marcado como um jogador caseiro, sem títulos internacionais.
GE.Net: Ter jogado pouco tempo na Europa é uma frustração na sua carreira?
Edílson: Naquela época, era meio complicado. Eu recebia mais dinheiro no Brasil do que na Europa. Mas obtive reconhecimento internacional através da Copa do Mundo. Joguei quatro dos sete jogos do Mundial. Não fui um mero figurante. Achava até que ganharia a posição de titular nos treinamentos. Nas Eliminatórias, o Luizão e eu salvamos o Brasil. Marquei um gol contra o Chile, em Curitiba, e outro na Bolívia. No último jogo, com a Venezuela, fiz uma partida de Maradona. De Maradona, não. De Pelé. Além de tudo isso, de ter funcionado bem na Família Scolari, joguei algum tempo no Benfica. Tudo o que aconteceu comigo foi coisa de Deus. Saí de um time amador da Bahia e fui muito longe na vida.
GE.Net: Foi fácil para um baiano se adaptar a Portugal?
Edílson: Foi legal, viu? Gostei muito de Portugal. Tenho amigos lá. Aprendi a gostar do Benfica e sou respeitado pelos torcedores portugueses. Eles me conhecem como o Pequeno Grande Homem, pois sou muito pequeno e fazia coisas de grandes dentro de campo. Lembro que tive uma despedida emocionante do Benfica. Nós ganhamos por 2 a 0 do Sporting, com dois gols meus, e precisei sair do estádio direto para o aeroporto. As minhas malas já estavam prontas. Essa pressa toda era porque eu devia ser inscrito pelo Palmeiras para jogar a final do Campeonato Paulista, aquela disputada em Ribeirão Preto. Perdemos por 2 a 1 para o Corinthians, com um gol marcado pelo Elivélton na prorrogação. Lembra?
GE.Net: Lógico. Então você voltou a São Paulo e já jogou uma final contra o maior rival?
Edílson: Eu era da Parmalat, sabe? Queria ficar no Benfica, mas não tinham dinheiro para me comprar. Apesar de o parceiro ser o mesmo, havia muita burocracia para a Parmalat da Europa comprar da Parmalat do Brasil. O Benfica não quis pagar porque me valorizei bastante e encareci. Só que eu até tinha intenção de voltar ao Brasil para jogar aquelas finais.
GE.Net: Mas o Palmeiras perdeu o título para o Corinthians.
Edílson: A gente tinha tudo para ganhar. No primeiro jogo, o Roberto Carlos foi bater forte e desperdiçou um pênalti. A nossa equipe era um timaço, formado por mim, Cafu, Muller, Mancuso, Amaral, Antônio Carlos, Rivaldo, Flávio Conceição... Mas não foi possível derrotar o Corinthians em Ribeirão Preto. Ainda levei um baita azar porque joguei aquela final com febre.
GE.Net: Precisou pedir para o técnico para jogar sem as melhores condições?
Edílson: Não falei nada para nenhuma pessoa. Isso é um segredo meu, que ninguém jamais soube. Nunca revelei. Estou contando pela primeira vez agora. Mas não joguei mal a decisão. Poderia ter sido pior. Eu sentia muita febre já no início do jogo, e fazia um sol enorme em Ribeirão Preto. O tempo ia passando e eu piorava, pois estava me desgastando cada vez mais. Pedi para sair no segundo tempo. Não dava para continuar. Depois que tudo passou, não era legal nem correto contar que entrei em campo doente. Seria antiético. Todo mundo diria que era uma desculpa.
GE.Net: Qual time foi melhor? Esse Palmeiras do início da década de 1990 ou o Corinthians do final daqueles anos?
Edílson: Só posso dar a minha opinião na condição de atleta, que vivenciou os dois momentos. Particularmente, como jogador, o Corinthians foi melhor. Eu era mais maduro quando fui para o Corinthians, com muitas conquistas na bagagem. Já tinha um poder de liderança maior. Podia participar das decisões e ser um formador de opinião dentro do grupo. Fui várias vezes o capitão do time, o camisa 10. Eu me desenvolvi muito mais no Corinthians.
GE.Net: Você acha que ficou mais conhecido como o Edílson do Corinthians? Ou como o Edílson do Palmeiras, do Vitória, do Flamengo, do Japão...?
Edílson: Eu me fiz essa mesma pergunta há poucos dias, sabia? Como possuo uma ligação tão forte com todos os times que defendi, cheguei à conclusão de que sou igual ao Love Story, "a casa de todas as casas". Sou o Edílson de todos os times [risos]. Devo tudo ao Palmeiras, pois foi a equipe do meu início de carreira, mas também sou ligado demais ao Corinthians. A mesma coisa aconteceu com o Flamengo, e fui à Copa do Mundo pelo Cruzeiro. Marquei história no Japão. Fiquei só nove meses nos Emirados Árabes, mas essa época também mexeu muito comigo. Você não imagina o quanto tudo foi bom.
GE.Net: Não teve dificuldades para morar no Japão e na Arábia?
Edílson: Sempre me adaptei aos lugares onde morei. Nunca quis que os lugares se adaptassem a mim. Eu me virava, meu velho. Tirei até carteira de motorista no Japão. Na Arábia, tinha um motorista que me levava para todos os lados. Mas era eu quem falava um inglês meio torto para fazer pedidos nos restaurantes, essas coisas. Também sabia me comunicar bem em japonês, mas agora estou meio enferrujado. Estudei bastante o idioma. Treinava de manhã e à tarde no meu clube no Japão e ia ver aula à noite.
GE.Net: Você devia se destacar muito no Japão, já que chegou lá quando o futebol ainda estava começando a virar febre.
Edílson: Exatamente! Quando vou ao Japão, sou ovacionado pelo povo. É assim também na Arábia. Não tenho o que reclamar de nada. Como eu disse, a minha ligação com todos os times é muito grande. Porque eu sempre fui aquele cara que vestia mesmo a camisa dos clubes, que brigava em campo pela minha equipe. As torcidas reconhecem isso. Mas lógico que todo mundo se lembra mais do Capetinha do Corinthians e do Flamengo, até porque a passagem pelo Palmeiras foi no início da minha carreira.
GE.Net: Os palmeirenses também ficaram magoados depois que você se transferiu para o Corinthians.
Edílson: E teve o lance das embaixadinhas. O elo com o Palmeiras desgastou um pouco por causa daquilo. Mas quero até aproveitar esta entrevista para agradecer à torcida do Palmeiras, pois a minha história também foi muito bonita lá.
Gazeta Esportiva.Net: O que passou na sua cabeça na hora de fazer aquelas embaixadinhas?
Edílson Embaixador da Fiel: Não passou nada. Quem me conhece sabe que treino esse tipo de coisa pra caramba. Disputo com os meus companheiros para ver quem faz mais malabarismo com a bola, se eles sabem levantar de um jeito ou de outro. Foi mais uma brincadeira de treinamento. Não fiz pensando que teria toda aquela repercussão. Tanto que nem consegui executar direito na hora.
GE.Net: Mas, se ainda não era, você se tornou ídolo dos corintianos depois daquele episódio.
Edílson: Realmente. Virei muito ídolo por causa daquilo. Até me chamam de Embaixador da Fiel. Mas não foi algo que programei. Aconteceu naturalmente.
GE.Net: Lembra como foi a confusão dentro do campo?
Edílson: O primeiro que tentou me dar um empurrão e uma bolada foi o Júnior. Depois, o Paulo Nunes quis me acertar uma pezada. Eu revidei a agressão do Paulo Nunes, para não ficar feio para mim, e corri para o vestiário. Deixei os caras se pegarem lá, né [risos]? Sabe o que foi mais engraçado? Quando desci para o túnel do Morumbi, com um monte de gente atrás de mim falando "pega", o portão estava fechado. Fiquei encurralado ali, esperando alguém descer para me pegar.
GE.Net: O Renato, goleiro reserva do Corinthians, até caiu no túnel quando foi perseguido pelos jogadores do Palmeiras.
Edílson: O Renato lutava boxe. Treinava com a gente durante o dia e fazia boxe à noite. Era impressionante a força que o garoto tinha. Ele mandava a gente chutar a bola com força, a 10 metros de distância, e tirava de peito. Não metia a mão para defender nesses treinos, não. O cara era muito forte. Você sabe por que os jogadores do Palmeiras correram atrás dele? Naquela confusão toda, o Renato deu um soco e quebrou o nariz do Oséas. Ninguém assistiu a esse lance. Televisão nenhuma mostrou. Quando os palmeirenses viram o Oséas todo ensanguentado, quiseram pegar o Renato. Ele saiu correndo e pulou naquele buraco.
GE.Net: A rivalidade entre Corinthians e Palmeiras estava muito exacerbada, não é?
Edílson: O Palmeiras tinha duas finais para disputar em 1999. A decisão do Campeonato Paulista foi intercalada com a final da Libertadores. Eles perderam o primeiro jogo na Libertadores [1 a 0 para o Deportivo Cáli] e tomaram três gols da gente no Paulista. Na quarta-feira seguinte, o Palmeiras ganhou a Libertadores nos pênaltis. Como já tinham tomado 3 a 0 de nós na partida de ida, eles achavam que não conseguiriam reverter e começaram a dizer que o título paulista não valia nada. Fomos menosprezados. O Corinthians estava concentrado, secando o Palmeiras na Libertadores e ouvindo todas essas provocações. Ficamos putos. Na grande final de domingo, os caras entraram todos com os cabelos verdes. Alguns deles colocaram as faixas de campeão da Libertadores dentro dos shorts. Em campo, eles ficavam nos diminuindo. Estávamos cada vez mais putos com toda essa história.
GE.Net: Isso não é tão antiprofissionalismo quanto o que você fez?
Edílson: É muito mais! Mas ninguém sabe disso! Só ficou marcada a minha resposta para eles, as embaixadinhas. Aconteceram muitas coisas erradas em campo naquela decisão. Os caras entrarem com cabelos verdes foi uma tremenda falta de respeito. O pior é que eles fizeram dois gols, precisando ganhar por quatro. Começamos a falar entre nós: "O que é isso? Meu Deus do céu! Só falta a gente perder! Vai cair o mundo!". Mas o Marcelinho descontou e, no segundo tempo, eu fiz 2 a 2. Aí, acabou. A torcida começou a comemorar. Em meio a isso, eu estava perguntando para quem ficou no banco de reservas quanto tempo faltava para terminar o jogo. Quando olho para o lado, a bola veio para mim. Era a hora de valorizar, né [risos]?
GE.Net: Esse time do Corinthians também tinha briga de egos, como o Palmeiras de 1993/1994?
Edílson: Era melhor do que o do Palmeiras nesse sentido. Claro que tinha as suas vaidades: Marcelinho, Rincón, Ricardinho, eu... Mas era melhor.
GE.Net: Você e o Vampeta eram o ponto de equilíbrio dessas vaidades?
Edílson: Com certeza. Se não tivesse o Vampeta e eu, muita confusão estouraria. Éramos dois líderes, com uma união enorme, e pensávamos do mesmo jeito. Qualquer problema que acontecesse, não era só o Edílson que iria reclamar. Eram Edílson e Vampeta.
GE.Net: A amizade entre vocês começou no Corinthians?
Edílson: Foi no Corinthians. Quando o Vampeta chegou ao clube, na primeira semana dele em São Paulo, saímos para lanchar perto do Cemitério do Araçá e aconteceu aquela história da minha prisão.
GE.Net: Como foi a história da sua prisão, mesmo?
Edílson: Era de madrugada, em dia de jogo do Brasil. Parei em fila dupla na Avenida Doutor Arnaldo para ir à lanchonete. O policial mandou tirar o carro do local, mas eu não tirei. Ele chamou uma viatura, disse que eu tinha feito xingamentos e me levou preso. O Vampeta não saiu do meu lado em momento nenhum, de 1 hora até 7 horas na delegacia. Foi aí que eu percebi que o cara era ponta firme.
GE.Net: Vocês se apresentaram para treinar no dia seguinte?
Edílson: Só fui liberado pelo delegado às 7 horas. O Corinthians treinava às 9 horas e viajava em seguida. Quando chegamos ao treino, o Wanderley Luxemburgo disse: "Vocês dois podem ir para casa! Estão suspensos!". Pegamos as malas e fomos embora. Depois de uma semana, com o time indo mal e precisando da gente, o Wanderley falou que seríamos reintegrados se pedíssemos desculpas. Convocou uma entrevista coletiva apenas para isso. Sentamos na mesa o presidente do Corinthians, o supervisor Luiz Henrique de Menezes, o Wanderley Luxemburgo, o Vampeta e eu. O Vampeta já foi soltando: "Quero pedir desculpas, principalmente ao Wanderley, pois falei para ele que não havia motivos para nos suspender. Não tive nada a ver com o episódio, mas o Edílson é meu parceiro e precisei acompanhá-lo". O Vampeta foi reintegrado.
GE.Net: E o Edílson?
Edílson: Eu me impus: "Mermão, não vou pedir desculpas coisa nenhuma. Não fiz nada errado. Entre ficar suspenso e pedir desculpas, prefiro continuar suspenso". Agi dessa forma até porque o policial me processou. Se eu afirmasse que estava errado, teria que responder à Justiça lá na frente. Fiquei mais um mês treinando sozinho em Itaquera. O time seguiu mal, perdendo as finais do Paulista com Didi e Mirandinha no ataque contra o São Paulo do Raí, e os colegas pediram o meu retorno ao Wanderley.
GE.Net: Como era trabalhar com o Wanderley Luxemburgo?
Edílson: Foi o melhor treinador que já tive. Ele mudou a minha posição para atacante. Brigamos por isso, fiquei de cara feia, mas todo o meu sucesso aconteceu por causa da alteração. Brilhei muito mais como atacante. Ninguém se lembra de mim como meia. Mesmo assim, tive vários problemas com o Wanderley. Isso porque eu era muito menino, de personalidade forte, e não aceitava que nego reclamasse comigo na frente de todo mundo. Ainda mais se fosse abrindo os braços, com falta de educação. E o Wanderley, de vez em quando, é muito mal-educado para essas coisas. Ele se exalta e dá esporro. É o jeito dele. Chegava ao ponto de eu marcar dois gols em um jogo e ele virar para mim e dizer: "Hoje você foi mal, hein?". Pô, como é possível agradar a esse cara? Ele não fica satisfeito nunca! Mas é uma maneira de sempre motivar o grupo.
GE.Net: É mais difícil ser companheiro do Marcelinho Carioca ou do Edmundo?
Edílson: Até que não tive tantas dificuldades assim com o Edmundo. Depois daquela briga no vestiário, a gente criou uma ligação muito forte. Hoje, ele é meu compadre, padrinho de casamento. As pessoas próximas a nós costumam dizer que o Edmundo é o melhor amigo distante. Ele se preocupa, liga para saber como você está e acompanha a vida do amigo. Agora, se ele está perto, não tem jeito que vai acontecer uma briga. O Marcelinho é diferente. É um cara mais calado, mas também tivemos confusões
GE.Net: Qual foi a maior delas?
Edílson: Já corri com uma faca atrás do Marcelinho, dentro do vestiário. Isso começou porque fui ao programa do Roberto Avallone [Mesa Redonda, da TV Gazeta] e disse que, apesar de o Marcelinho ser o capitão oficial do Corinthians, nós tínhamos vários capitães no elenco: o Vampeta, o Rincón, o Dida, o Gamarra, o Ricardinho, eu... Todo mundo tinha nome e era capitão naquele grupo. Mesmo sendo o dono da faixa de capitão, o Marcelinho não participava muito das nossas decisões, das cobranças de premiações, essas coisas todas. Eu batia mais de frente nesse ponto. O Marcelinho não viu esse meu comentário no programa. Na manhã de segunda-feira, o motorista dele disse que eu tinha falado na TV que o Marcelinho era traíra. O Marcelinho foi se queixar com o Maurício, goleiro: "Cara, o Edílson é um baita traíra. Ele disse isso, isso e isso de mim para o Avallone". O Maurício veio contar para mim que o Marcelinho estava falando por aí que eu era traíra. Desci para o vestiário e encontrei o Marcelinho lá. Já fui tirando satisfação: "Vem cá, parceiro. Que história é essa de eu ter te trairado? Está ficando maluco?". Peguei uma faca que estava ali perto e avisei: "Agora você vai ver quem é o traíra!". Ele saiu correndo pelo vestiário, aterrorizado, comigo atrás. Os caras tiveram que me segurar, mas claro que eu não enfiaria a faca nele. Foi só para botar um medo, mesmo. O Marcelinho é meu amigão. Gosto pra caramba dele. Sempre que a gente se encontra, fazemos uma grande festa.
GE.Net: Você mantém contato com muita gente daquele time do Corinthians?
Edílson: Com quase todo mundo. Falo mais com o Luizão, com quem joguei no Guarani, no Palmeiras e no Corinthians. O Sapo, como a gente chama o Luizão, é um parceiraço. Também converso muito com o Dida, por ser baiano. Claro que vários atritos aconteceram naquele elenco do Corinthians, mas não foi nada por trairagem. A gente se dá bem. Conquistamos diversos títulos juntos.
GE.Net: A maior dessas conquistas foi o Mundial de Clubes de 2000?
Edílson: Foi o meu maior título por um time. Isso porque o torneio reuniu grandes clubes, como Real Madrid, Manchester United, Vasco, Corinthians, a melhor equipe da Ásia e por aí vai. Aquele Mundial é reconhecido pela Fifa como sendo o primeiro da história. Para mim, foi muito marcante. Ganhei e ainda fui eleito o melhor jogador da competição. Não é para qualquer um.
GE.Net: Todo o time se valorizou muito depois daquele título.
Edílson: Até financeiramente. Fui chamado para discutir o bicho do campeonato, mas sabia que ninguém resolveria nada. Quando cheguei, no final dessa reunião, os jogadores e os diretores da Hicks Muse [antiga parceira do Corinthians] estavam emburrados. Perguntei para o pessoal o que estava pegando, e me explicaram que a Hicks não concordava em pagar tanto se passássemos da primeira fase, tanto se passássemos da segunda e daí por diante.
GE.Net: Quanto vocês queriam receber?
Edílson: O time estava exigindo US$ 50 mil para ganhar o Mundial. Foi então que falei: "Tenho uma solução para a gente resolver esse impasse em um minuto. Quero US$ 70 mil para ser campeão". Ninguém acreditou. Mas continuei: "Se não levarmos o título, não faturamos R$ 1. Nada é mais justo. Se não ficarmos com o troféu, ninguém merece porra nenhuma. Os caras não podem gastar dinheiro à toa". Alguém da Hicks respondeu na mesma hora: "Está fechado!". Cheguei no final da reunião e resolvi a encrenca. Sempre fui bom para essas coisas.
GE.Net: Foi suado ganhar esses US$ 70 mil?
Edílson: Nosso time estava muito desgastado no Mundial. Vencemos o Brasileiro de 1999 e não tivemos férias depois. Já o Vasco não participou da segunda fase do Brasileirão. Eles passaram quatro ou cinco meses só se preparando para disputar o Mundial. Para piorar, a final foi para a prorrogação. Mas o Vasco tinha muito medo da gente. Ainda contávamos com o Dida para garantir nos pênaltis.
GE.Net: O jogo mais marcante não foi contra o Real Madrid, quando você cumpriu a promessa de colocar a bola entre as pernas do Karembeu e fez dois gols?
Edílson: Sem dúvida. Sempre fui bastante exigente para analisar jogadores. Ao contrário do Vampeta, que gosta de todo mundo. Uns cinco meses antes do Mundial, disse para ele que o tal do Karembeu não jogava nada, que era ruim pra caramba. Falamos também sobre aquele Zidorf... É Zidorf? Seedorf, né? Bom, eu disse que esse cara também era ruim demais. O Vampeta ficava defendendo os outros. Acontece que alguém se lembrou dessa história e publicou que o Edílson prometeu dar uma caneta no Karembeu.
GE.Net: Mas você deu uma caneta no Karembeu.
Edílson: E não é que aconteceu? E eu ainda fiz o gol? Foi uma loucura. Marquei os dois gols do jogo e, depois, acabei sendo eleito o melhor jogador do Mundial. Tudo aquilo foi maravilhoso para mim.
GE.Net: Tem mais alguma recordação curiosa do confronto com o Real Madrid?
Edílson: O Corinthians estava concentrado no mesmo hotel do Real, um prédio muito luxuoso, perto da Avenida Paulista, que cobrava R$ 20 mil para a diária na cobertura. Quando o Vampeta e eu fomos descer para o ônibus que nos levaria para aquele jogo, encontramos vários jogadores do Real no elevador. O Vampeta ameaçou não entrar, mas eu já me meti lá no meio. Todos os caras do Real Madrid ficaram de rosto virado quando nos viram. Mas o Roberto Carlos estava ali também, junto com Hierro e outros deles, nenhum falando nada. Então, peguei uma nota de dinheiro e comecei a dobrar muitas vezes até colocar no bolso. Falei bem alto: "Roberto Carlos, está vendo essa nota aqui? O dinheiro é igual a você. Vou te arrebentar e colocar no bolso! Você está fodido na minha mão! Vai sair humilhado do Morumbi!". Como eu provoquei com um português meio abaianado, acho que o restante do time do Real não entendeu. Eles só ficavam me encarando de cara feia.
GE.Net: E você colocou o Roberto Carlos no bolso?
Edílson: Não é que deu certo? Quando eu pegava a bola, o Roberto Carlos começava a fugir de mim. Era só me ver que ele corria para trás. A cena era muito engraçada. Mexi com o psicológico dele, né? A tática funcionou. Eu só tinha falado aquele negócio do dinheiro no bolso para tirar uma onda, mas deu medo nele. Reveja como foi o lance do segundo gol, com atenção. Eu fui para cima do Roberto Carlos, e ele só correu para trás. Quando cortei para dentro, ele deve ter se sentido aliviado. Aí, sobrou para o Karembeu. Meti por baixo das pernas e marquei o gol.
GE.Net: Quando estava no São Caetano, você também provocou o Mascherano com a ameaça de botar a bola entre as pernas.
Edílson: O Mascherano exercia a função de um terceiro zagueiro do Corinthians na época. Era ele quem iria me marcar. Conversando com o pessoal do São Caetano, eles começaram a mexer comigo: "O argentino vai te pegar hoje. Você está ferrado. Não vai conseguir jogar nada". Apostei com os meus companheiros que pagaria um jantar para todo mundo se metesse menos do que duas canetas no Mascherano no jogo. Eles aceitaram, beleza. Na primeira bola que o Mascherano veio para cima de mim, já meti por baixo das pernas. E avisei aos caras em campo: "Já foi uma! Vou ganhar fácil!". O argentino ficou louco. Ele caía, puxava o meu shorts, que saía todo do corpo. Na quarta caneta, ele se machucou, saiu de campo e ficou seis meses no estaleiro. Arrebentei o argentino.
GE.Net: Faltam jogadores com essa sua personalidade no futebol de hoje?
Edílson: Claro! Não consigo ouvir as entrevistas dos jogadores atuais. O futebol se profissionalizou muito. Hoje em dia, com essa coisa de os empresários mandarem, os atletas temem sofrer alguma reprimenda. Como todo mundo tem medo de dar uma declaração mais embasada ou polêmica, o cara que sabe falar coisas interessantes acaba pagando o pato. Na minha época, era normal ter personalidade para falar. Os jogadores de agora são podados até se transformarem em robôs. Infelizmente, o torcedor brasileiro está aceitando esses jogadorezinhos.
GE.Net: E você colocou o Roberto Carlos no bolso?
Edílson: Não é que deu certo? Quando eu pegava a bola, o Roberto Carlos começava a fugir de mim. Era só me ver que ele corria para trás. A cena era muito engraçada. Mexi com o psicológico dele, né? A tática funcionou. Eu só tinha falado aquele negócio do dinheiro no bolso para tirar uma onda, mas deu medo nele. Reveja como foi o lance do segundo gol, com atenção. Eu fui para cima do Roberto Carlos, e ele só correu para trás. Quando cortei para dentro, ele deve ter se sentido aliviado. Aí, sobrou para o Karembeu. Meti por baixo das pernas e marquei o gol.
GE.Net: Quando estava no São Caetano, você também provocou o Mascherano com a ameaça de botar a bola entre as pernas.
Edílson: O Mascherano exercia a função de um terceiro zagueiro do Corinthians na época. Era ele quem iria me marcar. Conversando com o pessoal do São Caetano, eles começaram a mexer comigo: "O argentino vai te pegar hoje. Você está ferrado. Não vai conseguir jogar nada". Apostei com os meus companheiros que pagaria um jantar para todo mundo se metesse menos do que duas canetas no Mascherano no jogo. Eles aceitaram, beleza. Na primeira bola que o Mascherano veio para cima de mim, já meti por baixo das pernas. E avisei aos caras em campo: "Já foi uma! Vou ganhar fácil!". O argentino ficou louco. Ele caía, puxava o meu shorts, que saía todo do corpo. Na quarta caneta, ele se machucou, saiu de campo e ficou seis meses no estaleiro. Arrebentei o argentino.
GE.Net: Faltam jogadores com essa sua personalidade no futebol de hoje?
Edílson: Claro! Não consigo ouvir as entrevistas dos jogadores atuais. O futebol se profissionalizou muito. Hoje em dia, com essa coisa de os empresários mandarem, os atletas temem sofrer alguma reprimenda. Como todo mundo tem medo de dar uma declaração mais embasada ou polêmica, o cara que sabe falar coisas interessantes acaba pagando o pato. Na minha época, era normal ter personalidade para falar. Os jogadores de agora são podados até se transformarem em robôs. Infelizmente, o torcedor brasileiro está aceitando esses jogadorezinhos.
GE.Net: E você colocou o Roberto Carlos no bolso?
Edílson: Não é que deu certo? Quando eu pegava a bola, o Roberto Carlos começava a fugir de mim. Era só me ver que ele corria para trás. A cena era muito engraçada. Mexi com o psicológico dele, né? A tática funcionou. Eu só tinha falado aquele negócio do dinheiro no bolso para tirar uma onda, mas deu medo nele. Reveja como foi o lance do segundo gol, com atenção. Eu fui para cima do Roberto Carlos, e ele só correu para trás. Quando cortei para dentro, ele deve ter se sentido aliviado. Aí, sobrou para o Karembeu. Meti por baixo das pernas e marquei o gol.
GE.Net: Quando estava no São Caetano, você também provocou o Mascherano com a ameaça de botar a bola entre as pernas.
Edílson: O Mascherano exercia a função de um terceiro zagueiro do Corinthians na época. Era ele quem iria me marcar. Conversando com o pessoal do São Caetano, eles começaram a mexer comigo: "O argentino vai te pegar hoje. Você está ferrado. Não vai conseguir jogar nada". Apostei com os meus companheiros que pagaria um jantar para todo mundo se metesse menos do que duas canetas no Mascherano no jogo. Eles aceitaram, beleza. Na primeira bola que o Mascherano veio para cima de mim, já meti por baixo das pernas. E avisei aos caras em campo: "Já foi uma! Vou ganhar fácil!". O argentino ficou louco. Ele caía, puxava o meu shorts, que saía todo do corpo. Na quarta caneta, ele se machucou, saiu de campo e ficou seis meses no estaleiro. Arrebentei o argentino.
GE.Net: Faltam jogadores com essa sua personalidade no futebol de hoje?
Edílson: Claro! Não consigo ouvir as entrevistas dos jogadores atuais. O futebol se profissionalizou muito. Hoje em dia, com essa coisa de os empresários mandarem, os atletas temem sofrer alguma reprimenda. Como todo mundo tem medo de dar uma declaração mais embasada ou polêmica, o cara que sabe falar coisas interessantes acaba pagando o pato. Na minha época, era normal ter personalidade para falar. Os jogadores de agora são podados até se transformarem em robôs. Infelizmente, o torcedor brasileiro está aceitando esses jogadorezinhos.
GE.Net: Até o Karembeu conseguiria se sobressair no futebol brasileiro atual?
Edílson: A gente tem uma cultura um pouco estranha, de dar bastante valor a quem é de fora. Qualquer jogador que venha do exterior e tenha o mesmo nível do brasileiro, vira um Deus quando chega aqui. Tenho alguns amigos estrangeiros que são bons de verdade, como o Gamarra, que é quase um brasileiro, e o Rincón, outro que praticamente virou brasileiro depois de dar o sangue por todos os seus times. Eles deviam servir de exemplo para quem vem para cá. Mas muita gente viaja pensando em tirar onda no Brasil.
GE.Net: Você não chegou a brigar com o Rincón nos tempos de Corinthians? Essa invasão estrangeira te incomoda?
Edílson: O Rincón foi contratado para o meu lugar no Palmeiras. E nem isso impediu a nossa amizade. A invasão dos atletas estrangeiros ao nosso país se intensificou mais agora, pois o futebol brasileiro dá visibilidade e está carente de ídolos. O Corinthians até trouxe o Frederico [refere-se ao argentino Matías Defederico] recentemente. Como o Tevez veio e deu certo, quiseram fazer uma aposta parecida.
GE.Net: Assim como o Tevez, você chegou a se desentender com torcedores do Corinthians antes de deixar o clube em 2000. Guardou mágoa do incidente?
Edílson: De jeito nenhum! A torcida estava chateada porque perdemos a Libertadores, nos pênaltis, em dois anos seguidos, justamente para o Palmeiras. Eles foram ao clube para reclamar com o Marcelinho, por ter errado a última cobrança. Quando acabou o treinamento, vários jogadores ficaram no vestiário com medo de sair para a rua. Como a minha relação com a torcida era muito boa e eu sempre fui amigo de todo mundo, resolvi tomar banho e sair numa boa. Se você assistir às imagens daquele episódio, notará que nenhum torcedor do Corinthians encosta a mão em mim. Eu saí, a imprensa e os seguranças do clube me cercaram, e ninguém da torcida fez nada. Lógico que um ou dois aproveitaram as câmeras para aparecer, mas entrei no meu carro e fui embora numa boa.
GE.Net: Mas essa confusão não foi o estopim para a sua saída do Corinthians?
Edílson: Mais ou menos. Eu sabia que o Corinthians estava desmontando o time e que iria se enfraquecer. O Vampeta já estava vendido, o Ricardinho e o Dida iriam sair, e não havia projeto para repor as perdas com atletas do mesmo nível. Cheguei para o presidente e falei: "O senhor está se desfazendo do time todo. Se for assim, também quero sair. Porque, caso eu continue, tudo o que eu fiz no Corinthians pode ficar manchado com más campanhas". O Flamengo apareceu para me comprar por US$ 5,5 milhões, a maior transação entre times brasileiros na época. Mas essa já é uma outra história. Quer conhecer os meus estúdios agora?
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