Em um país distante do velho continente europeu, no final da década de 50 do século XX, existiu um time de futebol que despertou o fascínio em milhões de torcedores, graças às proezas de um trio de craques. Rebeldes e românticos, esses ases da bola defendiam a sua amada com atuações mirabolantes, colocando de joelhos as defesas contrárias. O objeto da adoração desses valentes rapazes não era nenhuma moça virgem e inocente, mas uma velha senhora. Falo de Sívori, Boniperti e John Charles e da sua protegida, a Juventus de Turim.
Tudo começou com a chegada de Enrique Omar Sívori ao clube. Após brilhar com a camisa da "banda roja" do River Plate, Sivori foi vendido por uma quantia astronômica à Juventus. Com o dinheiro, o River pôde construir novas arquibancadas em seu estádio. A sua saída deixou órfão o futebol argentino, pois Sívori era uma espécie de jóia rara, um talento fora de série, impossível de ser substituído. Aquele River, comandado por José Maria Minella, foi um dos melhores da história, sendo tricampeão em 1955, 56 e 57. Impossível não recordar o ataque "millonario" do primeiro ano dessa série de títulos: Vernazza, Sívori, Walter Gómez, Labruña e Loustau. Jogando sempre com as meias arriadas, marca que conservaria na Juventus, Sívori desde cedo maravilhou as platéias com seu jogo habilidoso, calcado na malícia de sua perna esquerda e seu repertório de dribles desconcertantes. Já na Itália, o jornalista Gianni Brera chegou a compará-lo com o esgrimista Cyrano, pela sutileza e classe com que marcava gols.
O segundo mosqueteiro juventino e grande sócio de Sívori na confecção de jogadas memoráveis era John Charles. Nascido no País de Gales, ele chegou a Turim no mesmo ano do argentino, em 1957. Forte e corpulento, destacou-se no time do Leeds inglês, onde atuava tanto no ataque como também na posição de "center half". A sua ida para o futebol italiano antecipou a de outros jogadores britânicos, como Dennis Law, que foi para o Torino, e Jimmy Greaves, para o Milan. Porém, apenas Charles triunfou na península. No Leeds, ele tinha sido o grande condutor do time que subiu para a primeira divisão em 1956. Certa vez, o temperamental Jack Charlton teve a ousadia de reclamar do seu posicionamento no decorrer de uma partida. Depois, já nos vestiários, ele sofreria com a fúria de Charles, sendo puxado com roupa e tudo, para baixo do chuveiro. Sabemos que Jack sempre foi uma figura de personalidade forte, mas naqueles dias quem dava as cartas no Leeds era o armário galês, que inclusive jogou a copa da Suécia, só não enfrentando o Brasil por estar machucado.
O terceiro e último mosqueteiro não era nenhum novato no plantel da "vecchia signora". Giampiero Boniperti (foto), era e é uma das maiores bandeiras da Juventus de todos os tempos, nunca tendo jogado em nenhuma outra equipe. Atacante dos bons, Boniperti veio ao mundo em Barengo, na província de Novara, no remoto ano de 1928. De estilo clássico, foi o maior goleador do time até o surgimento de Del Piero. Por 182 vezes, Boniperti fez enrouquecer as gargantas dos partidários das cores branca e preta. Tamanha identificação faria com que ele chegasse à presidência do clube, na década de 70.
A fase de ouro do trio compreendeu os anos de 1957 a 61, período no qual o time venceu três "scudettos". Infelizmente, nem tudo é perfeito. Boniperti e Sívori mantinham uma rivalidade que beirava a inimizade, ainda que dentro do retângulo verde eles se entendessem sempre bem, como dois grandes jogadores que eram. Por outro lado, existia forte empatia entre Sívori e Charles, tendo o último, inclusive, escrito o prefácio das memórias do argentino. E não foram poucas vezes em que o colossal Charles preparava de cabeça, aliás, sua jogada mais característica, gols para que Sívori aproveitasse. Com o inestimável apoio de Boniperti, podemos concluir por que as atuações dessa fabulosa trinca sejam lembradas até hoje. Resgatando uma amostra dessa exuberante epopéia, podemos voltar ao dia 15 de maio de 1960. Nessa oportunidade, com dois gols de Sívori e um de Boniperti, os três mosqueteiros ajudaram a Juventus a derrotar o Milan por 3 a 1 e conquistar o título do campeonato italiano daquele ano. Foi um dia memorável, em que as ruas de Turim foram envolvidas por um frenesi coletivo e pelo bonito espetáculo das bandeiras pretas e brancas tremulando no ar.
É verdade que outros grandes trios se destacaram dentro do esporte através da história. Como Bobby Charlton, Dennis Law e George Best, no Manchester United, por exemplo. Ou Jair, Isaías e Lelé, primeiro no Madureira e depois no Vasco nos anos 40. Mas, de forma alguma podemos esquecer as proezas de Sívori, Charles e Boniperti, sempre prontos em defender a sua querida e velha senhora.
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