Renato Maurício Prado é carioca, escreve uma coluna para O Globo, atua como comentarista do SporTv, nos programas Bem, Amigos e Redação Sportv, e também na Rádio CBN. Já escreveu três livros de crônicas: "Deixa que eu chuto"; "Saibro, Suor e Glória" e "Deixa que eu chuto 2, a missão".
Sempre autêntico, não teve dúvidas em reclamar da quantidade de perguntas feitas, mas respondeu a todas com a sinceridade e objetividade que lhe são peculiares.
Um dos melhores comentaristas da atualidade, é responsável pela criação do jornal carioca Extra e é, para quem gosta de futebol, um dos pontos altos do programa comandado por Galvão Bueno.
G-que te levou a ser um jornalista esportivo?
Renato Maurício Prado: Sempre gostei de esportes (pratiquei vários deles, quando jovem, chegando a disputar campeonatos cariocas de vôlei, pelo Botafogo e pelo Flamengo) e de escrever. Juntar as duas coisas acabou sendo uma consequência meio natural, embora não planejada. Comecei no jornalismo na editoria de política mas logo (graças a um professor da universidade, que sabia o quanto eu gostava de esportes) me transferi para a editoria de esportes, onde fiz a maior parte de minha carreira, embora tenha, mais tarde, voltado à política (já como editor) e passado também pela Cidade, Jornais de Bairro etc. Fui até criador e Diretor Executivo do Extra, o jornal popular criado pelo Globo, em 1978.
G: Quem são suas referências no jornalismo?Quem escreve bem sobre futebol atualmente? Que colunista você faz questão de ler?
RMP: No jornalismo esportivo, naturalmente, Armando Nogueira, João Saldanha, Nelson Rodrigues, Cláudio Mello e Souza, Sérgio Noronha entre outros, que escreviam colunas nos principais jornais do Rio, quando eu ainda era torcedor. Tive o prazer de trabalhar com todos eles quando me tornei jornalista. Nelson Rodrigues foi com quem menos convivi porque, infelizmente, faleceu poucos meses depois que fui contratado pelo Globo. Mas me lembro de ficar ouvindo (e, literalmente, babando) algumas poucas conversas dele na velha redação da rua Irineu Marinho. Hoje em dia, naturalmente, leio e admiro muito o Juca Kfouri (e o filho dele André), o Fernando Calazans, o Alberto Helena Jr., o Tostão, o José Trajano (que acho que agora não está mais escrevendo em jornal, mas tem um ótimo texto), o Michel Lauranece (que faz um blog no IG), o Lédio Carmona (no Globo Esporte.com), o PC Vasconcelos… Tem um bocado de gente boa .
G: Hoje você trabalha em diferentes meios (rádio, jornal e TV), qual te dá mais prazer? Qual te dá mais liberdade?
RMP: Cada meio tem a sua graça, a sua magia. Naturalmente, eu sou, acima de tudo, um jornalista de mídia impressa. Adoro escrever. Mas acho que me adaptei bem ao rádio e à TV e nos dois casos, atualmente, trabalho com muito prazer. Na verdade, gosto muito de fazer tudo o que faço. Não tenho do que reclamar. E não sofro nenhum tipo de restrição em nenhum dos veículos. Até porque são todos da mesma organização, não faria sentido, haver orientações diferentes. Tenho total liberdade em todos eles.
G: O fato de virar comentarista não suprime o lado jornalista, de buscar incessantemente a notícia?
RMP: Não acho que o fato de ser, hoje em dia, comentarista/colunista tenha me tornado menos repórter. É claro que não tendo a obrigação de correr atrás da notícia diária e podendo usar a opinião como tema principal de colunas e comentários, pode pintar uma certa acomodação. Mas eu continuo gostando muito de fuçar atrás de novidades e, eventualmente, de descobrir algum furo. Acho que o jornalista que se preza não se acomoda nunca. Mas é inegável que o colunista precisar correr menos atrás das notícias do que o repórter que só vive delas.
G: Você ainda se sente disposto a experimentar, abrir novos caminhos na sua profissão?
RMP: Tenho uma certa curiosidade em relação aos blogs. O Globo vive me incentivando a fazer um, mas ainda não chegamos a um acordo. Quando fizer, quero que seja algo realmente novo. Não pretendo reproduzir na Internet apenas o que já faço no jornal, com uma periodicidade mais curta. Queria fazer algo bem mais dinâmico, interativo, criativo. Mas isso exige investimento, pessoal etc e, ao menos até agora, o jornal não se dispôs a investir. Então, por enquanto, continuo só namorando a idéia. Mas a Internet é o futuro, não tenho dúvida.
G: Você lê blogs? Quais você costuma acessar? De que forma a internet modificou o seu trabalho?
RMP: Leio sim, claro. Vários deles. O do Juca, o do Lédio, o do Fábio Seixas (sóbre F-1), o do Alberto Helena, o do PC Vasconcelos, vários outros. Só acho que a Internet tem tanto blog e tanta gente escrevendo que a coisa está um pouco prostituída. Aí muita coisa boa as vezes se perde no meio de muita porcaria.
A Internet foi um grande divisor de águas no meu trabalho. Incentivado pela Córa Ronai, então a editoria do Caderno de Informática do Globo, fui o primeiro colunista do jornal (fora os da informática) a publicar o meu e-mail. Isso provocou uma avalanche de mensagens dos leitores e comecei a me comunicar com eles de uma forma muito positiva. Muito antes de existirem os blogs, como eles são, eu já publicava histórias, comentários e piadas dos leitores, num processo de interação, que fez muito bem à minha coluna.
G: Qual seu maior defeito e qualidade? Se pudesse se dar um conselho, o que diria?
RMP: Esse negócio de apontar o próprio defeito e a própria qualidade não me agrada. Se eu reconheço os meus defeitos, antes de mais nada deveria corrigi-los e não ficar dizendo quais são, já falar das qualidades cheira a gabolice. Estou fora dessa. Quanto aos meus conselhos para mim mesmo, prefiro dar um segredo, ok? (risos)
G: O que é o sucesso para um jornalista?
RMP: Acho que sucesso para um jornalista e ter público e credibilidade. Uma coisa gerando a outra. Simples, assim.
G: Você acredita que no jornalismo esportivo exista uma demanda maior por opiniões pessoais? Ou seja, há uma necessidade menor da isenção, da imparcialidade?
RMP: Esta pergunta mistura alhos com bugalhos. Opinião pessoal não invalida isenção ou imparcialidade, muito pelo contrário, quando o jornalista é bom. Na minha cabeça, o que o telespectador inteligente quer é opinião pessoal abalizada, com isenção.
G: O ambiente do futebol tornou-se muito sensível a provocações e comentários polêmicos. O que o jornalismo esportivo e o leitor/espectador ganham com tanta polêmica? O futebol hoje não está polêmico demais e esportivo de menos?
RMP: A polêmica sempre fez parte e sempre fará do futebol. Desde que me entendo por gente. Desde a velha e espetacular "Grande Resenha Esportiva Facit" (com Armando Nogueira, Nelson Rodrigues, João Saldanha, José Maria Scassa, Luiz Mendes etc). Futebol é movido por paixão. Se passarmos a tratá-lo cirurgicamente, como ciência, perderá toda a graça e o público. Acho até que hoje em dia, com essa onda do "politicamente correto", às vezes se tende a ser chato demais… Embora reconheça que com a crescente onda de violência de torcidas organizadas etc, pode ser perigoso fazer determinados tipo de brincadeiras ou polêmicas.
G: Existe um trabalho mais marcante (ou cobertura) na sua carreira? Qual e por quê?
RMP: Já fiz tanta coisa que é difícil destacar assim uma ou outra… Da que mais me orgulho nada tem a ver com o esporte. É a criação do Extra, o jornal popular das Organizações Globo, que foi um projeto meu, desde o início e que dirigi, nos primeiros cinco anos de vida, levando-o a se tornar o jornal mais lido no país. Esportivamente, gosto muito de recordar a cobertura de Roland Garros, em 1997, quando eu era superintendente do Globo, e fui a Paris para organizar a infra-estrutura da nossa cobertura da Copa, no ano seguinte e, por ser tenista amador, resolvi dar uma passada em Roland Garros, nos dois primeiros dias de competição. Lá, acabei conhecendo o Guga e fiz, como repórter e colunista, sozinho, uma cobertura inesquecível. Na primeira semana inteira, além mim, pelo Globo, só havia outro jornalista brasileiro lá, o Chiquinho Leite Moreira, do Estadão. No final, todos os enviados especiais que estavam na França, para cobrir o Torneio de Lyon (para onde eu deveria ter ido, também) tiveram que vir correndo para fazer a final e o primeiro título brasileiro. Foi muito divertido. Trabalhei feito louco (além da coluna, escrevia páginas de reportagem para o jornal) mas foi extremamente gratificante. E legal também mostrar pra toda garotada da redação que, embora eu fosse o superintendente, na hora H, quando preciso, podia ser repórter como qualquer um.
G: Você é um comentarista que, normalmente, não tem medo de perguntar. No entanto, muitas vezes a empresa para a qual você trabalha exige um certo "respeito" aos entrevistados, evitando perguntas polêmicas ou que interfiram nas relações políticas da empresa. Como você lida com isso e segura algumas das suas perguntas?
RMP: Nunca me pediram pra segurar pergunta alguma. O que às vezes existe e muita gente não entende é que alguns programas, como o Bem, Amigos, por exemplo, são completamente diferentes de uma entrevista coletiva ou de uma matéria para jornal. Ali os caras são seus convidados - e não ganham nada para participar, ao contrário do que acontece em outros programas. Não faz sentido, portanto, ser descortês, ou colocá-los num autêntico paredão de fuzilamento. Essa é a grande diferença. O que não impede, naturalmente, que as perguntas que precisem ser feitas, sejam feitas, com educação e respeito às respostas - por mais que, muitas vezes, não se concorde ou mesmo não se acredite nas respostas. O que não dá é pra dizer: "Isso é mentira!" Ou ficar insistindo no tema, quando o cara já deu lá a justificativa dele.
G: Qual seu esporte favorito e qual você mais gosta de comentar? - visto que opina sobre futebol, vôlei e tênis normalmente.
RMP: Meus esportes favoritos, atualmente, são futebol, vôlei, Fórmula-1 e tênis. Mas, por exemplo, gosto e acompanhava bastante a ginástica, na época da Daiane. Agora, quando o Diego está bem, ainda vejo. Mas nesse ponto sou como todo brasileiro. Tem que ter algo nosso envolvido e se destacando para despertar mais o meu interesse.
G: Qual notícia você se emociona ou lembra com carinho de ter dado?
RMP: Os três campeonatos do Guga, em Roland Garros - escrevi até um livro, juntando as crônicas de cada um deles. Chama-se Saibro, suor e glória. Também gostei muito, é claro, dda conquista da Libertadores e do título mundial do Flamengo, em 1981. Acompanhei, ambos, como repórter responsável pela cobertura do clube. Estive em todos os jogos daquelas campanhas.
G: Qual notícia ou fato do mundo esportivo você gostaria de ter participado, visto e relatado?
RMP: A notícia que eu gostaria de ter dado e não dei foi a conquista da Copa de 82. Aquela seleção de Telê Santana foi, juntamente com o Flamengo de Zico, um dos melhores times de futebol que já vi jogar. Acompanhei-a bem, durante as eliminatórias, numa inesquecível excursão à Europa, em 1981 (1 a 0, na Inglaterra, em Wembley; 3 a 1, na França, no Parc des Princes, e 2 a 1 na Alemanha, em Stuttgart), e em todas as partidas na Espanha. Não me conformo até hoje com aquela derrota de 3 a 2 para a Itália, no Sarriá… Zico, Falcão, Sócrátes, Leandro, Júnior, Cerezo, Telê e Cia, não mereciam isso.
G: Qual a solução para o futebol brasileiro? Quem seria, hoje, o profissional ideal para conduzir a profissionalização do futebol?
RMP: Essa é uma pergunta que demandaria um tratado… Mas que tal começar por tornar lei que os dirigentes seriam responsáveis (de fato e de direito, passíveis de prisão e perda de seus bens) pelos desmandos que cometem à frente dos clubes? Seria um começo… Um bom começo.
G: Quais suas lembranças da época de Geraldino?
RMP: Nunca fui geraldino… Minhas lembranças dos tempos de arquibancada são tristes. Naquela época o Flamengo era um saco de pancadas do Botafogo, do Fluminense e até do Bangu!!! (risos) Só virou um grande time quando eu já era repórter…
G: Os jogadores de hoje são tão piores de bola e de caráter do que os de antigamente ou a imprensa que é saudosista?
RMP: De caráter, sinceramente, não sei, acho que não. De bola, o problema é que todos os que sabem jogar vão embora. Podemos até estar passando, momentaneamente, uma entressafra (como já houve várias outras), mas imagine se a turma toda que estivesse lá fora ainda jogasse aqui. O Santos com Robinho, Diego, Elano etc, o São Paulo com Kaká, Luís Fabiano, Júlio Baptista, o Flamengo com Adriano, Juan, Júlio César; o Inter com Pato, Alex e Nilmar… Ia ser um puta Campeonato Brasileiro.
G: Você acha que a cobrança da imprensa sobre os jogadores é maior do que antigamente? É um fator determinante para sucessos e fracassos fulminantes?
RMP: É claro que com a proliferação de canais (TV a cabo, internet etc) a exposição na mídia aumentou. Mas o papel da imprensa sempre foi determinante para criar (e destruir) mitos e ídolos. E sempre será. Só que nada disso acontece de graça. O cara ajuda. Ele faz por onde. A mídia apenas expõe.
G: Qual a principal vantagem e a principal desvantagem em trabalhar com opinião?
RMP: Sinceramente, não vejo vantagens ou desvantagens. É um trabalho como outro qualquer. Tem que ter uma boa opinião. E para tê-la, é preciso ser bem informado, ter bom senso, equilíbrio, um mínimo de inteligência e por aí vai… Duro é ter que responder a vinte perguntas…. (risos) UFA!
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