Um menino que nasceu pobre, que não teve a felicidade de viver uma infância decente. Que passou fome e sofreu o trauma de presenciar o suicídio da própria mãe. Que perambulou por orfanatos sem conseguir um lugar na sociedade. E que, graças ao esporte, se transformou em ídolo de várias torcidas, o artilheiro do "peito de aço". Mais do que um personagem folclórico e figura ímpar na história do futebol brasileiro, Dadá "Maravilha" merece a nossa homenagem.
Nascido em Marechal Hermes, subúrbio do Rio de Janeiro, no ano de 1946, Dario José dos Santos viu sua vida mudar radicalmente quando tinha apenas cinco anos. Sua mãe, dona Metropolitana, tinha problemas mentais e certo dia ateou fogo ao próprio corpo, vindo a falecer. Sem perspectivas, vivendo sozinho em um orfanato, Dario logo começa a furtar e aderna para a marginalidade. A polícia o persegue e bate. Buscando um pouco de paz, Dario se refugia subindo em árvores, como um animalzinho acuado. Já adolescente, joga suas peladas em Quintino contra o time de Antunes e Edu, irmãos do popular Zico. Constantemente humilhado por eles, decide abandonar a posição de zagueiro. No livro "Dadá Maravilha", de Lucio Flavio Machado, Dario conta como se deu conta que poderia ser um bom atacante: "Eu pensei, tenho uma velocidade incrível. Se tiro dos guardas não me pegava, beque não iria me pegar. Tinha também uma impulsão fenomenal, porque pulava os muros para roubar, subia em telhado e em árvores". Passa então a jogar de centroavante.
Por volta de 67, Dadá tenta a sorte no Campo Grande. Apesar das gozações dos companheiros de time, ele faz gols importantes contra Vasco e Botafogo no Maracanã. O técnico Gradim vê um futuro no rapaz e chancela a sua ida para o Atlético Mineiro. No clube das Alterosas, continua sendo alvo de chacotas por causa do seu jeito desengonçado. Porém, Ronaldo, primo de Tostão, Lola e o técnico Yustrich, incentivam Dario. Em 69 ele começa a pavimentar a estrada rumo ao coração da torcida atleticana ao se tornar artilheiro do campeonato mineiro com 29 gols. No mesmo ano o Atlético faz um amistoso contra a Seleção Brasileira e Dario faz o gol da vitória. Tudo isso faz com que ele seja convocado para a Copa do México por Zagallo, ainda que sem jogar nenhuma partida. As coisas começam a melhorar. Em 71 o Galo vence o campeonato brasileiro, também com gol dele, eternizando o ataque Ronaldo, Dario e Tião.
Vendido ao Flamengo, atua ao lado de Doval e Paulo César Caju, mas acusa ter sido boicotado pelos companheiros. Volta ao Galo em 74. No ano seguinte a sua ida para o Sport de Recife causa furor no futebol nordestino. Ao marcar dez vezes em partida contra o Santo Amaro, Dadá estabelece um recorde que nem Pelé superou. Após ser campeão pernambucano, vai para o Inter. Lá forma um ataque que qualquer criança recitava de cor: Valdomiro, Dario e Lula. Na final do Brasileiro de 76, faz um dos gols da vitória do Colorado sobre o Corinthians. Parando no ar como um beija-flor, desfere uma cabeçada mortal, castigando o goleiro Tobias. A partir daí, Dadá peregrina por vários clubes como Ponte-Preta, Paysandu, Náutico, Goiás e Coritiba, encerrando a carreira em 86 pelo Douradense, de Mato Grosso do Sul. Além de matador dentro das quatro linhas, Dadá era dono de um frasismo peculiar. Com a sua declaração: "Não me venham com a problemática que eu tenho é a solucionática", conquistou a admiração do poeta Carlos Drummond de Andrade.
Como um patinho feio que se transforma em cisne, Dario logrou superar as adversidades da vida. Antes uma criança sem rumo, sem oportunidades. Depois um atleta que, através do esporte, encontra um caminho para subsistir dignamente, como todo ser humano anseia. E aqui vai uma bela lição para os intelectuais de araque que insistem em diminuir o futebol, como se ele fosse uma coisa fútil. Ledo engano. Assim como a música e a pintura, o futebol como esporte é uma arte, tendo sido Dario, um de seus expoentes mais vibrantes
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