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06/02/2009 - Reginaldo Leme: Formula1,Fittipaldi, Senna, Piquet e muito mais, confira!!!

Quando se pensa em cobertura de F-1 no Brasil, o primeiro nome que vem à cabeça é o de Reginaldo Leme. Este cidadão nascido em Campo Grande (MS), mas criado em Rancharia, no interior de São Paulo, é o jornalista brasileiro mais longevo na principal categoria do automobilismo mundial, com mais de três décadas de textos e reportagens para alguns dos principais veículos de comunicação do país, como "O Estado de S.Paulo" e a Rede Globo.

No entanto, por pouco esta história não aconteceu. Quando era pequeno, Reginaldo sonhava em ser arquiteto, feito que apenas não foi realizado por causa de uma doença no período em que se preparava para o vestibular. Recuperado, mudou de idéia, foi para São Paulo, prestou vestibular na Faculdade Cásper Líbero e o resto é história.

Em pouco mais de duas horas de conversa no Paddock Bar, tradicional "point" dos tarados por velocidade na capital paulista, Reginaldo detalhou os principais fatos de sua carreira, como o início cobrindo futebol, o plano para persuadir a direção do "Estadão" a bancar sua cobertura de F-1 na Europa nos primeiros anos da década de 70, além de seu período na Rede Globo.

Assuntos polêmicos também foram tratados, como a briga com seu eterno parceiro Galvão Bueno e o tricampeão mundial Ayrton Senna, fato que chegou até a tirá-lo das coberturas da F-1 da Globo, em 1992. Isso sem contar alguns detalhes curiosos de sua vida, como a presença dos Mutantes (banda que tem como um dos integrantes seu irmão, Dinho Leme) em seu casamento e o relacionamento com o falecido beatle George Harrison

GP: Como surgiu sua história com o jornalismo?
Reginaldo Leme: Tem uma situação engraçada. Tinha certeza, com 14 anos, de que seria arquiteto. Tinha certeza. Gostava muito. Tenho até hoje, isso. Sou um cara que desenha plantas, discuto reforma de casas. Eu gosto. Só que, um dia, entrou uma amiga da minha mãe, a gente morava no interior, em Rancharia, e ela era daquelas pessoas que faziam testes vocacionais. Aí o teste que ela fez comigo deu que eu tinha que lidar com gente, redação, informação... Falei: "Cara, essa mulher está louca!". Juro por Deus. Agora, para mim, a verdade foi o seguinte: curtia muito política. Política eleitoreira. Era moleque e ficava simulando eleições e fazia um jornalzinho. O nome dele era "A Estrela", meio na onda do editor do Planeta Diário, o Perry White, dos filmes do Super Homem. Na época, o jornalista andava de chapeuzinho. Eu tinha o chapéu, o jornal e escrevia notícias. Mas era uma coisa que nunca liguei ao fato de fazer jornalismo. Fazia, inclusive, cursinho para arquitetura em São Carlos. Tive uma hepatite na época, por isso acabei interrompendo o cursinho e voltando para casa. Quando terminou o período de reclusão, cerca de um mês e meio, fui para São Paulo, ao invés de voltar para São Carlos. Não queria mais. Sem saber muito o que fazer, resolvi me inscrever no cursinho para a Faculdade Casper Líbero.

GP: E você não começou a trabalhar mexendo com corrida, mas sim com futebol, né?
RL: Eu queria primeiro o esporte, mas voltado para as corridas. Só que, quando entrei no "Estadão", em 2 de janeiro de 1968, comecei a falar de corrida e o "Estadão" não costumava cobrir automobilismo nacional, a não ser esporadicamente com algum trabalho do Luiz Carlos Secco, que era do "JT". Aí, no mesmo ano, quando voltei dos 500 km de Interlagos, contei para eles que a corrida tinha sido boa e queria fazer um texto. O editor disse: "Faz umas 20 linhas". Dessas 20, foram publicadas seis. Mas foram. E automobilismo brasileiro era uma coisa que não saía muito. Só eram publicadas coisas de F-1, e de vez em quando.

GP: É verdade que você foi setorista do Palmeiras e ficou amigo do então goleiro Leão?
RL: Muito amigo do Leão. O Leão começou a namorar a mulher dele naquela época e eu comecei a namorar a minha e nós saíamos bastante. Tenho relacionamento com ele até hoje. Não o vejo direto, claro. Mas, sempre quando nos encontramos, até fico satisfeito. Embora tivesse muita vontade de dar uns conselhos para ele, só que ele é a última pessoa que se deixa aconselhar por alguém, mas eu queria muito, pois ele é ingênuo nas entrevistas, no trato com os jornalistas, canso de falar isso, até gostaria de falar pra ele, que foi um puta caminho errado que ele pegou.

GP: E você é amigo de outros jogadores, como o Rivellino, por exemplo...
RL: Dos antigos, né... Sou bem amigo do Rivellino, adoro ele. Mas os outros caras sumiram do mapa, como César Maluco, Jaime, Eurico, Luiz Pereira, Cardosinho. Sou amigo até hoje do Cabralzinho. Mas teve também o Marinho Perez. Quando ele foi para o Barcelona, já cobria F-1 e saíamos juntos por lá.

GP: E, nessa época, teve alguma história curiosa?
RL: Tem. Eu fiz a cobertura do milésimo gol do Pelé, além de outras histórias curiosas. Aprendi bastante, pois o futebol tinha bastante espaço, então pude lidar ao mesmo tempo com o jogador e a cúpula, o que é um negócio meio antagônico, saber usar os dois lados para obter informações. Você não podia deixar a cúpula de lado e ser um cara cerceado de informações que poderiam vir de lá. E eu te conto um lance: minha primeira viagem a trabalho como jornalista para o exterior foi cobrindo o Palmeiras. Isso em 1970, perto da Copa do Mundo do México. Nós fomos para Áustria, Iugoslávia, Turquia, sul da União Soviética, a Geórgia... Conheci muitos lugares clássicos do futebol, como o estádio San Siro, na Itália, quando o Palmeiras jogou contra o Milan. Foi muito legal. Nessas excursões, costumeiramente, os convidados eram os caras mais velhos da "Gazeta Esportiva". Eram quase cativos. E o José Gimenez Lopes, que era diretor de futebol do Palmeiras e um cara que já foi piloto, por isso tínhamos um papo muito bom, gostou muito de mim e nos tornamos amigos, tanto que ele se tornou meu padrinho de casamento. Com isso, ele me colocou nesta viagem, contrariando toda a cúpula do Palmeiras. Ele era um diretor de futebol, e tinha o presidente, Paschoal Giuliano, que chamávamos de "Bola Sete", que já morreu. Era um cara poderoso, mas o Gimenez, mesmo como diretor de futebol, tinha um poder maior, pois era muito bom. Ele tinha personalidade e conseguia se impor. Ele bateu o pé e eu fui. Só que, evidentemente, fui como carta marcada para os diretores caírem em cima de mim e quebrei o maior pau com eles, com o Giuliano, pois comecei a noticiar o que estava acontecendo, o que achava que tinha de escrever. E ele achava que eu tinha de ser o jornalista oficial. E, quando a gente voltou, ele proibiu minha entrada no Parque Antarctica. Só que todos os porteiros eram superamigos meus. Então, eles me deixavam entrar sem virar a catraca para, caso me vissem, não descobrirem por onde passei. Enfim, fiz meu trabalho contra a vontade do presidente do clube. Foi bacana, uma vitória.

GP: Você chegou a cobrir alguma Copa do Mundo?
RL: Eu esperava isso, era 1970, ter alguma chance naquela Copa. Mas, evidentemente, a equipe do "Estado" já estava formada, com os caras tradicionais, super-habituados ao futebol, à cobertura da seleção. Eu cobri jogos da seleção. Por exemplo, em Porto Alegre, o Brasil de Pelé contra o Uruguai. Depois, com a Argentina. Consegui fazer alguns jogos aqui, mas não contava muito, pois a equipe do jornal já estava formada. Mas, depois que passei para o automobilismo, mais tarde, em 1972, acabei fazendo Copas, como em 1974, 1978, 1982 e 1986, as duas últimas pela Globo.

GP: Falando nisso, rola na internet um vídeo de um jogo de futebol entre pilotos e jornalistas antes do GP do Canadá de 1984. Como foi jogar ao lado de gente como Senna, De Angelis, Patrese etc?
RL: O Patrese e o De Angelis jogavam muito bem. Tinha outro, o Stefan Bellof, que morreu em um acidente de Esporte-Protótipos em Spa-Francorchamps, com um Porsche, que jogava muito bem, mesmo. Era muito legal essa época. A cobertura era bem mais tranqüila. Eu era bem mais novo e não jogava mal. Só que esses caras tinham um preparo físico maravilhoso. Dia desses estava vendo esse vídeo, onde o Senna machucou o tornozelo e o Galvão que apresentava a matéria. O Galvão ainda falava que eu, como jogador de futebol, entendia bem de automobilismo, que eu fui uma decepção...

GP: Quem era mais perna-de-pau? Eles ou você?
RL: O pior é que tinha jornalista bom pra caramba. O nosso goleiro era o fotógrafo italiano Daniele Amaduzzi, que já morreu. Embora existisse a classe do automobilismo, muitos desses jornalistas faziam Copa do Mundo. Até hoje, dois italianos adoram falar de futebol: o Raffaele della Vita, da "Gazzetta dello Sport", e o Ercole Colombo, fotógrafo da "Autosprint". E tem também mais um, que é torcedor da Inter, o Nestore Morosini, do "Corriere della Sera".

GP: E como surgiu a sua paixão pelo automobilismo?
RL: Quando eu era moleque, corria de rolimã, na descida, no asfalto. Rancharia, né? Quebrei costela, joelho, entrei embaixo de caminhão. Tinha oito carrinhos de rolimã, um mais bonito que o outro. Gozado que o que mais gostava era um vermelho, preto e branco, número 45, que era o número do Marivaldo Fernandes, pois gostava muito dele. Também do Bird (Clemente), do Cyro Caires. Acompanhava muito e lia tudo. Lia a "Quatro Rodas", mas gostava mais da "Auto Esporte", que era mais esportiva. Ficava esperando a "Auto Esporte" na banca e, quando saía, no mesmo dia lia ela umas três vezes. No dia seguinte, mais duas; no outro, também. Chegava no fim do mês, já havia lido a mesma revista umas 15 vezes. Eu sei te falar hoje a capa do mês tal, do ano tal. Lembro de uma capa em que estava estampado o Denny Hulme, campeão mundial de 1967, dividindo a capa com o Emerson, que havia vencido uma corrida no autódromo do Fundão no Rio, de Fórmula-Vê. Tempos atrás eu estava conversando com o editor da "Auto Esporte" e ele disse que não existia essa capa. E eu disse: "Tem sim, amigo". O cara foi lá e achou no arquivo...
GP: Como espectador, qual foi sua primeira corrida?
RL: Boa história, essa. Não morava em São Paulo, ainda, e tinha vindo para cá passear com meus pais, que eram muito amigos de uma família italiana, os Saffioti. Tinha o Roque, o José e o Waldemar Saffioti, que, por sinal, era um professor de química e autor de um livro no qual a minha geração e as três seguintes estudaram. Eram italianos que gostavam de jogar truco e tinham um sítio. Na época eu não sabia onde estava indo, não sabia onde ficava, sabia que era para o sítio. E me lembro de uma ocasião, depois de um almoço, onde o pessoal estava jogando truco, os velhos jogando e eu assistindo, e comecei a ouvir barulho de carros de corrida. Eu perguntei e me responderam: "Estamos perto do autódromo de Interlagos, é perto, uns dez minutos daqui". Pô, enchi o saco do meu pai e do pessoal, saímos de lá e fomos para o circuito. Havia uma corrida do Sul-americano de Força Livre, onde corriam nomes como Camilo Christófaro... Pô, tinha o Fangio! Pilotos argentinos, uruguaios, e o principal brasileiro era o Camilo. Me lembro disso muito bem. Era um treino, um sábado, e não fui na corrida. Era uma coisa totalmente desconhecida para mim.

GP: E a partir daquele dia você foi infectado pelo vírus da velocidade...
RL: Verdade. Fiquei cada vez mais vidrado naquilo, mas devo ter voltado a Interlagos muito tempo depois. Dez anos depois.

GP: E sua primeira cobertura jornalística foram os 500 km de Interlagos de 1968...
RL: Não tinha ido para cobrir, fui para assistir, mas já estava no "Estadão" havia alguns meses e insisti em escrever um texto, aquele de 20 linhas que saíram seis. Este foi meu primeiro texto de corrida que saiu no jornal.

GP: E quando foi a primeira chance que você teve de cobrir uma corrida de F-1?
RL: Pois é. Aí, o que ocorreu: sempre fazia futebol, além de golfe, basquete, o que aparecia, mas sempre me batendo para fazer automobilismo. Eles me diziam: "Esquece isso", mas eu respondia dizendo: "Um dia esse negócio vira". E aí vieram para o Brasil aqueles torneios organizados pelo (Antônio Carlos) Avallone: Copa Brasil, depois a F-Ford, já com Emerson (Fittipaldi), Wilsinho (Fittipaldi), Graham Hill, Dave Walker, entre outros. Depois vieram a F-3 e a F-2. Tudo em Interlagos, em Tarumã, e eu consegui cobrir. Como era evento internacional, o "Estadão" deu, mas sempre um pouquinho. Em 1971, comecei a fazer um plano para convencer a direção do "Estadão" a me mandar para a Europa e ficar lá, residente, pulando de galho em galho, mas residente, cobrindo o campeonato inteiro. O plano era bem feito, eles gostaram, pois eu pedia dez dólares por dia. Dez dólares por dia! O que não era nada, além da passagem de avião, e eu me viraria lá. Depois você vai ver o final da história. Em 1971, o Ludenbergue Goes, que era meu editor, falou: "Olha, está muito bem feitinho, mas não vai passar. Vamos segurar um pouco". Veio 1972, no começo do ano, e eu falei: "Goes, não pode passar deste ano, pois o Emerson será campeão do mundo". Ele: "Pô, não me faz falar uma coisa dessas para a direção, pois eles vão achar que estamos sonhando". Continuei, dizendo: "Joga na minha boca isso, banca lá que a coisa é boa". E ele foi. Isso, no primeiro semestre. Diz ele que alguns riram, outros concordaram, mas disseram: "Não está aprovado ainda, mas vamos esperar um pouco". Pensando que ia ser aprovado, marquei casamento e tudo. Só que não saiu o negócio e aí eu já tinha casado. Quando chegou o mês de julho, ele me chamou. O Emerson tinha vencido em Jarama (Espanha), na Bélgica e na Grã-Bretanha. Acabei indo só no fim de agosto, para ficar um mês e meio, quando consegui cobrir o título em Monza. Aí não parou mais e minha cobertura se tornou oficial em 1973. Fomos morar na Europa em 1973, 1974, 1975, 1976... Ficamos direto, mas aí veio a fase Copersucar, que deu uma puta esfriada no Brasil e, em 1977, me disseram: "Olha, não vai valer a pena bancar. Você não vai, não vai ninguém". E este foi um ano que acabei fazendo F-1 aqui mesmo do Brasil. No final daquele ano, já tinha conversas com a Globo e fui contratado em dezembro, sendo registrado a partir de 1978. E, no começo desse ano, o "Estadão" quis fazer uma experiência e me mandou para fazer a corrida em Long Beach. Só que o Emerson não fez nada, aquela coisa toda, e deu outra esfriada. Mas a Globo já estava transmitindo as provas e, a partir da metade de 78, passei a fazer pela Globo.


GP: Como era cobrir a F-1 e enviar textos para o Brasil na década de 70?
RL: Hoje é uma brincadeira, se fizermos uma comparação. O sistema era o telex, telefone às vezes, já que os autódromos não eram bem aparelhados. Havia cinco aparelhos de telex, em média, para, mais ou menos, 150, 200 jornalistas. Hoje são 800. Então tinha os operadores que picotavam uma fita amarela, onde os furos eram letras e formavam palavras. Só que, como tinha uma fila para entregar o texto para o operador perfurar, aprendi a fazer direto na máquina. Só que você não lia o que estava escrevendo, eram umas maquininhas cegas. Você tinha que ir escrevendo e tomar cuidado para apertar os botões certos após o sinal, "plim", que indicava o fim da linha. Eram três: "Volta o carretel", "Muda de linha" e "Letra". Se você não apertasse o "Letra", você continuava escrevendo e só saíam números. E você não saberia, pois era uma máquina cega. Só quem soubesse ler os furinhos na fita. Eu não cheguei a esse ponto. Então, você fazia naquela dificuldade. Chegava no fim do carretel, soava o "plim" e você apertava os três botões. E era uma coisa assim, não havia correção, nem nada. Caso você errasse o nome de alguém ou alguma palavra, você escrevia, "perdão", "digo". "O Emerson fazia a curva tal, digo, tal", e mudava o nome da curva. E foi assim. Essas máquinas eram para perfurar. Só que, para enviar ao país de origem, havia outras duas, apenas. Era via ligação telefônica. E a fila era maior ainda. Por isso que eu perfurava sozinho, assim furava a fila do envio. E eu chegava com a fita enrolada entre dois dedos em formato de oito. Era resistente, não quebrava. Às vezes acontecia, mas era difícil. O operador ajudava, pois via que a pessoa tinha boa vontade, colaborando com ele. Só que a matéria saía do autódromo às dez, onze da noite. Me lembro de uma história: eu estava em Zandvoort, na Holanda, e a sala de imprensa era na arquibancada. Existiam três máquinas de telex. Os jornalistas formavam fila e, quando chegava a sua vez, você sentava e escrevia. Cara, juro por Deus, estava escrevendo meu texto direto na máquina, só que essa eu conseguia ler, e tinha uma fila atrás de mim. Na minha seqüência, estava o Jeff Hutchinson, o inglês que mais escrevia. Eu estava digitando e, uma hora, parei uns dez segundos para pensar quando, de repente, o cara me cutucou e disse: "Não pode pensar, senão você vai ter de dar o lugar". E eu voltei a escrever rapidinho.

GP: Falando da Globo: como era e o que mudou na cobertura desde que você passou a integrar a emissora?
RL: Mudou muito com o advento da tecnologia. No começo, fazia reportagens em filme. Você saía do autódromo, ia para o laboratório, revelava e, depois, editava num aparelho chamado moviola, com cola, durex, aquela coisa, e depois partia para uma emissora local para enviar as imagens. Tanto que o entrevistado ficava "mastigando" antes de sair o som. Então era muito fácil você perder grandes informações, pois acabava o treino, fazia a entrevista e saía correndo para aproveitar o satélite. E muitas coisas que aconteciam depois no autódromo, você não ficava sabendo. Olha só as mudanças que a tecnologia foi proporcionando ao mesmo tempo: primeiro, em vez do filme veio o videotape, onde você gravava e via ali mesmo na máquina. Por exemplo, em uma entrevista em inglês, com o filme, só saberia o que o cara disse depois da revelação. Então, não dava nem para construir uma matéria. Com o VT, não. Acabava de gravar, assistia à fita, pegava a parte boa da entrevista, traduzia e gravava em cima. Isso já foi um ganho significativo. Outra: a emissora dona do GP que recebe os outros, no caso do Brasil, a Globo, passou a ter a obrigação de montar no autódromo uma geradora. Você não precisava mais andar 100 km, ir numa emissora local e enviar as imagens para a Globo. Gerava do próprio autódromo. Era um ganho enorme. Caso acontecesse algo depois disso, pegava o telefone, ligava para a Globo e complementava a matéria. Hoje em dia, ao invés do telefone, eu uso a internet, com modulação de voz, e o som chega limpinho no Brasil, como se tivesse sido gravado na fita.

GP: Você apresentou o "Sinal Verde" na década de 90 e hoje faz o "Linha de Chegada" no SporTV. Fazê-los é a coisa que te deu (e dá) maior prazer?
RL: Sem dúvida. Fazia aquilo quando tinha 20, 30 anos. Costumo dizer que, se tivesse o "Sinal Verde" hoje em dia, eles teriam que contratar um rapaz mais novo, pois eu não teria essa condição física. Amigo, vou te contar como eram oito minutos de "Sinal"... Para quem não se lembra, eram dois blocos. Um falava sobre o local do evento, da cidade, do país, suas características. Lembro de um bem legal que fizemos na França, falando da gastronomia. Depois, fazia um link do primeiro para o segundo bloco, onde o assunto era a corrida em si. Então, parte dos textos eu escrevia na quinta e o restante complementava na sexta, com as entrevistas. E eu passava a madrugada de sexta para sábado escrevendo o texto do programa. Oito minutos na TV é tempo pra chuchu. Eram dez horas de trabalho. Depois, no papel onde eu escrevia o texto, muitas vezes à mão, eu fazia as marcações: "Quero a imagem tal nesta parte". No sábado, pela manhã, com a voz rouca por ter passado a madrugada acordado, eu gravava e entregava as fitas nas mãos de um companheiro que tinha ido de Londres para levar para a edição. Fazia isso sem dormir. Se você pegar um desses programas antigos, dá para reparar que alguns deles fiz totalmente rouco. Este mensageiro ia embora para Londres com quatro, cinco fitas e as anotações. Geralmente, o editor me ligava no fim do dia com alguma dúvida. E esses oito minutos iam para o ar de maneira maravilhosa. Imagino isso sendo feito hoje: eu teria tempo de assistir tudo o que havíamos filmado, escreveria com calma, editando tudo no autódromo no próprio sábado, e geraria o programa pronto direto para a Globo no Rio. Com todas as dificuldades, esta foi a coisa mais bacana que fiz até hoje. Posso dizer que fui eu quem criou o espaço. Começamos como uma brincadeira, algo extra-automobilismo de 40 segundos, eles gostaram e mandaram fazer um minuto e meio, depois aumentando para dois. Terminamos o ano de 1982 com três minutos. Em 1983 foi para quatro e, no ano seguinte, foi para oito. Não sei quanto tempo ficou no ar, acho que uns dez anos.

GP: O que você considera importante para quem deseja cobrir a F-1?
RL: Hoje é bem diferente da minha época. Na minha época bastavam a paixão e interesse para aprender. Hoje não bastam a paixão e o interesse, tem de saber. Pois a cultura nossa é outra. Você conversa com um cara no bar e precisa tomar cuidado, pois ele sabe tudo. Na minha época eram poucos os caras que tinham essa paixão e esse interesse. Muita gente critica o Piquet pela forma como ele tratou a imprensa durante muito tempo, mas ele dizia isso: "Eles pegam os caras de futebol e mandam trabalhar aqui". Mas era isso. O pessoal tinha de fazer para aprender. Quando ele notou que tinha gente interessada, foi o primeiro a falar: "Você e você são pessoas interessadas, quando precisarem de algo é só vir aqui falar comigo".

GP: Qual foi o maior furo jornalístico de sua carreira?
RL: Me lembrei imediatamente de um do tempo em que estava no "Estadão". Aliás, dois. Puta furos. O primeiro: a Copersucar com Emerson e Wilsinho comprando a Wolf, de Walter Wolf, uma equipe de F-1 que tinha vencido corrida. A Copersucar tinha desistido de fazer o carro e comprou a equipe dele. Dei esse furo sozinho no "Estadão". Outro: Nelson Piquet corre de F-1. Ele corria de F-3 com o Chico Serra e, na época, o Chico me ligou: "Você está louco? Isso é impossível, alguém pular da F-3 para a F-1". Eu disse: "Chico, ele vai correr daqui a dois domingos". E o Piquet estreou na Alemanha.


GP: E a maior gafe?
RL: Boa. Cara, a televisão ao vivo é propícia para cometer gafes, pois você está interessado em interpretar o que está vendo e pode acontecer de você dizer algo que não bate nada com a imagem que as pessoas estão vendo no Brasil. O Galvão sempre fala da gafe dele e da minha. Era a estréia dele com F-1, na África do Sul, onde as duas Renault, de Prost e Arnoux, eram idênticas, e nem com detalhes em azul e vermelho para diferenciar os carros era possível distinguir, pois o sol batia de frente no carro e não conseguíamos enxergar quem era quem. O Galvão narrou a corrida inteira como sendo o Arnoux na frente. Faltando duas voltas, para o fim, que ele viu que era errado. A minha, em Mônaco, não sei o que deu na minha cabeça, foi em 1982, acho, que vi uma corrida que não estava acontecendo. Na quarta volta, na minha concepção, o líder estava dando uma volta no último colocado. Não sei se esse cara tinha parado, o que aconteceu, mas sei que era uma corrida muito rápida e achei isso. E falei. E não era nada disso. O cara tinha parado nos boxes e o último colocado estava muito atrás. Lembro só desse agora, mas aconteceram muitos outros.

GP: Você sente saudade dos tempos "boêmios" da F-1?
RL: Muita, muita saudade. Era muito mais legal. Lembro de um momento, quando o Piquet e o Senna começaram a não se falar, em 1984, em Detroit. Não tinham brigado, ainda, mas já se estranhavam. A gente já tinha a geração de imagens pós-corrida, feita imediatamente. Peguei o Senna e mandei ele ir para tal lugar, onde o encontraria com nosso cinegrafista. Ele estava no primeiro ano dele na F-1 e foi, muito atencioso, ainda. E fui buscar o Piquet. Pensei: como o Nelson vai ser mais difícil, vou até lá. Como já sabia qual seria a reação dele quando visse o Senna, atarraquei o braço dele e fui andando junto. Ele não viu o Senna até o encontro cara a cara. Na hora, fez o movimento de virar as costas e ir embora, mas eu estava atarracado no braço dele e comecei a gravar na hora, com as imagens sendo enviadas para o Rio. Fiz a entrevista inteira com o Senna do lado e segurando o Piquet pelo braço. Fora isso, o ambiente era muito menos profissional. Pilotos jantavam com os jornalistas, tomando vinho, rindo até tarde da noite. Na hora do almoço no autódromo, parecia que nem era dia de treino oficial. Havia uma descontração incrível. O Piquet corria pela Brabham e, depois, Williams e Lotus, mas sempre comia a comida da Minardi ou de uma outra italiana menor ainda. As pessoas traziam os pratos para ele, que dizia: "Bad team, good food".

GP: Qual o piloto brasileiro que foi mais injustiçado na sua opinião?
RL: Ingo Hoffmann. O Ingo tinha o destino traçado para ser o piloto da Copersucar. O Ingo era um dos caras que saiu do Brasil mais preparados para correr na F-1. Um dos mais, em uma época que não havia o que o Nelsinho fez, de treinar todos os dias, correr bastante etc. Era superpreparado, mas estava talhado para correr pela Copersucar. A gente falava sobre isso o tempo todo, comigo morando na Suíça ao lado do Emerson e ele, na Inglaterra. Quando o Emerson me confirmou o nome do Ingo, liguei para ele e perguntei: "Ingo, você está sabendo?". Ele respondeu: "Estou imaginando, mas ainda não me falaram. Te falaram?". Continuei: "Sim, mas quero saber sua opinião". Aí ele disse: "Você sabe o que eu penso. Maravilhoso. Isso está abrindo minhas portas na F-1, mas pode estar fechando, também".

GP: Seu relacionamento com o Emerson sempre foi bom?
RL: Espetacular. Espetacular. Olha, tive relações espetaculares com Emerson, Piquet, Ingo, Chico, Piquet, Boesel, com quem você imaginar, e com o Senna, por pouco tempo, pois tivemos a briga.

GP: É verdade que você tem um dos capacetes dele de 1972?
RL: Melhor do que isso: quando a F-1 completou 50 anos, fizeram uma série de 50 capacetes, um dedicado a cada ano. E o de 1972 é meu, que tem a bandeira brasileira, o nome do Emerson etc. É um capacete que ele não tem. Quando ele ficou sabendo e quis, sobrava apenas o de 1974, pois o outro já era meu.

GP: Analisando friamente hoje em dia: como você avalia a aventura do Emerson com a Copersucar?
RL: Honestamente, ainda acredito na honestidade de princípios dele. Ainda acredito que ele fez isso, largou uma equipe vencedora, a McLaren, que foi campeã no ano seguinte em que ele saiu, com o James Hunt, que só sabia sentar e acelerar, conscientemente. Ele tinha certeza que o nome Fittipaldi seria eternizado na F-1. Não foi dinheiro, nem nada. Foi uma batalha, um ato de coragem.

GP: Vocês dois tiveram um grande privilégio, que foi a amizade com o falecido beatle George Harrison. Como era a relação com ele?
RL: Não tem comparação da minha com o Emerson. Eles eram íntimos. Um estava no aniversário do outro sempre. Eu, graças ao Emerson, conheci o George Harrison intimamente na casa do Emerson, em família. Fizemos passeios, jogamos tênis, tivemos horas e horas de conversa. Como eu era único que entendia de música, que era roqueiro, ele conversava mais comigo do que com o Emerson e o nosso anfitrião, o Antônio Carlos Santoro. Ele viu que tinha um brasileiro que sabia tudo da vida dele, dos Beatles, dos Rolling Stones. Então, formou-se, nem chamaria de amizade, mas um conhecimento. Nos vários encontros que tive com ele nos 25 anos seguintes, ele me reconhecia, chamava pelo nome, o que era um baita feito. Lembro de uma vez em que o Cléber Machado estava comigo e ele apareceu nos boxes da Jordan, ficando lá e batendo papo com o Eddie Jordan. E o Cléber é um cara que sempre sacaneia. Ele ficou falando: "Vai lá, vai lá, vamos ver se ele te conhece, se ele sabe quem é você". E ele queria pedir um autógrafo para o irmão dele, louco pelos Beatles. Então fomos até ele, entramos na conversa e eu falei para ele pedir. Foi quando o Harrison viu a gente e perguntou: "Como é que anda o seu bar no Brasil"? Na época eu tinha o Rock Dreams e havia contado toda a história para ele. Caiu o queixo do Cléber.

GP: Falando de música, como foi estar inserido no mundo da que é considerada a maior banda de rock que o Brasil já teve, os Mutantes, que tinha seu irmão Dinho como baterista?
RL: Inserido, mesmo. Pois, no início de tudo, a gente vivia, eu inclusive, em uma comunidade na Serra da Cantareira. Eles já tinham a casa lá e cada um de nós possuía um terreno para construirmos as nossas. Era para ser uma comunidade hippie na Cantareira. A Rita ainda tem casa lá e eu, que acabei não levantando casa, vendi o meu terreno para ela, faz pouco tempo. Então a gente vivia isso intensamente. Participei de criação de música, de letras. Claro, não assinando, mas elas eram feitas com oito malucos dando palpite. Agora, por exemplo, na volta deles, o Serginho (Dias) me falou: "Eu vou fazer uma música para você criar uma letra ligada a automobilismo". Estou até pensando nisso.

GP: Alguma história curiosa e publicável?
RL: Publicável, não muitas. Ah, pô, sensacional, meu casamento! Pô... Sensacional! Eu casei em 1972. Quando fui à Igreja do Perpétuo Socorro para contratar o casamento, aquela coisa toda, o cara me perguntou: "Você quer música?". Claro, mas quanto custa? "Você pode pagar x e escolher as músicas, ou você paga x e ele toca o que quiser". Eu não tinha dinheiro nem para comprar a roupa do casamento. "Você quer que grave as músicas?" Nem pensar! A fita cassete custava o que seriam R$ 100 hoje. Bem, veio o casamento. A hora que a gente entra no altar, começam a tocar as cinco melhores músicas da minha vida. "Something", "Five Hundred Miles", "Yesterday", que não gosto muito, minha mulher gosta mais... Beatles, Stones, basicamente. E eram os Mutantes tocando lá em cima. E eu não sabia disso. O Arnaldo (Baptista) estava tocando o órgão. Olha, de lembrar fico arrepiado! Aquela "Something"... O padre olhava para cima com a expressão tipo "o que é isso?" Acho que foi o único casamento em que os Mutantes tocaram.

GP: Falando em amigos, foi na Globo que você passou a trabalhar do lado de seu grande parceiro, que é o Galvão Bueno. Como foi seu primeiro contato com ele?
RL: Meu primeiro contato com ele não foi na Globo. Eu já estava na Globo, sou anterior a ele. Entrei em 1978 e ele, em 1982. Ele era fã dos meus textos e um quase diretor de esportes da TV Bandeirantes, o diretor era o Darcy Reis. Ele ficava abaixo. Eu era editor na Globo, não o repórter. Isso foi em 1978. E precisava trabalhar em mais algum lugar para ganhar um dinheirinho. E ele me ofereceu ficar cinco meses na Bandeirantes para eu ficar escrevendo os textos de um programa de esportes que iria para o ar. E eu fui, sempre gostei de escrever. Das três primeiras que escrevi e ajudei a editar, a primeira era sobre a história do Cassius Clay. Programa de 20 minutos. Eles adoraram. Sabe que horas eu ia para lá? Às dez da noite. Trabalhava até as 3 da manhã, para entrar na Globo às dez. Saía da Globo às seis da noite, voltava para casa, comia algo e seguia para a Bandeirantes. Fiz isso quase um ano. Foi aí que eu conheci o Galvão. Depois voltamos a trabalhar juntos, já como narrador e comentarista. Quando ele entrou na Globo foi para fazer a Copa do Mundo, não era automobilismo, ainda. Eu fazia F-1 com o Luciano (do Valle).

GP: Como é cobrir uma corrida ao lado dele?
RL: O Galvão usa uma frase sempre, que é um negócio assim: "É bom, mas até prejudica um pouco o nosso trabalho pelo fato de a gente enxergar a corrida de uma forma muito semelhante". Era melhor até que o comentarista e o narrador vissem duas corridas diferentes, mas com a gente não é assim. A gente vive no meio. O Galvão é do meio. Apesar de ele ter começado com futebol, ele é do meio, é do ramo. Sempre curtiu, viveu isso, o mundo do automobilismo. Hoje a gente sabe aproveitar isso levando para o lado positivo, não atrapalha mais. Mas, é claro, faz com que, às vezes, ele, o narrador, que é o mestre de cerimônias, muitas vezes ele fala na minha frente, o comentarista, um complemento da transmissão, algo que estou vendo. Ainda mais sendo o Galvão, que gosta de falar um pouco mais.

GP: Como foi a briga que você teve com ele?
RL: A briga com o Galvão e o Senna foi ao mesmo tempo, uma em função da outra. Hoje, a minha leitura, que vem de algum tempo, é que tanto um quanto o outro foram levados pela opinião de outras pessoas, que não preciso dizer quem são. Isso influenciou os dois. O Galvão e, terrivelmente, o Senna. É difícil explicar a razão do ciúme, mas era um ciúme muito forte. Provocou isso e levou a conseqüências. O Galvão me conta hoje, sobre determinadas atitudes que ele tomava: "Por mais que eu quisesse tomar, me doía. Me doía, pois sabia que estava ferindo você num assunto que talvez não fosse exatamente daquele jeito que me passaram". Em toda crise existe culpa dos dois ou mais lados. Ele teve a parte dele, já falamos sobre isso muitas vezes. Eu tive a minha, mas, claro, na minha cabeça o que tive de culpa foi conseqüência de uma reação a uma ação que não partiu de mim. Reação à ação. Eles é que provocaram. E nossa amizade, quando foi reatada, ficou mais forte. Tanto que sou padrinho de casamento dele.

GP: Nesses anos todos, vocês passaram muito tempo juntos entre trabalho, viagens e diversões. Qual é a história mais engraçada que você tem com ele?
RL: Cara, o Galvão, por natureza, é um cara engraçadíssimo. Ele é cativante nas conversas, nas brincadeiras. Quando está em grupo, então... Mas ele tem de estar à vontade. Uma ou duas pessoas estranhas na mesa e ele já não fica à vontade. Ele morre de medo de falar algo na frente de um jornalista, de um cara de internet, ele morre de medo. É super pé atrás com tudo. Mas, quando ele fica à vontade, todo mundo que o conhece a fundo sabe que ele é diferente disso que dizem. O Flavinho (Gomes) é um dos que o conhecem bem e sabem do que estou falando. Mas teve algumas coisas que podemos chamar de loucuras, como bater carros alugados, um contra o outro. Teve uma história na África do Sul que ele estava com dois jornalistas num carro e eu, com dois em outro. Comigo estava a Nina Lengyel, esposa do Janos Lengyel, que já havia morrido. Era uma senhora! E, voltando do jantar no domingo à noite, sem o calor do trabalho, bebendo à vontade, começamos com a história de bater um carro no outro nas ruas de Johannesburgo. E teve um momento que a polícia estava atrás de nós direto, a gente virando esquina correndo, fugindo. Até que conseguiram parar o carro dele. Junto com ele estava o Álvaro Teixeira, que era um jornalista brasileiro que morava em Paris e fazia a "Auto Esporte". Tinha uma câmera dentro do carro, do nosso cinegrafista Sérgio Gilz, e ele teve a idéia de dizer que eles estavam correndo para filmar a cidade de noite para um programa. Enfim, conseguiram levar a polícia no papo. Com isso, me distanciei um pouco dele, mas notei que ele estava umas três quadras atrás de mim, em direção ao hotel. Mas, cara, velocidade de filme. Não entrei no hotel, virei o quarteirão, dei a volta e ele entrou. Entrei depois dele e ele estava estacionando o carro numa das poucas vagas que restavam, que era rente à parede. Então, quando vejo, o carro dele estava de lado, alinhado contra a parede, e eu, de frente. Aí eu comecei a bater no carro dele contra a parede. Eu batia de frente na lateral dele, dava a ré, batia de novo, dava a ré... O carro dele ficou meio metro mais estreito, com ele e os outros dois dentro. E tenho uma outra, essa envolvendo o Senna no México, depois de uma corrida. O Galvão estava guiando um e o Senna, o outro. Eu estava no carro do Ayrton. Cara... Foi um bate-bate na rua, coisa de desmontar os dois carros. Voltando para o hotel, no domingo à noite. O Renato Maurício Prado estava no carro do Galvão, com o Gilberto Conte. O Beegola (Wagner Gonzalez) estava no meu e era o cara que mais falava: "Vai! Dá porrada nele! Dá porrada nele!". Amigo... Tinha mexicano pulando para tudo quanto é lado!

GP: Também tivemos histórias tristes, como a morte do Senna, em que ele te passou o microfone. Como foi aquele momento?
RL: A morte no automobilismo, graças a Deus, é cada vez mais rara. Cara, nos meus primeiros anos cobrindo, a morte do Ronnie Peterson foi muito forte. Na segunda-feira após o acidente, eu falei: "Acabou, não vou mais. Não vou ficar perdendo amigos". Claro que, com a cabeça mais fria, três dias depois, o pensamento muda. Quando o Gilles Villeneuve morreu, voltei para o Brasil e as pessoas me perguntavam: "O que está acontecendo contigo? Você está em silêncio na sua casa, aqui". Quando chegou o GP seguinte, 14 dias depois, em Mônaco, desci do aeroporto em Nice, fui para Mônaco, larguei as malas no hotel e fui direto para a casa do Villeneuve. Ninguém da família me conhecia, então fiquei sentado na frente da casa dele esperando alguém sair. Uma hora saiu um crioulinho, funcionário dele, junto de duas crianças, que mais tarde vim a saber que eram o Jacques e a irmã dele. Quando ele saiu, fui em sua direção, me apresentei, comecei a conversar. Eles foram para a praia, que ficava próxima dali. A casa dele era mais alta, tinha uma vielinha e, em seguida, a praia. Eu fui junto e, enquanto as crianças se divertiam, fiquei conversando com o rapaz, pois queria falar com alguém da família. Queria estar junto, ali. É impressionante o que sofri. Aí foi seguindo. E outras mortes. Não vi a morte do (Ricardo) Paletti, pois o GP do Canadá era na semana seguinte do GP dos Estados Unidos, só que eu precisei sair de Detroit direto para a Copa do Mundo da Espanha. No domingo a minha mulher me ligou e contou: "Morreu um cara na largada". Quem? "Acho que é o Patrese". Falei "caramba". Era o Paletti. Fui atrás de jornais, não tinha internet, e me lembro que liguei para um jornalista na Itália, que me falou ter sido o Paletti. Aí vai, se perdem outras pessoas, e veio o dia do Senna. Esse dia foi impressionante, pois passou pela minha cabeça tudo o que tinha acontecido no meu relacionamento inteiro com ele: a amizade forte, enquanto existiu, a briga e o que estávamos vivendo naquele momento, que era um reatamento. Isso estava acontecendo havia um ano e meio. Ninguém falando claramente: "Vamos esquecer". Nada disso. No tempo em que estava brigado com o Senna, na hora das entrevistas coletivas, eu sempre ficava a uma distância respeitável, para não participar da roda, mas ouvir, como informação para mim. E ele sempre me viu fazendo isso. Então teve uma corrida que formou o bolinho, eles entrevistavam, eu ficava a distância e, quando ela acabou, ele me chamou. "Vamos lá dentro no motorhome?". Quando entramos, ele disse: "Percebo que, nas entrevistas, você está aí a distância, pelo que aconteceu entre nós. E quero dizer que, se você precisar de alguma coisa, pode vir falar comigo. O que passou, passou", aquelas coisas. Então estávamos nesse processo naquele ano e meio e tudo isso passou na minha cabeça. E o episódio da briga, o tempo em que eu cheguei a sentir algo que não posso chamar de "ódio". Pelas coisas que ele fazia, o desprezo que me dava quando estava com raiva, eu analisava e pensava: "Ele não é o que eu pensava, ele não vale isso". Algo normal. Isso vinha muito forte para mim até no momento do acidente. Muito forte. Minha primeira reação foi ligar para minha mulher no Brasil e fiquei, no mínimo, uns 40 minutos no telefone. Chorei. Era tristeza, claro, mas me vinha à mente um misto de tudo. Queria que ela tivesse gravado aquilo. Me lembro de ter dito no fim da conversa: "Você sabe que a gente estava bem, conversando, sendo amigo. Mas você vê que não vale a pena na vida o cara ser frio demais. A frieza dele não permitiu que ele se reaproximasse de mim o tanto que ele queria. Não deu tempo de ele fazer isso."

GP: E como foi manter o equilíbrio na narração?
RL: Olha, há uma coisa que eu faço na vida, sempre fiz e nem sei explicar: aconteceu, morreu, seja quem for, meu trabalho vai até o fim. E o do Galvão, também. E ele, como estavam na cabine o Leonardo Senna e o Ubirajara Guimarães, sócio do Senna, ficou muito transtornado. Pois ele olhava para os dois e eles, assustados. O Galvão balançava as pernas o tempo todo. Ele tinha um pano que passava no rosto e fazia isso direto, pois suava que nem um rio. E isso me levou a ficar mais calmo. Pensei: "Alguém tem que ficar mais calmo, aqui". O Galvão chegou ao ponto de, como a cabine de Imola era mais estreita, passar por cima de mim e sair para respirar. Eu fiquei no microfone e falei direto, por uns bons cinco minutos.

GP: Que horas vocês souberam da morte dele? Foi durante a corrida?
RL: Na verdade, para mim ele não saiu de lá com vida o tempo todo. Saiu tecnicamente vivo, mas morte cerebral. Isso para mim era claro. Não no primeiro momento, mas a demora dos médicos, a posição do pé, o sangue todo que ficou, sabendo que era da cabeça, para mim ele saiu de lá morto. Não cheguei a comentar isso com o Galvão naquele momento, mas sei que o Galvão tinha a mesma consciência. Quando ele encerrou a transmissão e deu a deixa, ele se mandou para Bolonha, onde encontraria o (Gerhard) Berger, o Braguinha (Antonio Carlos Braga, empresário e amigo de Senna) e todos que para o hospital tinham ido. Eu tive que segurar mais tempo lá, pois nos tornamos uma central técnica. Como o técnico de som (Cláudio Amaral) estava comigo, ficamos lá e tínhamos o (Roberto) Cabrini via celular do hospital. E o Cabrini, ao invés de ligar para o Brasil, fazia isso para nós, para equalizar o áudio que chegaria ao Brasil. Então eu soube tudo em primeira mão, oficialmente. Aquele boletim do Cabrini, "estou dando a notícia que não gostaria de dar...", passou primeiro por mim e pelo Cláudio Amaral, antes de chegar ao Brasil. E também o Rubinho ficava me ligando da Inglaterra toda hora para saber notícias. Ele me ligou exatamente quatro vezes e eu fui falando aos poucos: "Olha, é grave pra caramba", "Olha, é muito grave"... Até que ele ligou e perguntou: "Morreu?", eu falei que sim. O Rubinho foi informado por mim


GP: Em diversos momentos da entrevista você falou sobre isso, e agora aproveito este momento para perguntar: como foi sua briga com o Ayrton?
RL: Chegou no ouvido dele muita informação de coisa que tinha acontecido e não partido exatamente de mim. Por exemplo: em Monza, Monza (ressaltando o local), em 1990, terminada a corrida, fui jantar com um grupo de amigos num restaurante que íamos sempre, próximo ao hotel. E lá estavam várias pessoas: jornalistas, amigos do Ayrton e um ex-piloto, Mário Patti Jr., o Keko, que correu de F-3 com o Nelson Piquet. Ele não gostava muito do Ayrton. Quando falaram na mesa sobre as namoradas do Ayrton, esse Keko, que já estava meio alto, começou a falar: "Que namorada, que nada". Houve uma reação na mesa e vi que a situação ficou ruim. Peguei o Keko, tirei-o da mesa e falei: "Keko, você está sendo indelicado. Tem muitas pessoas aí que são amigas dele". Ele entendeu a situação, pegou um táxi e foi embora para o hotel dele. Ele foi parar ali não sei nem como. Bom... Aí acabou essa parada toda, passou, e foi para a minha surpresa que, um dia, o pai do Ayrton, seu Milton, e o primo dele, cujo nome esqueci agora, mas não tem a menor importância, me chamaram para conversar. Eles tinham umas dúvidas, tal, e comentaram sobre um programa em que eu tinha sido entrevistado pelo Marco Antonio Rocha na TV Record. Quando me perguntaram sobre o Alain Prost, respondi que ele era um cara decente, digno, rival do Senna, mas era um cara bacana, que dava atenção para a imprensa e bastante atenção para mim, um jornalista brasileiro. Só isso. Eles me disseram: "Você é o único brasileiro que fala bem do Prost no país". Eu falei: "Bom, acho que é mérito meu, pois conheço melhor o cara do que os outros". Os caras viraram bichos. Como se eu não pudesse falar bem do francês. Bom... Saí de lá meio estremecido com eles e, evidentemente, essa conversa foi relatada ao Ayrton. Em seguida, veio o GP da Espanha, em Jerez. A Globo resolveu fazer o "Globo Repórter" com o Ayrton Senna e quem o fez foi o Ernesto Rodrigues, autor do melhor livro já publicado sobre o Senna na história. Jamais haverá outro tão bom, tão fiel. E aí, o Ernesto, que era fã do automobilismo, curiosamente do Piquet, mas era um jornalista de verdade, fiel, correto, foi incumbido de fazer o programa. E ele me passou uma mensagem por telex dizendo que eu teria de deixar todas as matérias do "JN" e do "Sinal Verde" para o Galvão, e fazer as entrevistas e os textos do "Globo Repórter". O Galvão não gostou. Ele achou que ele tinha de participar. Direito dele de defender isso, mas era ordem da Globo. Estava seguindo ordens. E aí, se ele tivesse conversado comigo, ou mesmo se conversássemos ele, Ernesto, Senna e eu, a gente chegaria a um acordo, faria meio-a-meio, pois eu adorava fazer o "Sinal Verde", não queria deixar de fazê-lo. Mas não teve isso. Imediatamente, a ala do Senna tomou a decisão de que ele não faria comigo a entrevista do "Globo Repórter". O Ernesto foi até o Ayrton para marcar a entrevista comigo. O Senna disse: "Está bem, mas com o Reginaldo eu não vou fazer. Só faço se for com o Galvão". Papel do Ernesto: comunicar à Globo que o Galvão faria o programa. Para ele, não importava quem, ele precisava que a entrevista fosse feita. Foi correto, me chamou, relatou a situação e eu disse: "É evidente que você precisa do Ayrton no programa, o resto não interessa, eu faço o resto e ainda fico com o 'JN' e 'Sinal Verde', quanto a isso está ótimo pra mim, mas é uma situação muito estranha o cara, seja quem for, começar a impor regras para jornalistas". Ali foi decretado um rompimento. A corrida seguinte era o Japão. E, no Japão, o Galvão talvez não fosse, o que acabou acontecendo. Naquela época, o avião saía de São Paulo e fazia uma escala antes no Rio. Estava esperando a ala carioca entrar, entre eles o Celso Itiberê, e o Galvão não entrou. Não sabia se ele iria, pois não estava falando com ele, e pensei: "Bom, ele deve ir amanhã, ou já foi". O Celso sentou ao meu lado no avião, ficamos conversando e ele me confirmou que o Galvão não estaria no Japão. Acabei sabendo também que o Ayrton não daria entrevista para mim. O Celso sabia disso, eu não. O Edgard Mello Filho também sabia, segundo me disse depois. Até então eu pensava que aquilo da Espanha tinha sido um caso isolado, coisa do "Globo Repórter". Pensei: quando chegar lá, resolvo o problema. Cheguei lá, olha a situação: teve o treino de sexta-feira, fiz todas as minhas entrevistas e, quando chegou a vez do Senna, com câmera e microfone, ele falou: "Com você eu não falo". E passou reto. Ainda comentei: "Não é comigo que você vai falar, é com o telespectador, com o brasileiro". Ele nem respondeu. Fechei minha matéria sem ele, mandei o satélite e comecei a entrar em contato com a Globo, relatando o que aconteceu. Disse que teria uma solução e eles me perguntaram qual. Propus o Celso, que era de "O Globo", da casa. Ele fez a entrevista e eu fiz o resto da matéria. Por sinal, o cinegrafista japonês cortou o boné do Banco Nacional. E, claro, o Senna acabou me culpando por isso. Eu que nem cheguei perto na hora da entrevista. Era mais uma das tantas que eles imaginavam e faziam virar verdade. E haveria ainda tantas outras, que passei a não me incomodar mais. Um dia talvez eles caíssem na real. Quando acabou o campeonato, a Globo tomou uma decisão correta. Tirou os dois do ar, eu e o Galvão. E ficamos fora do ar em dezembro, janeiro, fevereiro... Me lembro bem desse detalhe, pois a decisão foi tomada no dia em que eu tinha feito uma puta matéria em Interlagos com o Zico andando num carro de Stock Car. Ele guiando. Fiquei feliz, editei uma matéria maravilhosa para o "Esporte Espetacular", mas veio a ordem e a matéria foi para o lixo. Ficamos fora do ar e, quando era para voltar, o Galvão negociou com a Rede OM, que era a Gazeta, e se mudou para Curitiba, iniciando o que ele achou que seria uma carreira nova, solo, não com corrida, mas como diretor de esportes da emissora. Uma coisa nova. Ele podia ter se dado muito bem, não fosse culpa do próprio canal. E aí, lembro que na despedida dele, eu estava no Rio e ele foi falar comigo. Foi bem gentil, bem bacana. Disse: "Olha, foi um período nosso, a fase passou, mas é algo que nenhum dos dois vai esquecer. Tchau". Achei que a gente nunca mais voltaria a trabalhar junto.

GP: Você chegou até a ser afastado das transmissões da F-1 neste período, né?
RL: Nesse primeiro momento, foram afastados os dois. Quando o Galvão saiu, começou o campeonato seguinte na África do Sul, fomos o Luiz Alfredo e eu. Mas continuou aquela coisa dentro da Globo. "Será que vai ficar ruim? Que deu a impressão de que alguém ganhou a briga?". E me afastaram da cobertura. Isso foi em 1992. Aí aconteceu o seguinte, as coisas do destino... Estava fora da F-1 e buscando um outro nicho dentro da Globo. O Emanuel (Castro) me falou: "Tem aí um Pré-olímpico de basquete, estamos investindo em basquete masculino, pode ser um bom caminho pra você, que tem uma boa experiência internacional. O torneio será em Portland e você pode começar a desenhar um caminho novo". Legal. Maravilha. Estava escalado para ir a Portland em junho, se não me engano. Aí o Piquet bateu em Indianápolis. Ele saiu das operações, começou a fazer a recuperação, e o telefone tocou na minha casa. Era ele, que falou comigo rapidinho. "Tem uma coisa que eu queria falar com você, mas vou deixar o Lua falar por mim", disse. Passou o telefone pro Lua (Carlos Cintra Mauro, colunista do Grande Prêmio) e ele me disse: "Olha, está todo mundo em cima do Nelson para fazer a entrevista. Tem a Bandeirantes, o SBT, a Manchete, o jornal "O Globo", outros jornais, tal. Você sabe que ele não gosta muito disso e me pediu para ligar e propor uma exclusiva com você". Respondi para o Lua: "Muito obrigado, é uma prova de amizade, sentimento, fidelidade, mas o evento é da Bandeirantes. Quero ver se a Globo vai querer". E fui conversar com a redação, com meus chefes. Teoricamente, sabia que não era política dar força para um evento da concorrência. Mas tentei. Passei por vários escalões até chegar na direção do jornalismo. O Ernesto Rodrigues conhecia bem o [Carlos Henrique] Schroder e o Alberico [Souza Cruz], que era o diretor. Eu falei: "Ernesto, aconteceu isso, o que eu faço?". Ele respondeu: "Olha, é um pepino. Um evento da concorrência, tal. Mas conheço bem o Schroder, ele é extremamente competitivo. Se ele comprar a idéia como sendo uma coisa que a Globo está furando a concorrência, ele topa". Bem, relatei isso pro Schroder, morrendo de medo, e ele falou: "Me dê cinco minutos". Foram precisos apenas três. Ele me retornou a ligação e disse: "Pode embarcar". Aí eu fui para Nova York, peguei o equipamento, o pessoal, e partimos para Indianápolis. Fizemos a matéria, aquela coisa toda, voltamos, uma baita dificuldade. Mandamos gravar na Europa depoimentos de vários pilotos desejando boa recuperação ao Piquet. Os pilotos estrangeiros falaram em inglês. O [Maurício] Gugelmin falou em português e o Senna, em inglês. Fizemos a edição toda em Nova York, mandamos para o Brasil e a matéria foi um puta sucesso. Oito minutos e 15 dentro do "Fantástico". Você sabe o que significa isso? Puta sucesso. A repercussão foi enorme. O pessoal do escritório de Nova York se reuniu na casa de um deles para comemorar, com churrasco, caipirinha, tal. Uma comemoração de um resultado bem feito. Voltei para o hotel, dormi e de manhã cedo fui para a Globo de Nova York. Chegando lá, tinha um telex do Luis Fernando Lima, dizendo: "Bem vindo de volta à F-1, de onde você nunca deveria ter saído. Luis Fernando". Fiquei maravilhado com aquilo. Claro que contou tudo, a repercussão da matéria, uma série de coisas. Tinha ficado fora da F-1 nas últimas quatro corridas. E aí, em Nova York, fui fazer o visto para a corrida seguinte, no Canadá. Enfim, voltei.

GP: E como é sua relação com os outros narradores com quem você já compartilhou as transmissões da Globo (Luciano do Valle, Luiz Alfredo, Cleber Machado e Luiz Roberto)?
RL: Ótima. Luciano, Luiz Roberto, Cleber, Luiz Alfredo, Oliveira Andrade... Fiz narração com dois outros caras que fizeram corridas únicas, na época da saída do Luciano e chegada do Galvão. Gente da Rádio Globo do Rio. E, em uma corrida dessas, em 1982, fui para a Alemanha. Esperava a chegada do Luciano e, de repente, sexta-feira, me ligam do Rio, dizendo: "Regi, não vai o Luciano, não vai o Galvão. Você terá de narrar sozinho". Eu dei uma tremida, mas disse: "Pô, amigo, é uma chance nova, tenho que me controlar, levar isso em diante do meu jeito de contar as coisas para o telespectador". Acho que fiz uma corrida linda, maravilhosa. Claro que foi uma narração diferente. A empolgação que o narrador tem, eu não tenho. Mas, por outro lado, tinha um espaço infinito para contar tudo o que eu sabia. Na hora de falar de um piloto ou uma equipe, eu completava com as notícias que cercavam a dupla, para onde ia um, com quem a equipe ficaria etc. Tudo sem sair daquilo que a corrida mostrava. Muito legal, uma experiência maravilhosa.

GP: Entre os anos 80 e 90, quando o Brasil estourava na F-1, a quantidade de jornalistas daqui que cobriam corridas era enorme. Devia ser uma farra tudo isso, não?
RL: Nessa época me apelidaram de "Leme’s Tour". Quem me apelidou foi o Nilson César. Sempre tive e tenho até hoje esse sentimento de agrupar as pessoas. Procurava até reunir o maior número de gente no mesmo vôo, o que tornava a viagem em si uma delícia. Lá, quando saíamos, todos os jantares era eu quem marcava. Esse lazer era a minha parte, da "Leme’s Tour". Cara, que época! A gente passeava, jantava, jogava pebolim no Hard Rock Café de Montreal, jogava bocha na França... Que época!

GP: Conte da excursão de vocês para a Hungria, no primeiro GP que teve lá, em 1986...
RL: Sensacional. Sensacional... Mas nessa estavam apenas o Galvão, eu, o Beegola [Wagner Gonzalez] e o Julio Caio Azevedo Marques, ex-piloto, que trabalhou na organização do GP do Brasil com o Tamas [Rohonyi]. Perguntei para o Tamas o que ele recomendava na Hungria no espaço entre a prova de Hungaroring e a da Áustria. "O Balaton. Você não conhece o lago Balaton? É o paraíso do turismo!". O Tamas é húngaro, né... Pegamos o mapinha e fomos direto para lá na segunda-feira. Realmente, um puta hotel, com cassino e tudo, mas o mais novinho dos turistas tinha 70 anos. Era um lugar geriátrico pra caramba, pois o lago era de lama. Uma lama preta fedida, à base de enxofre. Aquilo era tratamento, né? A gente ficava naquele lago com os caras jogando baralho dentro do lago. O pessoal tinha aquelas bóias que serviam como mesa e os velhinhos ficavam lá jogando. E a gente junto. Foi divertido. Diferente. Bem legal.

GP: Qual foi o momento de maior emoção que você teve em todas essas viagens?
RL: Um momento muito bacana foi em uma corrida no GP da Áustria, em que fomos para Salzburg. Estava com a minha mulher, a Carmem Sílvia, o [Sérgio] Louzão, o César Augusto estava pela Globo, Flavinho, o [Fábio] Seixas, o Dentinho (atual técnico de áudio da Globo). Fizemos um passeio por umas antigas minas de sal, cruzamos fronteira de Áustria com Alemanha por baixo da terra. Sensacional, amigo, sensacional. Era risada o tempo todo. Essa parte é inesquecível e eu penso no meu livro... Como tem muito livro de F-1, o meu tem que ter muita coisa de dentro e do paddock, acho muito importante também essa parte extra-pista, inesquecível.

GP: E qual foi a corrida da sua vida?
RL: Orra... A corrida da minha vida... Me ajuda: movida por qual aspecto? Técnico, de transmissão...

GP: No geral... A que mais marcou...
RL: Vamos lá... O que veio em minha mente agora foram os dois primeiros campeonatos do Piquet. O primeiro, de 1981, foi o que eu fiz uma entrevista maravilhosa com ele. Teve um lance nessa entrevista, essas coisas que Deus e o destino te ajudam muito. Na hora que você está mais confuso no que vai fazer, no desespero, pô, cara, se você acredita numa coisa, como eu acredito, Deus ajuda, mesmo: estava correndo atrás do Piquet para fazer a entrevista, ele estava casado na época com a Sylvia. Ela era arredia a toda a imprensa. Brasileira, então, nem se fala. Ela tentando fazer ele fugir da gente e nós correndo atrás dele. Quando ele parou para falar comigo, comecei a fazer umas perguntas, ele respondeu as primeiras e foi se emocionando, tendo que ficar calado para segurar o choro. Naquela fração de segundo, eu pensei: "Ele tem essa fama de ser frio demais e essa reação é muito quente". Então, em vez de tentar interromper para continuar as perguntas, preferi deixar o silêncio e o rosto dele. É aí que eu digo que era a mão de Deus: achei que era a hora de ficar quieto e passar a emoção de um cara tido como frio. A matéria, de "Jornal Nacional", pois a corrida era sábado, teve quatro minutos. E 40 segundos dela foram de silêncio. Genial, também, o câmera Orlando Moreira (de Nova York). E nós recebemos um baita elogio do diretor de jornalismo da época, o Armando Nogueira, "pela sensibilidade do repórter que soube entender que o silêncio traduzia mais do que tudo". Guardo isso para mim, pois elogio do Armando é pra se guardar para o resto da vida. No segundo título do Piquet, ele ainda com aquela coisa dele, arredia, tudo mais, a gente tinha conversado bastante e, pouco antes da largada, o Galvão já estava na cabine e eu ficava nos boxes até o último segundo, buscando informações, subindo só na hora da corrida. E o último momento antes de subir foi com o Piquet. Ele tinha ido ao banheiro fazer xixi e fiquei esperando ele sair. Quando ele saiu, eu o acompanhei, colocando a mão nas costas dele e dizendo. "Vai lá, calma, boa sorte, tenha serenidade para fazer uma corrida de decisão". Ele falou: "Legal". Quando eu passei por ele, ele segurou minha mão e não tinha nem como voltar. Eu fiquei de costas para ele, no meio do burburinho, e ele segurando minha mão. E eu não conseguia soltar. Ele apertava, com a mão suada, molhada. Ele soltou e foi pro grid, e eu subi correndo pra encontrar o Galvão na cabine. "Vamos lá, Reginaldo, as últimas informações". Eu queria contar o que tinha acontecido. O cara, sujeito chamado de frio, ter essa reação. Minha mão estava suada, demonstrando o que ele estava passando. Aí acabou, ele foi campeão e eu saí correndo para falar com ele e retribuir isso. Fui o segundo cara a chegar no carro. O primeiro foi o Bernie, que o ajudou a sair do carro. Porra, ele me deu um abração e fizemos uma matéria em cima disso. Foi uma grande entrevista. A mulher dele ainda era a Sylvia, mas ela já sabia respeitar os jornalistas. E fiz a entrevista com ela abraçada nele, ele com uma latinha de cerveja e eu perguntando as coisas, qual era o sentimento. E ele disse (interpretando): "Sei lá, tomei essa latinha e já estou nas nuvens". Terminava assim a matéria. Foram duas corridas em que eu fiz um trabalho muito bom. Quer uma corrida que também está na história para mim? Em um GP de Portugal, estavam na parada para vencer: Senna, Prost, Mansell, Piquet e mais um. E, na transmissão, o Galvão falou assim: "Vamos dar um palpite?". Isso na primeira volta. O Prost estava em quinto. O Galvão deu seu palpite e eu disse: "Cara, isso aqui está cheirando Alain Prost". E deu Prost. Recentemente, aconteceu isso com o Rubinho na Ferrari, no GP da Inglaterra de 2003, em Silverstone. Cara, não sei, essas coisas que eu digo que vêm de Deus: começa aquela largada com Schumacher, Raikkonen muito bem, embolando, tal, e o Galvão: "Seu primeiro palpite, Reginaldo". Eu disse: "Cara, tem Schumacher na pista, tem Montoya, mas só dois pilotos para ganhar essa corrida: ou dá Rubinho, ou Raikkonen". Os caras começaram com um ímpeto que dava para ver. E deu Rubinho. Na semana seguinte, fui para Florianópolis, já que sou padrinho de casamento do Larri Passos e amigo do Guga. E fui ver o treino do Guga em Camboriú. Quando eu entrei, ele estava descansando e me disse: "Pô, cara, não vou perder nem mais tempo vendo corrida, você acerta o cara na terceira volta!". Isso ficou gravado para mim.

GP: Mundando de assunto... Assistindo a reportagens da época, você perguntou uma vez ao Senna, durante seus primeiros testes, sobre valores de ofertas que ele recebeu, tendo a resposta prontamente dita. Hoje em dia, você acha que um Felipe Massa receberia bem uma questão dessas, por exemplo?
RL: De jeito nenhum. Até por contrato, explicitamente, o cara não pode falar em valores. Explicitamente. Você sabe que, recentemente, o Marcelo França, nosso gerente de eventos, esteve nos testes em Barcelona e, quando ele e a Mariana [Becker] estavam entrevistando o Massa, perguntaram algo que não tinha nada a ver com a Ferrari, mas com a F-1, sobre o achatamento de preços. O Luca Colajanni, assessor da Ferrari, entrou no meio da entrevista dizendo: "Não, não, não. Ele não fala sobre assuntos financeiros". Não era nada específico.

GP: Sobre esses mesmos testes do Senna: você acompanhou todos. Na época, você também ficou impressionado?
RL: Muito. Donington, especialmente. Quando ele saiu dos boxes pela segunda vez, quando fui ver ele contornar a curva de entrada nos boxes, fiquei impressionadíssimo.

GP: Voltando para o Felipe: qual a visão que você tem dele?
RL: O Felipe é um cara de um talento natural que não é o do Schumacher, do Senna. Ou de um Mansell, de um Hakkinen. Na F-1 atual, não sei quem eu citaria como referência. Mas é um cara que, com a dose de talento que ele tem, é muito inteligente ao saber aproveitá-la. Muito inteligente na pista e no contato com a equipe, em trazer a equipe para ele. O Felipe vai ser campeão do mundo. Ele é piloto para ser campeão do mundo. Ele sabe ser um campeão do mundo. E ele aprendeu muito com seus erros na Sauber, que foram fundamentais para sua carreira.

GP: Ligando Massa a Rubens Barrichello: onde foi que Barrichello pecou?
RL: No extra-pista. Nas entrevistas, nas atitudes, nos gestos fora da pista. No momento em que o Jean Todt estendeu a mão para o Rubinho e ele passou direto, apesar de ter todas as razões, naquela vergonha que aconteceu na Áustria, no que o obrigaram a fazer, ele não foi inteligente. Se ele tivesse sido frio ali na hora, diante das câmeras, e cumprimentasse o chefe da equipe, teria moral para falar o que quisesse contra todos dentro do motorhome. Mas eu vou te dizer: o talento natural que ele levou para a F-1 quando entrou na categoria está entre os 15 melhores da história. Da história. E ficou provado isso quando ele andou com Schumacher nos dois primeiros anos, milésimos atrás e, às vezes, até à frente.

GP: Quando ele foi anunciado como companheiro de Michael Schumacher na Ferrari, você em algum momento pensou que situações como o GP da Áustria de 2002 aconteceriam?
RL: Pensei, pensei. O Jackie Stewart falou isso para o Rubinho.

GP: Se ele tivesse sido bem assessorado, sua história seria outra?
RL: Acho que sim. Tem muita gente que é bem assessorado e não segue. Fundamentalmente, se ele tivesse isso, seria outra coisa. Mas acho também que não é culpa dele. O "timing" em que as coisas aconteceram para ele não foi favorável. A morte do Senna foi terrível para as costas dele, o convite da McLaren veio na hora errada, aquele que foi rasgado e, depois, o convite da Ferrari, que ele tinha de aceitar, veio na mesma época do Schumacher. E ele foi macho em aceitar.

GP: Falando em Michael Schumacher, você considera ele um caso à parte no automobilismo?
RL: Caso à parte. Tenho dúvidas, quando as pessoas me perguntam sobre Senna ou Schumacher. Tenho sérias dúvidas.

GP: Ele foi mal-intencionado, mesmo, em 1994 e 1997?
RL: Foi vigarista. Agiu de má-fé tanto em 94 como em 97 e, mais recentemente, naquele episódio de Mônaco, do treino de 2006, com o Alonso... Escrevi isso uma vez: o Schumacher, assim com o Senna - nada a tirar, pois ele faria a mesma coisa -, esses caras divinos nascem para ganhar de qualquer jeito. Não tem meio-termo. O Senna seria capaz das vigarices, se fosse necessário. Eles simplesmente não aceitam a derrota. Isso está dentro do cara, ele não quer perder de jeito nenhum.

GP: Quem é seu ídolo nas pistas?
RL: Meu primeiro ídolo chamava-se Jackie Stewart. Claro que Emerson, Senna e Piquet foram ídolos... Pô, você me pegou... Primeiro veio o Jim Clark, muito distante. O mais forte foi Jackie Stewart. O Emerson brincava comigo sempre: "Você é meu amigo e gosta mais do escocês do que de mim".

GP: E você já chegou a ficar nervoso ao entrevistar algum piloto?
RL: Claro. Ô. Não sei se com a mão tremendo, mas todo trabalho que você faz, você tem dias felizes e outros que você não está dominando a situação. Você está inseguro. Aconteceu muitas vezes. Quanto mais você se prepara para falar com um grande ídolo, mais você fica tenso. O Prost, por exemplo, mas ele facilitava muito as minhas entrevistas, pois falava com ele em francês. Todos os repórteres, fora os franceses, faziam em inglês, mas eu falava em francês. Teve uma entrevista, em especial, em Brands Hatch, em um campeonato que ele ganhou. Essas entrevistas coletivas eram feitas pelas cinco emissoras que transmitiam, e que pagavam, pelo direito de entrevistar. Eram cinco, a RAI italiana, a RTL alemã, a TF1 francesa, a Globo, do Brasil, e a BBC, da Inglaterra. E, para não haver sorteio, tinha um revezamento: se você era o primeiro a perguntar numa coletiva, na próxima você ia para o fim da fila. Assim, sucessivamente. Nessa corrida, eu era o último. Todos os caras, com exceção da TF1, tinham falado em inglês e, quando chegou a minha vez, ele disse: "Você, não. Você sabe falar em francês comigo e sua entrevista vai ficar muito melhor". Eu comecei em inglês e ele disse isso. "Estou muito cansado para pensar em inglês". E, claro, a entrevista foi ótima. O Prost foi um grande ídolo.

GP: Você acredita que se José Carlos Pace não tivesse morrido ele seria campeão de F-1 um dia?
RL: Com certeza. Pelo ímpeto dele, com certeza. O Pace era visto pelo Bernie Ecclestone, na época dono da equipe, e pelo Herbie Blash, segundo cara do time, que hoje é delegado da FIA, com admiração pelo seu talento. Ele não tinha muito controle emocional, mas isso aprenderia.

GP: Que tipo de matéria ou trabalho você não fez e sonha fazer?
RL: Um programa que não precisa ser nos moldes do "Linha de Chegada" do SporTV, menor e com liberdade, dentro da Rede Globo. Numa TV aberta, claro que estou falando isso pela Rede Globo. Claro que, se recebesse um convite de uma TV aberta, podendo fazer isso, fazer o que quisesse, eu poderia aceitar porque é algo que eu gostaria muito de fazer antes de encerrar a carreira. Mas, de preferência, na própria Globo.

GP: Como você diz no "Linha", estamos vendo a bandeirada se aproximando. Falando de automobilismo brasileiro: que classificação você dá para o panorama atual?
RL: Nota zero para a escassez de categorias de fórmula. Está escassamente em zero. Para a falta de oportunidades que tem um kartista para correr no Brasil. Tanto que qualquer pai de piloto do kart na idade dos 14 e 15 anos, que conversa comigo, eu falo para ele mandar o filho para fora do país. Vai fazer o que aqui? Zero nesse ponto. Agora, nota mil no aspecto turismo. E não é só Stock Car, não. A Stock ensinou o brasileiro a gostar de turismo. As corridas de Super Clio faziam mais sucesso do que F-Renault. Temos a GT3 e, se tiver um campeonato de marcas hoje, que entrem as fábricas, pô, arrasa. O turismo pegou no Brasil, e acho isso uma coisa adulta, pois todo país europeu que tem um automobilismo desenvolvido, falo de Alemanha e Inglaterra, todos têm o turismo fortíssimo. Mas, claro, a fórmula é que fabrica o piloto campeão.

GP: Não é uma vergonha um país com oito títulos mundiais de F-1 e cinco 500 Milhas não ter uma categoria-escola?
RL: Exatamente isso. E não sei quando é que vai ter pela situação financeira, o que isso exige economicamente. Quem vai fazer isso? Só as fábricas podem fazer e com interesses indiretos. Se você pegar as montadoras todas, se unirem e botar um piloto para correr em uma categoria que não levam o nome delas, é uma coisa, um ideal meio difícil, mas eu, se fosse eles, faria isso e desse jeito. Ou uma Petrobras. Quer saber, mesmo? A obrigação seria da Petrobras de criar uma categoria-escola agora. Já. Obrigação. Qualquer empresa estatal de um país desenvolvido faria isso nesse momento. E a Petrobras não faz o que poderia fazer para garantir a seqüência de campeões que tivemos.

GP: Falando em novas gerações. Conversamos de Senna e Piquet, mas o que você diz de Bruno e Nelsinho?
RL: Bom, aí são coisas ainda bem diferentes. Eles vão se debater lá na frente. O Bruno, evidentemente, está não um, mas dois degraus, dois anos atrás do Nelsinho. Ele está em pleno ano de desenvolvimento na GP2. Acho que esse é o ano dele, ganhando ou não, mas andando bem, conseguir um lugar na F-1. Se não conseguir, temos a vaga de piloto de testes. Por isso digo dois, não um. E o Nelsinho está lá e numa equipe que, se não é de ponta neste momento, tem um histórico e tende a voltar a ser de ponta. E ela tem estrutura e investimento para fazer com que o talento dele apareça. Basta para o Nelsinho, ele não precisa subir ao pódio nem ganhar corrida, andar próximo do Alonso. Se ele andar muito perto, a carreira dele está feita.

GP: Dos aspirantes à F-1, em quem você bota mais fé?
RL: Neste momento, no Lucas Di Grassi. Acho um piloto fortíssimo. Tinha muita fé no João Paulo [de Oliveira], mas por motivos financeiros teve de fazer marca-passo, correndo aqui, ali. Ele era um cara que não tinha bala e achou viável correr no Japão, em algum lugar ele tinha de fazer o que ele gosta.

GP: E o kart, você têm acompanhado?
RL: Olha, fiquei muito tempo sem acompanhar o kart, mas tive a felicidade de fazer uma prova do Brasileiro no ano passado, onde eu vi os cadetes, os menininhos, e conversei muito com os dirigentes. Tem um dirigente da Comissão Nacional de Kart (Pedro Sereno) que tem uma visão... Ele dá a vida pelo kart. Existem outros caras que estão muito empenhados. O próprio Nestor Valduga, que é do CTDN (Conselho Técnico Desportivo Nacional), mas dá uma força grande para o kart, e o (Paulo) Scaglione. Ele tem a base do kart, a base dele é kart, como presidente do Automóvel Clube da Lapa. Então ele me provou que está investindo no kart nacionalmente. Campeonatos regionais e nacionais. E ele me disse: "Você pode não ver esse trabalho hoje, mas verá daqui a dois anos". Ele me disse isso, pessoalmente. Vamos esperar pra ver.

GP: Dessa nova geração que só tem o kart e a F-3, quem você destaca?
RL: O Brasil teve uma geração espetacular, recentemente. Até falei para o Pedro Paulo Diniz, quando criou a F-Renault: "Cara, você fez isso num momento felicíssimo". Era uma geração de talento fantástica. E nem assim a F-Renault foi para frente. Me ajuda aí: Jimenez...

GP: Bia, Di Grassi, Khodair...
RL: Esses caras aí. Inclusive o Khodair, Diego Nunes... O próprio Alberto Valério... É uma geração de ouro, viu. A Bia... Acredito muito na Bia. Eu ouvi de empresários na Europa que se eles tivessem uma piloto mulher tecnicamente boa eles investiriam muito. E, no momento que eu ouvi isso, um cara da Petrobras me falou não-oficialmente que a Bia era uma pessoa em que ele investiria. Agora, ela está nos Estados Unidos.

GP: E entre os estrangeiros?
RL: Não tenho acompanhado nesse nível, sinceramente. A gente acompanha a GP2, sente o talento do piloto. No ano em que o [Nico] Rosberg ganhou, o talento para mim era o [Heikki] Kovalainen, que foi vice. O talento do [Lewis] Hamilton é uma coisa visível, do Nelsinho, também. O ano da GP2 foi definitivo para formar minha opinião sobre ele. Sempre achei o Nelsinho bom. Fraco ele não poderia ser, senão o Nelsão tirava o time, sabendo como ele é. Mas tinha certas dúvidas, pois, natural, tudo o Nelson não pode ter, ele deu para o filho, mas, algumas vezes, em exagero. A possibilidade de treinar, de ter isso, locomoção, avião etc. Eu, como pai, claro, faria a mesma coisa. Então isso fez com que eu sempre ficasse em dúvida na F-3 Sul-americana, se ele era tudo isso. Na F-3 Inglesa já melhorou e na GP2 ele constatou que é bom. E, toda vez que converso com o Nelson, ele fala: "O cara é bom".

GP: Por melhor que ele seja, ele sempre teve uma equipe por trás. Isso não vai o atrapalhar na F-1?
RL: O Nelsão tem consciência disso. Tanto que ele diz que, no segundo ano de GP2, era tudo por conta só do Nelsinho. No primeiro ano ele esteve ao lado do filho. No segundo, poucas vezes. E agora não aparece mais. Ele me falou que não vai em nenhuma corrida de F-1. Eu disse que duvidava, aí ele falou: "Ele tem que caminhar sozinho". Agora, qual foi o presente dele? Um jatinho. Acho tudo isso válido. Se tem condições, dá. Se ele sente que isso foi prejudicial para ele, perder tempo em aeroporto, e pode dar algo melhor, ele dá. Mas, assim como ele oferece, ele cobra, e muito.

GP: Vamos falar da menina dos seus olhos, que é o anuário. Como surgiu essa idéia?
RL: Verdade. A idéia do anuário é bem antiga. Contribuiu para que eu a realizasse a decisão de um antigo sócio, o Carlos Carinha, que me trouxe o desejo de realizar e, quando ele falou isso, comentei que era algo que pensava em fazer havia muito tempo. E foi assim que fizemos os cinco primeiros números, com ele. Depois, pela forma radicalmente diferente de administrar um negócio desses, nós desfizemos a sociedade. Não daria certo. Aí, chegou ao quinto ano, cada um foi para o seu lado.

GP: O "AutoMotor" é o legado que você pretende deixar para as gerações futuras?
RL: Tenho certeza que é um deles. Mas, o principal legado será o livro, se eu conseguir fazer. Falo desse livro há mais de 15 anos e não começo nunca. Você sabe que, com o passar do tempo, as coisas que eu tenho, que são tudo de memória, vão se apagando. Vai ficando mais difícil. Vão surgindo livros de automobilismo. Por mais que eu acho que meu livro tem diferencial, há um receio e ele não pode ser mais um. Tudo bem, sou o cara que teve mais tempo, mas isso não basta. Ainda acho que, partindo do princípio de que o livro terá tudo o que eu vi em bastidores, em pista, o que eu conheci de pilotos, engenheiros, chefes de equipe e jornalistas, o pista e o extra-pista, acho que tenho condições de fazer algo divertido, romantizado. O grande legado, se eu conseguir, será esse. Por enquanto, o anuário pode ser considerado um legado. De 16 números, os últimos sete são de uma qualidade que não há no mundo nada igual.

GP: Para encerrar: depois de duas horas extremamente agradáveis de papo, você vai revelar sua idade hoje?
RL: Vou ficar devendo, não dá. Mas é quase 60.




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