A Copa
Para os brasileiros, a Copa de 1982 vai ficar marcada para sempre como uma grande frustração. O esquadrão montado pelo técnico Telê Santana era recheado de craques, sendo comparado por muitos ao time tricampeão doze anos antes.
Mas, como o futebol é imprevisível, dentro de campo a força superou a arte. Brasil e França, que maravilharam os espectadores com a plasticidade de suas jogadas, dribles e toques, foram superados por Itália e Alemanha Ocidental, que tinham como maiores armas em campo a força física, a disciplina tática e a rigidez na marcação.
A seleção brasileira de Zico, Sócrates e Falcão mereceu um destaque à parte. Após boas vitórias e um futebol extremamente convincente, o time virou unanimidade na crítica internacional e franco favorito ao título. Mas perdeu para a Itália por 3 a 2 (com três gols do artilheiro Paolo Rossi) e foi eliminado.
A Copa de 1982 também será lembrada pela ascensão do futebol africano, possibilitada principalmente pelo aumento no número de seleções participantes, de 16 para 24. Camarões e Argélia, os dois representantes do continente, por pouco não foram à segunda fase. O primeiro só perdeu a vaga para a campeã Itália no saldo de gols.
Na decisão, Itália e Alemanha lutavam pelo tricampeonato que as igualaria ao Brasil - até então, a única seleção detentora de três títulos. A seleção italiana, que chegou à Copa criticada por sua torcida e imprensa, perdeu um pênalti na primeira etapa, mas na segunda marcou três gols, venceu por 3 a 1 e voltou a ser campeã após 44 anos.
O Campeão
Com uma defesa muito boa, um time bastante experiente e um Paolo Rossi inspirado nos três jogos decisivos do Mundial, a Itália conseguiu em 1982 ao menos três proezas: a primeira, voltar a ganhar uma Copa após 44 anos.
A segunda, igualar-se à seleção brasileira, até então a única tricampeã. A terceira - talvez a mais importante e difícil -, superar um enorme número de problemas durante a preparação e a própria competição no caminho rumo ao título.
A Itália foi à Copa da Espanha bastante desacreditada. Não era para menos. O time havia colhido resultados pífios nos jogos de preparação. A principal estrela e artilheiro do time, o atacante Bettega, contundido, não tinha condições de disputar nenhuma partida. Para o seu lugar, Paolo Rossi, eterna promessa que acabara de voltar de uma suspensão de dois anos, foi convocado.
O futebol apresentado e os resultados colhidos pela Itália na primeira fase do Mundial não ajudaram em nada a melhorar o ambiente. Em três jogos, três empates (contra Polônia, Peru e Camarões) e apenas dois gols marcados. A classificação à segunda fase veio apenas no número de gols marcados.
Na segunda fase, a Itália entrou como o "azarão" em um grupo que tinha ainda Brasil (o destaque da Copa) e Argentina (então a atual campeã). Mas, logo no primeiro jogo, os italianos bateram os argentinos: 2 a 1.
Contra o Brasil, a Itália precisava da vitória para ir às semifinais. E conseguiu. Paolo Rossi desencantou, marcando três gols. A defesa, baseada no ótimo líbero Scirea e nos esforçados Cabrini e Gentile, funcionou bem -como em todo o Mundial. E, quando falhou, havia no gol Dino Zoff -ainda seguro e ágil aos 40 anos.
A vitória sobre os brasileiros parece ter dado ânimo extra aos italianos. Na semifinal, a equipe comandada pelo técnico Enzo Bearzot superou a Polônia, por 2 a 0, graças a mais dois gols de Rossi.
Na decisão contra a Alemanha, o primeiro tempo foi estudado e carente de emoções. Os alemães atacavam mais, mas a defesa italiana não cedia. E foi a Itália quem protagonizou o lance mais importante do primeiro tempo. Aos 24min, Cabrini bateu um pênalti para fora.
Na segunda etapa, a seleção italiana voltou mais ofensiva. E, aos 11min, brilhou, mais uma vez, a estrela de Paolo Rossi. O atacante marcou, de cabeça, o primeiro gol, abrindo caminho para a vitória italiana por 3 a 1. Mais de quatro décadas depois do bicampeonato, a Itália leva a Copa para casa pela terceira vez.
DATA FASE JOGOS
14/06/1982 Primeira fase Itália0 x 0Polônia
Itália
Zoff; Collovati, Gentile, Scirea, Cabrini; Marini, Tardelli, Antognoni; Conti, Graziani, Paolo Rossi.
Técnico: Enzo Bearzot
Polônia
Mlynarczyk; Janas, Jalocha, Matysik, Zmuda; Majewski, Smolarek, Buncol; Lato, Iwan (Kusto), Boniek.
Técnico: Antoni Piechniczek
Local: Estádio Balaidos, em Vigo
Árbitro: Michael Vautrot (FRA)
Auxiliares: Adolf Prokop (RDA) e Nicolai Rainea (ROM)
Cartões Amarelos: Marini e Scirea (ITA); Boniek (POL)
Público: 33.000
18/06/1982 Primeira fase Itália1 x 1Peru
Itália
Zoff; Collovati, Gentile, Scirea, Cabrini; Marini, Tardelli, Antognoni; Conti, Graziani, Paolo Rossi (Causio).
Técnico: Enzo Bearzot
Peru
Quiroga; Duarte, Salguero, Diaz, Olaechea; Velasquez, Barbadillo (Leguia), Cueto; Uribe (La Rosa), Cubillas, Oblitas, Diaz.
Técnico: Tim
Local: Estádio Balaidos, em Vigo
Árbitro: Walter Wschweiler (ALE)
Auxiliares: Mario Rubio Vazquez (MEX) e Abraham Klein (ISR)
Cartões Amarelos: Tardelli (ITA); Duarte (PER)
Público: 25.000
Gols: Conti (ITA) 18min, Diaz (PER) 28min do 2º tempo
18/06/1982 Primeira fase Itália1 x 1Camarões
Itália
Zoff; Collovati, Gentile, Scirea, Cabrini; Oriali, Tardelli, Antognoni; Conti, Graziani, Paolo Rossi.
Técnico: Enzo Bearzot
Camarões
N'Kono; Kaham, Ndjeya, Onana, Kunde; Mbom, M'Bida, Milla; Tokoto, Abega, Aoudou.
Técnico: Jean Vincent
Local: Estádio Balaidos, em Vigo
Árbitro: Bogdan Dotchev (BUL)
Auxiliares: Arminio Victorian Sanchez (ESP) e Emilio Aladren (ESP)
Cartões Amarelos: Ndjeya (CAM); Antognoni (ITA)
Público: 20.000
Gols: Graziani (ITA) 15min, M'Bida (CAM) 16min do 2º tempo
29/06/1982 Segunda fase Itália2 x 1Argentina
Itália
Zoff; Collovati, Gentile, Scirea, Cabrini; Oriali (Marini), Tardelli, Antognoni; Conti, Graziani, Paolo Rossi (Altobelli).
Técnico: Enzo Bearzot
Argentina
Fillol; Olguin, Luis Galvan, Passarella, Tarantini; Gallego, Ardiles, Kempes (Valencia); Bertoni, Ramon Diaz (Calderon), Maradona.
Técnico: César Luis Menotti
Local: Estádio Sarriá, em Barcelona
Árbitro: Nicolai Rainea (ROM)
Auxiliares: Belaid Lacarne (ALG) e Bruno Galler (SUI)
Cartões Amarelos: Gentile e Paolo Rossi (ITA); Kempes, Maradona e Ardiles (ARG)
Cartão vermelho: Gallego (ARG)
Público: 43.000
Gols: Tardelli (ITA) 10min, Cabrini (ITA) 22min, Passarela (ARG) 38min do 2º tempo
05/07/1982 Segunda fase Itália3 x 2Brasil
Itália
Zoff; Collovati (Bergomi), Gentile, Scirea, Cabrini; Oriali, Tardelli (Marini), Antognoni; Conti, Graziani, Paolo Rossi (Altobelli).
Técnico: Enzo Bearzot
Brasil
Valdir Peres; Leandro, Oscar, Luisinho, Júnior; Cerezo, Falcão, Sócrates, Zico; Serginho (Paulo Isidoro), Éder.
Técnico: Telê Santana
Local: Estádio Sarriá, em Barcelona
Árbitro: Abraham Klein (ISR)
Auxiliares: Bogdan Dotchev (BUL) e Thomson Sun (HKG)
Cartões Amarelos: Gentile e Oriali (ITA)
Público: 44.000
Gols: Paolo Rossi (ITA) 5min, Sócrates (BRA) 12min, Paolo Rossi (ITA) 25min do 1º tempo; Falcão (BRA) 23min, Paolo Rossi (ITA) 29min do 2º tempo
08/07/1982 Semifinal Polônia0 x 2Itália
Polônia
Mlynarczyk; Dziuba, Kupcewicz, Janas, Zmuda; Matysik, Majewski, Smolarek (Kusto); Buncol, Ciolek (Palasz), Boniek.
Técnico: Antoni Piechniczek
Itália
Zoff; Collovati, Scirea, Bergomi, Cabrini; Oriali, Antognoni (Marini), Tardelli; Conti, Graziani (Altobelli), Paolo Rossi.
Técnico: Enzo Bearzot
Local: Estádio Camp Nou, em Barcelona
Árbitro: Daniel Cardellino (URU)
Auxiliares: Gilberto Aristizabal (COL) e David Socha (EUA)
Cartões Amarelos: Smolarek, Majewski e Zmuda (POL); Collovati (ITA)
Público: 50.000
Gols: Paolo Rossi (ITA) 22min do 1º tempo e 28min do 2º tempo
11/07/1982 Final Itália3 x 1Alemanha
Itália
Zoff; Collovati, Gentile, Scirea, Cabrini; Bergomi, Oriali, Tardelli; Conti, Graziani (Altobeli)(Causio), Paolo Rossi.
Técnico: Enzo Bearzot
Alemanha Ocidental
Schumacher; Briegel, Kaltz, Karl Forster, Bernd Forster; Stielike, Dremmler (Hrubesch), Breitner; Littbarski, Fischer, Rummenigge (Hansi Müller).
Técnico: Jupp Derwall
Local: Estádio Santiago Bernabeu, em Madri
Árbitro: Arnaldo César Coelho (BRA)
Auxiliares: Abraham Klein (ISR) e Vojtech Christov (TCH)
Cartões Amarelos: Conti e Oriali (ITA); Dremmler, Stielike e Littbarski (ALE)
Público: 90.000
Gols: Paolo Rossi (ITA) 12min, Tardelli (ITA) 24min, Altobelli (ITA) 36min, Breitner (ALE) 38min do 2º tempo
Curiosidades
Manda quem pode...
A França já goleava o Kuait e fez mais um gol para ampliar a vantagem. O xeque Fahid Al-Ahmad Sabah, também dirigente da confederação de seu país, invadiu o campo e exigiu que o árbitro soviético Miroslav Stupar anulasse o gol, alegando que seus jogadores haviam ouvido um apito e parado no lance. Ele obedeceu e, no dia seguinte, foi suspenso pela Fifa. O xeque acabou multado.
Brasil tipo exportação
O Brasil teve três treinadores na Copa de 1982: além de Telê Santana na seleção, Carlos Alberto Parreira dirigia o Kuwait e Tim (Elba de Pádua Lima) era o treinador da equipe do Peru.
Tédio
Houve um intervalo de nove dias entre o último jogo brasileiro na 1ª fase e a estréia na 2ª fase. A rotina de treinos e concentração abalou alguns jogadores
Faturando alto
Em 1982, Diego Armando Maradona já era visto como grande craque durante a Copa, mas ainda não estava consagrado. Mesmo assim, após a vitória sobre El Salvador, na primeira fase, passou a cobrar US$ 5.000 por cada entrevista concedida.
O perseguido
E Diego Maradona não era, em 1982, o mais polido dos jogadores. Seu estilo polêmico já era evidente. Após ser criticado por Pelé em um dos jogos, o argentino saiu-se com essa: "Quero muito bem ao Pelé, mas ele se equivocou. Pelé precisa estar no time e enfrentar a marcação constante de quatro defensores para depois opinar."
Choque de gerações
Aos 17 anos e 42 dias, o atacante Norman Whiteside, da Irlanda do Norte, atuou contra a Iugoslávia. Ele permanece até hoje como o mais jovem jogador a estar em campo em uma Copa. Já o italiano Dino Zoff se tornou o jogador mais velho a ganhar uma Copa. Tinha 40 anos quando ergueu a taça, único goleiro na história a ter essa honra.
Bagunça espanhola
Mesmo tendo 18 anos para organizar a Copa de 82 -tempo recorde até hoje-, a Espanha deixou a desejar em diversos aspectos. "Eles parecem ter deixado tudo para a última hora e não sabem agora o que fazer. Tudo é difícil. É um fracasso", relatou Arnoldo Chiorino, jornalista da Folha de S.Paulo, à época.
Encolheram o gol
Os travessões do estádio Ramon Sanchez Pizjuan, em Sevilha, estavam 2,5 centímetros abaixo do estipulado pelas regras da Fifa no jogo entre Brasil e União Soviética. O erro foi descoberto no dia seguinte por um ex-goleiro iugoslavo.
A regra é clara
Arnaldo César Coelho se tornou o primeiro árbitro brasileiro a dirigir uma decisão de Copa do Mundo em 1982. Ao ser informado de sua escolha, ele chorou.
Superstições
Todas as vezes que o ônibus da seleção brasileira foi do hotel para o estádio o fez por um mesmo caminho, e sempre voltou por um outro. A rotina só foi mudada no fatídico dia 5 de julho, quando o ônibus enveredou na ida pelo caminho que costumava fazer a volta. Nesse dia, também pela primeira vez desde o início da Copa, a seleção não posou para fotografias. O Brasil perdeu por 3 a 2 para a Itália e foi eliminado.
Principais frases antes, durante e depois da Copa
"Com Paolo Rossi no ataque, nossas chances de vencer a Copa ficam reduzidas."
Gabriele Oriali, meia da seleção italiana, antes da Copa do Mundo da Espanha
"Espero persuadi-los a comer pelo menos um pouco antes do jogo."
Carlos Alberto Parreira, sobre as dificuldades de dirigir o Kuait, cujos atletas, muçulmanos, faziam jejum durante a Copa por estarem no período do Ramadã
"Telê revoluciona o futebol mundial."
Zezé Moreira, técnico da seleção na Copa de 1954 e espião de Telê em 1982
"Bota ponta, Telê!"
Bordão do programa Viva o Gordo, de Jô Soares, uma crítica em forma de humor sobre esquema tático da seleção
"Não era o nosso dia. Se marcássemos quatro gols, a Itália marcaria cinco. Não conseguimos manter o empate nem por cinco minutos."
Zico, logo após a derrota para a Itália na Copa
"A defesa da Itália é muito boa, dá combate em toda a intermediária e sai jogando com rapidez. Acho a Itália um adversário muito perigoso, ao contrário do que estão falando."
Falcão, no dia em que o Brasil ficou sabendo que a Itália seria um dos rivais na 2ª fase
"Quando a Itália fez o segundo gol, olhei para o Cerezo, e ele estava chorando. Fiquei louco de raiva. Descontrolado mesmo. Fui até ele e disse: 'se você não parar de chorar agora, meto-lhe a mão na cara. Este é um jogo para homens, Toninho. Se você está com medo, saia logo'."
Júnior, lateral da seleção, em entrevista logo após a derrota para a Itália
"Quando chegar em meu quarto, na concentração, vou chorar, gritar, desabafar sozinho."
Cerezo, que errou um passe que originou um gol italiano, após o jogo
"Decidiremos o jogo indo à frente, sem recuar nossa equipe. Somos melhores."
Telê Santana, técnico da seleção brasileira, sobre a tática que utilizaria contra a Itália
"Brasileiro não é covarde, mas o mais importante é jogar futebol. Não deve haver revide nem reclamações. É uma colaboração que podemor dar ao futebol."
Telê Santana, em 1º de julho, antes do jogo entre Brasil e Argentina
"Nem sempre vencem os melhores."
Faixa colocada no hotel da seleção brasileira após a derrota para a Itália
"Azar de quem não acreditou. Tanto reclamaram desta seleção que vai ser difícil para essas pessoas explicar ao público como uma seleção tão ruim foi campeã do mundo."
Bruno Conti, um dos destaques da Itália, logo após a vitória na final
"Só não digo que o futebol-arte não serve para o Mundial porque estaria cometendo injustiça com outras seleções brasileiras que conquistaram o título. Mas às vezes é importante partir para um futebol mais rude."
Falcão, no dia seguinte à derrota para a Itália
"Por favor, voltem logo. Será difícil que nos acostumemos a outro tipo de futebol."
Diário "El Correo de Andalucia", sobre a seleção brasileira após a derrota para a Itália
Foram os trinta dias mais perdidos da minha vida."
Sócrates, sobre sua participação na Copa
"Telê deveria ter me levado à Copa de 1982. Mas eu tinha posições políticas, e ele era reacionário."
Reinaldo, ex-centroavante de Atlético Mineiro
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