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24/08/2010 - Contos do Futebol: Pequeno Grande Torcedor

As mãos suavam frias. O coração pulsava ainda mais forte. Os olhos brilhavam. "Filho, no domingo, nós vamos ao Maracanã". As sábias palavras de minha mãe eram a senha para a imaginação de criança – já distante da realidade – sonhar ainda mais alto. Sim, porque era minha mãe que me levava aos jogos. Minha mãe – que foi mãe e pai – guerreira e torcedora, frágil e ao mesmo tempo intransponível, responsável ao mesmo tempo que aventureira.

Dia de clássico era assim. Ou melhor, véspera de clássico era assim. Não estudava, não brincava, sequer comia direito. Dormir direito, impossível. Impressionante como os domingos amanheciam ensolarados, alegres, prontos a nos convidar para a festa de gala às 17h. Ainda era aquele o horário nobre do futebol. No domingo, qualquer palavra era sinônimo de cedo. Praia era cedo. Banho era cedo. Almoço era cedo. Hoje entendo porque mesmo nos jogos mais vazios curto chegar cedo ao Maraca.

Indubitavelmente, os preparativos se assemelhavam ao baile principal. A indumentária era a melhor, vista e revista com antecedência. A camisa, preparada como uma jóia. A bandeirola, separada como o mais valioso dos adereços. A ansiedade auto-consumia. No caminho, pelas ruas – metrô é coisa moderna – a magia do jogo já se fazia presente naquela mente infantil. As lotações cheias, os bares alegres, os adversários abraçados. Nostalgia? Não, longe disso. Apenas um mundo mais civilizado; ou menos anestesiado e banalizado, dependendo do ponto de vista.

O outrora Maior do Mundo justificava a alcunha. Ainda vem à memória a multidão se aglomerando, se afunilando, se expremendo pelas apertadas roletas do estádio. Meninas e meninos como eu eram carregados por sobre os ombros; mal sabíamos como se sofria lá embaixo – minha mãe é uma gigante de 1,51m.

Mesmo longe de parecer um museu ou um parque, passeávamos no Maracanã. Depois que entrávamos, me lembro de ter (per) corrido inúmeras vezes sua parte interna. Tanto o anel superior como o inferior, naturalmente. Só me dava por satisfeito após ver o estádio todo, como se fosse meu, lá de cima, onde hoje estão os camarotes. Mas nada se compara a adentrar aqueles estreitos túneis de acesso.

De frente pra um deles, pronto para conquistar o estádio, bandeira na mão e coração na boca, não se ouvia mais nada a não ser o som inigualável da torcida. Chamando, gritando, pulando e torcendo. Era improvável não nos situarmos atrás do gol, até pela brevidade da hora. Arquibancadas de cimento com marcações amarelas eram percorridas por olhos atentos a tudo e a todos.

Aos poucos, os lugares se preenchiam e o estádio ganhava cor. Os artistas da famigerada geral precediam os artistas do espetáculo. O momento mais sublime se aproximava. O estádio em polvorosa, o suor na testa, os cânticos, o flamular das bandeiras, a fome. Tudo junto em um único momento.

Ao entrar dos times, festa colossal de lado a lado. Fumaças coloridas propagavam-se pelos ares; incontáveis rolos de papel higiênico eram esmigalhados ao vento. O ruído pareceria ensurdecedor a qualquer turista, mas não a mim. Apenas o som do choro de minha irmã nascendo tem a mesma grandeza daquele barulho, o mesmo arrepio na espinha e na minha alma então juvenil.

Nas derrotas, embora ainda faltasse muito tempo para o final, me desolava e engrossava a vasta fila de torcedores de todas as idades, que preferiam encurtar o martírio a presenciar tamanho vexame. Por diversas vezes chorava no estacionamento, agachado junto ao pára-lama dianteiro do fusca branco. Cabeça enfiada nos ombros, pés juntos, soluçava sem parar, quando recebia um abraço: "Mãe, você também já saiu? Mas o jogo ainda não acabou...".

Caminhando lentamente rumo à carrocinha de sorvetes mais próxima, aprendi algumas poucas palavras – que mal foram ouvidas – sobre a relatividade do ato de perder e ganhar. As mãos já não suavam, o coração tampouco palpitava. Os olhos, ainda marejados, buscavam na guloseima o conforto praquele momento.

* Luiz Fernando Vetere


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